Sobre as alternativas e as lutas a travar por elas
Continuando, noutros moldes, a conversa do “post” anterior…
Para além da barreira do intoxicante unanimismo com que, nos dias de hoje, nos querem fazer aceitar o inaceitável, as alternativas existem e estão a ser pensadas. Podemos encontrá-las aqui e aqui, por exemplo. Note-se que tais alternativas nem sequer pressupõem a tão “temida” revolução socialista, mas tão somente o retorno às condições social-democratas do Estado-Providência. Pressupõem, pois, que o capitalismo funcione sem ter de esmagar os trabalhadores. O passado recente – e uma parte do presente – da Escandinávia mostra que isso não é uma utopia ou o mero delírio dos ingénuos.
E o que são essas alternativas no quadro europeu?
Se tomarmos uma direcção mais benigna e optimista (ou menos radical), elas passam pela constituição, à escala da União Europeia e, em especial, da Zona Euro, de uma política orçamental e fiscal comum que liberte os Estados dos ditames do capital financeiro e da banca privada. Pressupõe uma solidariedade europeia por meio da qual os défices de uns sejam compensados pelos superavits dos outros, enquanto base necessária para um crescimento económico sustentável.
Contudo, numa direcção mais drástica, as alternativas à actual política recessiva, destruidora do emprego e dos direitos laborais, poderão exigir aos países periféricos da Zona Euro (Grécia, Portugal e Espanha) que abandonem a moeda única, que retomem a soberania no controlo das políticas financeiras e que forcem os credores da agiotagem banqueira a renegociar a dívida. Várias vozes sugerem hoje que o caminho recentemente seguido pela Argentina poderá ser a via a adoptar pela periferia da Zona Euro.
O drama (ou a tragédia) é que todas estas alternativas só funcionam numa escala transnacional, o que obriga a que as lutas dos trabalhadores por tais alternativas tenham de ser travadas nessa mesma escala.
Significa isto que greves gerais, ou até mesmo sectoriais, só resultam se ocorrerem, em simultâneo e conjugadamente, no conjunto dos países europeus em que os trabalhadores se defrontam com o ataque aos seus direitos.
Significa que precisamos de organizações laborais capazes de federar os trabalhadores na referida escala transnacional.
Significa que necessitamos, desesperadamente, de dirigentes laborais que consigam vislumbrar esse desafio e que estejam dispostos a lutar por ele.
Mas significa mais ainda.
Significa que os trabalhadores precisam de ganhar consciência de tudo o que está em jogo. Significa a necessidade de romper com a intoxicação mental, servida por uma comunicação social dócil e cúmplice do capital financeiro, intoxicação que pretende fazer acreditar que a perda dos direitos sociais dos trabalhadores é uma fatalidade tão inescapável como a morte ou as estações do ano.
É um facto tristemente histórico que os explorados raras vezes se revoltaram contra os exploradores, e que quase sempre aceitaram a sua condição como inevitável, à conta dos vários aparelhos ideológicos de conformação social que foram fazendo o seu labor de anestesia de massas. O movimento operário do século XIX e de uma parte do século XX constituiu, no entanto, uma poderosa excepção a essa regra. E foi graças a essa excepção que os direitos laborais e sociais puderam ser consagrados no Estado-Providência que uma certa Europa soube construir.
Agora, mais do que nunca, é tempo de recuperarmos esse património e essa consciência de combate.
É tempo de perceber que os direitos adquiridos são sempre direitos conquistados.
É tempo de erguermos uma grande recusa e de lutarmos por aquilo que nos é devido.
em 12/10/2010 em 11:10
Pois Mário, isto no plano teórico até faz sentido.Mas creio que para isso, a Europa teria de passar a ser uma federação com um forte governo central e não creio que haja muitos partidários dessa via.Por outro lado, não me parece muito viável que os países com pouco déficit estejam dispostos a financiar facilmente o despesismo, a currupção e a ineficiência dos países do PIG.Depois temos os paraísos fiscais com os quais ninguém quer acabar porque são o indispensável maná que permite aos grandes interesses finaceiros efectuarem as suas fugas e movimentações sem quaisquer constrangimentos ou receio de taxação. E estes lobbies são quem comanda de facto o curso das mudanças mundiais. Sendo assim, vejo a coisa um bocado difícil….
