Um vazio demasiado cheio (de coisas péssimas)
As notícias mais recentes apenas prolongam as constatações que registámos no último “post”.
O vazio que aí mencionámos revela-se demasiado cheio… de coisas péssimas. E infelizmente previsíveis. A começar pela subordinação do ECD à famigerada Lei 12-A/2008 de 27 de Fevereiro, tal como antecipámos aqui e aqui. Para quem tivesse dúvidas, o Paulo Guinote esclareceu com este “post“, e com este, quase tudo o que há para saber a propósito dos novos mecanismos de poder arbitrário, e praticamente incondicionado, que passam a ficar nas mãos dos futuros mega-directores dos futuros mega-departamentos que se estão a perfilar no horizonte. É só cruzarem o Decreto-Lei 75/2008 com a dita Lei 12-A, e logo verão o lindo rebento que o Ministério está pronto para parir.
Não será isto mais do que suficiente para os professores saírem do atordoamento e da apatia em que parecem ter caído?
Ou será que estamos condenados a assistir ao espectáculo deprimente do «salve-se quem puder» e da luta fratricida pelo lugarzinho ao sol?…
Ou, finalmente, será que os trabalhadores deste e de outros países têm de passar pela experiência de perderem quase todos os seus direitos sociais para perceberem que os direitos só se defendem com a luta contínua pela sua preservação, e que neste sistema social (capitalista, pois claro) nada é concedido e tudo tem de ser conquistado?
Se assim for, resta dizer: que perda de tempo, e de energia, e de vida!
A extensão do vazio
É difícil acrescentar algo ao diagnóstico implacável que o Paulo faz neste post. Com a mais recente teimosia do Ministério da Educação em manter a fraudulenta avaliação do desempenho para efeitos de graduação no concurso de professores, foi colocado o prego que faltava no caixão da história recente da luta e da resistência dos professores.
Foi uma história com momentos bonitos.
Foi uma história que marcou uma reviravolta no tocante à monopolização das lutas laborais por parte das organizações tradicionais (sindicatos), graças à emergência de novos actores (blogosfera e movimentos independentes).
Foi uma história que, sabemo-lo dolorosamente, poderia ter ido muito mais longe.
Mas há que reconhecer que ela corresponde a uma página definitivamente virada. Só nos resta ter a força e o engenho para encetarmos a escrita de novas páginas em novos livros. Este está, infelizmente, encerrado.
O que fica no terreno é quase nada, e o que sobra é pouco mais do que mau:
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Um ECD sem promulgação à vista, que, mesmo depois de promulgado, irá preservar graves estrangulamentos na progressão profissional dos professores, mantendo muitas das assimetrias e desigualdades consagradas no ECD em vigor;
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Um aberrante modelo de avaliação do desempenho, que ficará a minar para sempre a equidade na graduação dos professores para efeitos de concurso;
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Um modelo autoritário e antidemocrático de administração escolar, que começa a revelar todos os seus frutos de arbitrariedade, de subserviência, de compadrio e de despotismo;
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A consagração da precariedade dos professores contratados, reduzidos ao estatuto de carne-para-canhão do sistema de ensino;
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O total imobilismo no Estatuto do Aluno, anunciando-se «alterações» que vão acentuar ainda mais o pior do modelo vigente;
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A cristalização dos aspectos mais gravosos nos actuais horários docentes.
Já muito foi dito sobre os factores que nos levaram a todos estes becos sem saída. Importa, contudo, recordar alguns dados elementares:
No momento decisivo da luta, em Novembro de 2008, quando teria sido fundamental manter a coerência no combate ao modelo de avaliação – e coerência teria sido não ceder em aspecto algum que o salvaguardasse -, a opção maioritária foi pactuar com a versão «simplex» do dito modelo, aceitando a entrega da auto-avaliação. Os sindicatos foram os protagonistas essenciais dessa cedência, dando o mote para a divisão dos professores, para a sua tergiversação e para a fantochada terminal em que se traduziu a aplicação do famigerado modelo. Com isso, conseguiram, sem dúvida, retomar o controlo da luta dos professores, esperando uma mudança de ciclo político que lhes permitisse retomar um lugar na mesa de negociações. Mas os principais interessados nada ganharam com isso.
