Cenários da partidocracia portuguesa – 1
Agora que muitos começam a a falar da (e a salivar com a) cada vez mais próxima hipótese de eleições antecipadas, talvez valha a pena ponderar alguns cenários para o futuro e, sobretudo, avaliar o papel que os partidos políticos representados no Parlamento poderão ter perante a profunda crise actual – uma crise que, note-se, não é só económico-financeira, mas também moral e política, no sentido mais profundo destes conceitos.
Comecemos pelo Partido Socialista. Não restam dúvidas de que, com a sua direcção socratina, só por escárnio e miopia se dirá que o PS é um partido de esquerda. Não o é, como provavelmente nunca o foi, sendo uma das originalidades da política nacional o enorme equívoco do nome que tal agremiação ostenta. O PS nunca sequer chegou a ser o partido social-democrata que poderia ter sido, sob a forma que essa designação tomou na Escandinávia. Hoje em dia, o PS aposta tudo numa «terceira via» fraudulenta, à la Giddens & Blair, num confusionismo ideológico que apenas denota a completa capitulação aos ditames e aos interesses veiculados pelo programa neoliberal: cedência aos mercados; reforço dos grandes negócios e manutenção de todos os mecanismos proteccionistas do poder financeiro (off-shores, impostos generosos, situações de monopólio, cartelização, etc.); destruição dos direitos laborais e do frágil Estado-Providência de que os cidadãos dispunham em Portugal.
Desta direcção do PS nada há a esperar. Os que, no entanto, lhe vaticinam uma derrota estrondosa e garantida nas próximas eleições talvez estejam a cometer o pecado do wishful thinking excessivo. Passos Coelho já deu, recentemente, demasiados tiros no pé para não se saber quantos mais dará no futuro e que impacto isso poderá ter na sua presuntiva sucessão a Sócrates.
Além disso, há que contar, nesta equação, com o próprio factor Sócrates. Hoje, quase todos os comentadores o dão por arrumado, e, de facto, vai-lhe ser muito difícil descolar-se da imagem associada à espoliação das classes médias e dos grupos sociais mais desfavorecidos. A isso acresce a revelação, quase diária, dos escândalos de gestão governamental danosa das contas públicas, dos lautos benefícios distribuídos pelos variadíssimos boys instalados no aparelho de Estado, das muitas inépcias acumuladas pelo(des)Governo em vigor.
Contudo, este gato já mostrou ter mais vidas do que as que julgamos possíveis no apertado universo da sobrevivência política. E importa frisar que, para José Sócrates, é mesmo de sobrevivência que se trata.
Não tendo praticamente qualquer carreira fora da politiqueirice portuguesa – e o pouco que fez resume-se a isto -, nem possuindo um currículo susceptível de grande aproveitamento por parte dos grupos empresariais – o tipo de emprego de luxo que tem sido distribuído pelas mediocridades avulsas da política pátria -, Sócrates não tem pela frente um futuro brilhante se o PS perder as próximas eleições. É de esperar, portanto, que ele venda cara a derrota.
E o facto é que ele ainda tem uns (poucos, pouquíssimos) trunfos na manga. Com o auxílio prestado pelo já suculento historial de incompetência política demonstrado por Passos Coelho, Sócrates vai dramatizar, até à náusea, o programa de destruição dos direitos sociais alinhavado pela actual direcção do PSD – um programa iniciado por ele próprio, Sócrates, mas esse é um detalhe que ele tentará minorar na sua retórica. Sócrates vai aparecer, nos tempos mais próximos, como um campeão da defesa do «Estado social», demonizando ao máximo o que Passos Coelho pode representar nessa matéria. Tal caminho argumentativo é, na verdade, muito estreito, tão grandes são as suas responsabilidades no desmantelamento dos direitos sociais dos trabalhadores deste país. Mas, como o lado do PSD (e do CDS/PP) não fica melhor na fotografia (antes pelo contrário), Sócrates poderá capitalizar aí as ansiedades compreensíveis do eleitorado.
Para o PSD, o caminho para um eventual triunfo eleitoral está longe de ser uma passadeira de veludo – por muito que os jornalistas, sempre venais, insistam em estender-lha aos pés.
O mais triste de tudo isso é que, nestes jogos, os portugueses nada têm a ganhar.
O que significa que o futuro da preservação dos direitos e das garantias de uma vida condigna não passa, de todo, por pretensas soluções eleitorais.
A esta hora, já todos nós deveríamos estar bem cientes disso.
em 07/11/2010 em 17:45
“O que significa que o futuro da preservação dos direitos e das garantias de uma vida condigna não passa, de todo, por pretensas soluções eleitorais.”
Completamente de acordo. Na actual conjuntura não há rigorosamente nada a esperar do Parlamento, que se transformou numa agência de negócios da União Europeia.