Um novo Michel Foucault, por favor (e com urgência)
Como se sabe, Michel Foucault foi, entre muitas outras dimensões do seu percurso intelectual, o pensador das micro-relações de poder, aquele que mostrou que o poder não é uma essência detida pelas «grandes figuras de autoridade», mas um processo gerado nas relações desiguais entre diferentes actores, insinuando-se nas mais variadas esferas, em particular naquelas aparentemente desprovidas da tal «autoridade».
O “post” anterior ilustra na perfeição essas micro-relações de poder que Foucault gostava de analisar: no interior de um certo dispositivo, supostamente concebido para «facilitar a vida» dos seus utilizadores, eis que encontramos todo um conjunto subtil de mecanismos de controlo, formatados para apertar a vigilância sobre os professores no seu local de trabalho, para seguir o rasto das suas actividades, para definir, por assim dizer, o seu «perfil» de profissionais, e, por fim, para até conter tudo isso em fórmulas quantificáveis (dentro desta versão da «modernidade», muito ao gosto de José Sócrates e dos seus comparsas «Isctianos», que consiste em reduzir a qualidade à quantidade).
O fenómeno triste, mas não surpreendente (e que Foucault conhecia bem), é que os alvos destes mecanismos de controlo e subordinação são os seus primeiros cúmplices, os primeiros a correr para colocar sobre o lombo a canga que os oprime e que, provavelmente, ainda se sentem agradecidos por isso.
Este curvar da cerviz, voluntário e abnegado, explica, desgraçadamente, muita coisa…
em 24/01/2010 em 12:32
Belo post.
A respeito de controlos, para além de Foucault, complemento com Deleuze e o seu Mille Plateaux. Nesta obra, Deleuze descreve algumas instituições (o hospital, a prisão, a escola, etc.) como sendo um palco de um poder controlador.
Para Deleuze, os hospitais surgiram devido a uma questão economicista. À medida que os soldados começaram a ser cada vez mais especializados, não compensava deixá-los morrer no campo de batalha, dado o número de horas de formação investidas. Daí, para rentabilizar esse investimento, terem surgido os hospitais que, por um custo menor do que a formação de um novo soldado, conseguiam colocar o soldado doente de novo no activo.
Para Deleuze, a escola não serve para a apredizagem de conhecimentos. Tal é apenas uma capa, digamos, uma desculpa ,para que as crianças aprendam regras rígidas (por ex., levantar-se quando entra um professor). Deste modo, a escola permitiria a criação de cidadãos domesticados e habituados a cumprir ordens de um poder controlador.
Voltando às questões informáticas, a “culpa” do controlo não é do software, mas dos utilizadores / administradores que, sedentos de cruzamento de informações, pretendem utilizar as plataformas para esses fins.
Não quer isto dizer que estou a defender o Gato, para mim uma má aplicação em termos técnicos (tal é ainda mais grave, porque a aplicação, desde Janeiro deste ano, é paga).
Por outro lado, a generalização de que a utilização de meios informáticos é controladora também não me parece honesta. Ao criar / desenvolver soluções, tenho sempre em mente, como paradigma, o excelente trabalho efectuado pelo colega Paulo Prudêncio. Será que as várias bases de dados que ele criou na Santo Onofre, desmaterializando os procedimentos dos concelhos de turma, são controladoras?
em 24/01/2010 em 12:43
Caro Tecno,
Não tenho dúvidas que a informática pode auxiliar e muito o trabalho do professor, facilitando as suas tarefas burocráticas, nomeadamente, no âmbito da direcção de turma, como facilmente se reconhece. A questão é outra, como já se percebeu e ficou amplamente demonstrado com estes dois post’s e também nos respectivos comentários.
Cumprimentos
P.S. Não posso deixar de felicitar o Mário Machaqueiro pelo brilhante texto/post que redigiu. A exigir profunda reflexão de todos nós…