Sobre a insustentabilidade do modelo económico vigente
Num “post” mais abaixo, o sempre lúcido José Luiz Sarmento fez algumas observações bastante pertinentes. Sustenta ele que, tal como foi demonstrado num passado que Karl Polanyi soube dissecar tão bem, o mito dos mercados inteiramente livres é intrinsecamente insustentável, dadas as suas contradições internas e a sua mera inoperacionalidade. O momento actual vem mostrá-lo, uma vez mais, da forma mais eloquente e dramática. Releva da alucinação defender que mercados financeiros incontrolados possam ditar as regras da política económica, traduzidas em austeridade, em reduções salariais, em desemprego maciço, e imaginar que deste cenário possa brotar algum crescimento económico “alavancado” (como agora se diz) em exportações. Mas exportar para onde e para quem?
Teria graça, se não fosse socialmente trágico, ver o nosso governo a regozijar-se, na proposta do orçamento para 2011, com a perspectiva de a perda drástica do poder de compra da grande maioria dos portugueses significar uma redução da necessidade de importações. Imagine-se que, perante a crise, todos (ou quase) os Estados da zona euro se lembram de celebrar a mesma solução! Onde fica o espaço para o mirífico aumento das exportações que nos permitirá sair do buraco se todos estiverem a pensar em reduzir as importações? E não é isso mesmo que está a acontecer?
Daí a insustentatibilidade do modelo de que o José Luiz Sarmento fala. O que se está a aproximar é de tal forma irracional – o caminho em uníssono para a recessão e a depressão económica – que o modelo vai acabar por tropeçar e implodir em si mesmo.
O problema – e o José Luiz também toca neste ponto – é saber como se vai dar essa implosão. Ela tanto pode ocorrer por via da pressão que as lutas dos trabalhadores exercerem sobre os actuais governantes europeus, ou pode dar-se mediante a emergência de movimentos de extrema-direita capazes de capitalizar o descontentamento popular. Ou seja: pode apresentar um sentido emancipatório ou pode significar um retorno ao passado mais tenebroso, e nunca verdadeiramente superado, da Europa.
O mais triste de tudo isto é constatar a inquietante persistência de uma peculiar estupidez europeia, que não consegue extrair e reter as mais importantes lições da sua própria história. Nem as lições recentes – em vez de se colocar uma rédea firme nos mercados financeiros que conduziram à crise económico-financeira, os mesmos são deixados inteiramente à solta e a fazer chantagem com os Estados -, nem as lições que o século XX nos devia ter legado…
em 20/10/2010 em 09:39
Olá, Mário.
Realmente, não tem havido tempo nem para “chorar no muro das lamentações” como tu referes no mail. Não que isso adiante alguma coisa…
Como dizes e muito bem, o problema europeu parece não ter solução à vista. Assim como é difícil as pessoas mudarem, por vontade própria, de comportamentos e atitudes, mais difícil é essa mudança acontecer a um nível nacional e continental. O ideal europeu de construção de uma sociedade equilibrada, justa e prospera -assente na riquíssima herança cultural dos países que a compõe- está, pelo menos por agora, adiado. A nível europeu, a tecnocracia e a burocracia há muito substituíram a ideologia. Não existe por isso um desígnio europeu, assim como também não existe aliás, um desígnio nacional. E sem isso, nada feito. Criar desígnios claros e credíveis é o papel dos bons políticos, e estes últimos vão escasseando de sobremaneira… Também escasseia -e isto é quanto a mim muito mais grave- a capacidade dos cidadãos de escolherem bons políticos. Bem sei que a oferta actual não é muita mas existe uma tendência muito fácil para o povo português se deixar embalar por histórias cor de rosa de promessas e miragens. Por isso estou céptico e cada vez mais crente que só com um “estalo” valente, os portugueses (e até os europeus, em geral) comecem a acordar. Será que esse “estalo” vai ser a ruína anunciada do “estado social”? É possível. Este assunto é desagradável e ninguém quer falar ou pensar nele, por isso deixámos as coisas chegar a este ponto. Os momentos de crise profunda foram sempre grandes oportunidades de aprendizagem… Da grande depressão americana veio a prosperidade económica no novo continente, da destruição pela guerra da Alemanha e do Japão, veio também o “milagre” económico e social para esses países, para citar os casos mais gritantes. A história é assim mesmo; fluxos e refluxos colectivos em que alguns -talvez mais conscientes- conseguem vislumbrar o que se passa, talvez até saibam explicar o porquê daquilo que se passa mas têm inevitavelmente que se confrontar com a impossibilidade de inverter os acontecimentos. É que as mudanças têm de ser colectivas mas primeiro, têm de ser operadas ao nível da consciência individual de cada um e isso é extremamente difícil de realizar. Alertas, diagnósticos e análises sobre a situação sempre abundaram. A maioria não quis nem quer saber… Será que só “ao estalo” (peço desculpa pela expressão) vão aprender?. Até sabermos isso, quem tiver olhos para ver, que veja e quem tiver ouvidos para ouvir, que ouça!
E quando acordarem, vão acordar mal dispostos e com predisposição para fazer asneiras?…
Abraço para todos aí da APEDE
em 20/10/2010 em 10:10
Pois, António, isso que tu dizes é que me preocupa. Será que o pessoal só vai acordar quando a corda na garganta estiver a apertar até ao sufoco e a cadeira onde põem os pés já tiver tombado? Será que é sempre preciso cair até ao mais fundo do abismo para, finalmente, se adquirir a tão necessária «consciência social e política»? Será que é mesmo impossível aprender um bocadinho – um bocadinho que seja – com o passado sem estarmos condenados a reproduzir todos os seus erros?
Abraço forte
em 20/10/2010 em 10:51
Perante a extrema lucidez das análises dos nossos amigos, só posso acrescentar o meu aplauso. Aliás, há muito que vozes independentes vinham alertando para o absurdo abismo para que se caminhava, ao pensar que se pode aumentar infinitamente as produções e expandir os mercados, e esperar que isso seja o melhor dos mundos.Recordo só que na grande depressão americana, muitas empresas eram encorajadas a destruir parte da sua produção para evitar a queda dos preços, embora houvesse largas camadas da população a passar fome. Não sei se estaremos condenados ao famoso binómio do Stop and Go, mas uma visão mais humanista, mais sensata e mais honesta do modelo económico seria indispensável.Depois, há de facto o perigo da emergência de movimentos de extrema direita. Fiquei apreensivo ao ver uma reportagem sobre uma localidade alemã onde um grupo de nazis incendiou uma residência para emigrantes.Mas o mais grave não foi só isso.O que mais me indignou foi o facto de os habitantes locais terem assistido a tudo com naturalidade e até terem batido muitas palmas aos defensores da “raça”. Creio ser um elucidativo sinal dos tempos!!!!