em 12/10/2010 em 13:22
Pois, José, os estrangulamentos são, em parte, esses que apontas. De resto, o famoso «Pacto de Estabilidade e Crescimento» que impõe aos países da Zona Euro condições draconianas de disciplina orçamental foi cozinhado por esses países do «centro» que não estão dispostos a financiar o suposto regabofe dos países periféricos. Mas a história será mesmo assim tão linear? Se adoptarmos outras perspectivas de análise, descobrimos que o dito “regabofe” andou, afinal, a ser financiado pela banca privada dos países centrais (Alemanha e não só), e que esse regabofe assentou muito mais no sector privado – de onde resultava a maior percentagem do endividamento antes da crise dos “subprime” – do que no sector público (esse estava amarrado pelos tais critérios do tal Pacto de Estabilidade e Crescimento). E se escavarmos um bocadinho, constatamos que toda a arquitectura da Zona Euro foi montada para engordar os mercados financeiros e para colocar os Estados do sul da Europa nas mãos da banca dos países centrais – como se está a ver.
Tudo o que dizes é verdade. Mas também é verdade que os males que indicas resultam de opções políticas e que estas não são irreversíveis, se as pessoas estiverem dispostas a lutar eficazmente contra elas. Em última análise, o que está em causa é, a curto ou médio prazo, a própria sobrevivência da União Europeia e da moeda única…
em 13/10/2010 em 11:19
Concordo plenamente que a própria UE está em risco, mas não me parece crível a hipótese de deixarmos o Euro. Isso teria como inevitável consequência a queda vertical do valor do escudo, e como temos de importar quase tudo (o nosso tecido produtivo está em frangalhos)o resultado seria uma penúria geral de proporções inimagináveis, tanto mais que os nossos principais compradores continuam na zona Euro. Isso significaria dificuldades inultrapassáveis para colocar aí as nossas exportações, tendo como contrapartida a degradação total das condições detrabalho e o desmoronar do Estado Providência. Por outro lado a própria cúpula da UE vendeu-se (é o termo) recentemente aos barões da agricultura trangénica com a Monsanto à cabeça, ao abrir as portas aos alimentos genéticamente modificados. Isto mostra o enorme poder dessas organizações que conseguem vergar não só estados mas até grupos de estados, e evidencia a fragilidade da própria UE que se coloca como seu refém. Assim a coisa vai bastante mal….
em 17/10/2010 em 15:35
O meu ponto de vista é simultaneamente mais optimista e mais pessimista do que os precedentes. É optimista no sentido em que o modelo politico-económico que governa a Europa tem brechas teóricas e contradições internas insanáveis – que aliás lhe começaram a ser apontadas desde o início do Século XIX, durante o qual foram hegemónicas, como são hoje. Essas brechas, alargando-se e tornando-se cada vez mais óbvias, conduziram ao seu colapso e à Primeira Grande Guerra Mundial. E no período entre as duas guerras, a tentativa voluntarista por parte dos governos e dos mercados de manter vivo um sistema económico moribundo esteve entre as causas da guerra seguinte, na sequência da qual a utopia dos mercados livres teve que ser varrida para debaixo do tapete para dar livre curso às políticas keynesianas que vinham, na América, dos inícios dos anos 30 do século XX.
A economia clássica tinha erros, mas tratava-se de erros honestos. A economia neoclássica não tem erros honestos: é uma teoria fraudulenta, fabricada por encomenda e segundo um caderno de encargos para dar cobertura a interesses particulares alheios ou opostos ao interesse público. A utopia dos mercados livres esteve viva no século XIX; hoje é um zombie, um cadáver desenterrado ao qual foi insuflada uma horrível imitação de vida.
Se a utopia viva se desfez, no século XIX, pelas suas linhas de fractura, mais facilmente se desfará o zombie no século XXI. fundamenta-se nesta convicção o meu optimismo.
O meu pessimismo está em não saber se a sua derrota será racional e pacífica, ou se será, como há oitenta anos, violenta e irracional. O voluntarismo da esquerda democrática não destruirá o monstro; mas o voluntarismo da direita neoliberal também não será capaz de o manter vivo. E ele não pode continuar simultaneamente vivo e morto, como está hoje, por muito mais tempo.
Temo que a bola esteja no campo da extrema-direita xenófoba e nacionalista. Se a solução do impasse vier dessas bandas, será uma solução (como a morte é a solução para as doenças que não têm outra); mas será a pior solução imaginável.