Sabemos agora toda a extensão do preço que os professores pagaram, estão a pagar e vão pagar no futuro por esta estratégia sindical. O braço de ferro em torno da introdução da avaliação para efeitos de concurso, conflito de que agora o Ministério emerge triunfante, é bem a expressão de como os professores saem deste processo com uma mão cheia de nada e a outra de coisa nenhuma. Se acrescentarmos a isto o facto absolutamente vergonhoso de termos visto o principal dirigente da Fenprof jurar a pés juntos que a avaliação nunca iria contar para o concurso de professores, só podemos dizer que à derrota real se veio somar um epílogo grotesco.
Uma última palavra para os fanáticos do sindicalismo-que-temos. Alguns de nós têm sido acusados de não se terem entusiasmado por aí além com as grandes manifestações de 8 de Março e de 8 de Novembro de 2008 (a do 15 de Novembro é outra história). É verdade que foram mobilizações inéditas na história do movimento laboral, por terem trazido para a rua a quase totalidade de um grupo profissional. E é verdade que todos nós vivemos intensamente essas experiências. Mas a intensidade não significa falta de lucidez. Com efeito, entre os movimentos independentes, houve quem tivesse a «desfaçatez» de se preocupar com o dia seguinte a essas manifestações, isto é, de querer determinar o que se poderia fazer, dentro das escolas (nos locais onde a luta dói no osso), com a mobilização realizada nas ruas. É por demais conhecido o que foi o «dia seguinte» do 8 de Março, congeminado por sindicatos e Ministério: chamou-se Memorando de Entendimento. Também é conhecida a resposta, fora do quadro do controlo sindical, que os professores lhe deram no início do ano lectivo seguinte.
Quando ao day after do 8 de Novembro, ele está agora à vista de todos.
Por isso não nos venham falar de «grandiosas manifestações», quando subtis manobras de bastidores as reduzem, tão facilmente, a coreografias telecomandadas, com vista à obtenção de efeitos que nunca se traduzem em ganhos apreciáveis para quem nelas deu o corpo ao manifesto.
Este sindicalismo-que-temos, formatado na era das «concertações sociais», mais próximo do poder que lhes dá beijinhos do que dos trabalhadores que deveria representar, está completamente desadaptado face ao tempo que vivemos, tempo marcado pela destruição acelerada de todos os pilares do Estado-Providência, tempo de novas relações de força que romperam o cenário de qualquer «concertação».
A erosão política dos sindicatos de professores é apenas reflexo dessa inadaptação, a qual ultrapassa em muito o seu raio de acção para se estender ao sindicalismo em geral (e este fenómeno, desgraçadamente, está longe de ser só português).
Teremos, pois, de esperar que o processo social de uma nova luta de classes – não tenhamos medo da expressão – consiga, por arrastamento, refundar os sindicatos-que-temos, transformando-os nos sindicatos-de-que-precisamos.
Até lá, há que cerrar os dentes e permanecer de pé (entre as ruínas?).
Petição em favor do ensino da História
Considera que o ensino da História é um instrumento fundamental para que os portugueses possam compreender a realidade envolvente, procurar a realização pessoal, contribuir para o desenvolvimento sustentável e para o aprofundamento da democracia?
Sabe que, para além das reduções do peso curricular impostas nas últimas décadas, as disciplinas anuais de História podem vir a dar lugar a unidades curriculares semestrais de História e Geografia?
Tem conhecimento de que, actualmente, para aceder aos Mestrados em Ensino da História e da Geografia no 3º Ciclo do Ensino Básico e no Ensino Secundário basta ter realizado, numa Licenciatura de três anos (180 ECTS), dois anos (120 ECTS) em ambas as áreas disciplinares (nenhuma das quais com menos de 50 ECTS)?
Subscreva a petição proposta pela Plataforma “História, democracia e desenvolvimento”, dinamizada pela Direcção da Associação de Professores de História, pelo Departamento de História, Arqueologia e Artes da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra; pelos investigadores e docentes António Borges Coelho, António Manuel Hespanha, Filomena Pontífice, Isabel Barca, João Paulo Avelãs Nunes, Marília Gago, Olga Magalhães, Raquel Pereira Henriques e ainda por Artur Santos Silva.
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