O mito dos dois sindicalismos – 2
A relação do Partido Comunista Português com o movimento sindical, no pós-25 de Abril, tem sido mais acidentada e menos linear do que algumas análises deixam supor. Basta recordarmos que, nas primeiras semanas após o golpe militar dos capitães, o PCP surgiu como uma força de moderação, aconselhando a contenção das greves e um clima de relativa paz laboral. Nesse momento de encontro fundamental com a história dos combates laborais, o sindicalismo defendido pelo PCP foi muito menos «vermelho» e muito mais “menchevique” do que propriamente “bolchevique”. Posteriormente, tentou cavalgar a onda de greves que alastrou pelo país e que constituiu a expressão mais declarada de luta de classes nos últimos 50 anos da história portuguesa, sem a qual teria sido muito difícil os trabalhadores conquistarem os direitos sociais que o actual governo está tão empenhado em destruir. Nesse processo, a moderação inicial do PCP e a sua pulsão hegemonizante foram postas à prova pela multiplicação de acções e iniciativas que escapavam ao seu controlo. Em abono da verdade, convém dizer que essa moderação nunca foi totalmente abandonada, pese embora o breve sonho de transformar Portugal numa Cuba da Europa. A pulsão controleira, a par de prováveis indicações de Moscovo que não iam propriamente no sentido da tomada unilateral do poder, sobrepuseram-se aqui a quaisquer derivas «revolucionárias».
Com a democracia «burguesa» instaurada no 25 de Novembro, e o regresso à ordem que nos cabia no Tratado de Tordesilhas desenhado entre os Estados Unidos e a URSS, a estratégia do PCP alterou-se significativamente. Passou a ser uma estratégia de sobrevivência. E sobreviver, neste caso, significa manter uma representação parlamentar, conter o mais possível a perda de influência no poder autárquico – já que é daí que vêm muitos dos empregos para militantes e funcionários – e manter os sindicatos da CGTP devidamente controlados. A palavra de ordem tornou-se, pois, «não fazer demasiadas ondas». No «pacto de regime» virtual que saiu do 25 de Novembro, o papel destinado ao PCP tem sido o de conter/domesticar/inibir qualquer arremedo de revolta popular ou de luta laboral que ponha seriamente em causa o pseudo-equilíbrio vigente.
Por outras palavras, a luta pela sobrevivência do PCP transformou-o numa força de inércia, e isso reflecte-se na escassa combatividade do movimento sindical. Quando vêm criticar, em nome de um suposto sindicalismo «de classe», o sindicalismo «reformista», é preciso dizer que, no essencial, o PCP e a «sua» CGTP representam a guarda-avançada desta última forma de sindicalismo, que se move à vontade nas regras do jogo da concertação social e que prefere o conforto da negociação aos riscos de lutas laborais radicalizadas – cujo desfecho imprevisível pode ameaçar, em caso de derrota, os nichos que o PCP tem sabido preservar na sociedade portuguesa.
O tempo não está, portanto, para «aventureirismos» (uma daquelas palavras que, na linguagem dos comunistas, equivale a um verdadeiro anátema). E, de facto, com uma Coreia do Norte convertida em monarquia feudal de direito hereditário, uma China rendida às delícias do capitalismo selvagem e uma Cuba a tentar desesperadamente transformar-se nessa mesma China em versão caribenha, o internacionalismo proletário também já viu melhores dias.
Claro está que o PCP é a voz dos trabalhadores na Assembleia da República, e que sem a sua presença no hemiciclo muitas das injustiças sociais deste país ficavam sem denúncia. E claro está que a CGPT clama bastante pela presevação dos direitos laborais, contra a política de precarização, contra os despedimentos a eito, etc. Mas isso tem-se resumido, no essencial, a uma retórica. Em termos práticos, a CGTP e o partido que a controla assistem, com uma espécie de impotência resignada, à redução crescente da sua própria influência na famosa sede da concertação social e à completa erosão das condições de uma «social-democracia» à portuguesa – que nunca chegou a existir na plena acepção da palavra e cujo jogo, apesar de tudo, o PCP se dispôs a aceitar.
Como dar a volta a tudo isto? Ao contrário do que pensam os fanáticos de um sindicalismo «vermelho» cada vez mais reduzido a uma miragem, as possíveis transformações terão de vir de fora – se vierem. De fora dos sindicatos, à maneira do que sucedeu com a onda de greves «selvagens» de 1974, já que a acção transformadora sobre essas organizações está, hoje, totalmente bloqueada pelas regras oligárquicas que as dominam e que conduzem à perpetuação dos mesmos esquemas de poder.
Tudo indica que os tempos mais próximos não serão favoráveis a essa mudança. Mas também é verdade que a história nos surpreende, às vezes, nas esquinas mais imprevistas…
em 20/12/2010 em 16:16
Não se pode dizer que o segundo (e último?!) post defraude as expectativas, porque já eram muito baixas. Nenhuma proposta alternativa ao “sindicalismo reformista” disfarçado de “sindicalismo de classe”. Esperamos, sentados, que as “transformações venham de fora – se vierem”. Entretanto, vamos reciclar os velhos e estafados chavões esquerdistas dos primeiros tempos da Revolução de Abril (cavalgar a onda de greves, pulsão controleira, indicações de Moscovo, etc.). Os novos paladinos das lutas espontâneas revelam tanta obtusidade na compreensão da dinâmica político-social como os antigos palradores da “revolução a todo o vapor”. Mas conservam a mesma habilidade para a deturpação da verdade histórica, procurando escamotear o papel decisivo da Intersindical e do PCP na acção reivindicativa e nas principais conquistas da Revolução.
Escassos quatro dias decorridos sobre o 25 de Abril, a Intersindical aprovou como reivindicações mais gerais: “Que a efectiva libertação económica e política da classe trabalhadora só se poderá concretizar através de uma participação imediata e consciente dos trabalhadores no processo que agora se iniciou. Entendemos como imediatas, pertinentes e fundamentais: a reposição de todas as liberdades individuais; o fim da carestia de vida; a liberdade de reunião e de associação, incluindo a federação em organismos internacionais; o direito de greve; a segurança social para o desemprego não voluntário; e a administração da previdência exclusivamente pelos trabalhadores (Acta da direcção, nº 1408, 29.4.1974). Foi com estas linhas de orientação que os trabalhadores aprofundaram a intervenção organizada no processo revolucionário. Com os resultados conhecidos de direitos conquistados que nenhuma análise honesta pode ocultar.
Casos de greves “espontâneas”, como as dos CTT, TAP e Sindicato dos Químicos, organizadas pelos “aguerridos” maoístas do MRPP, PCP (ML) e AOC, vê-se hoje ainda de forma mais nítida que tinham como adversário não o patronato, mas a Intersindical e o PCP.
E é deveras curioso que 36 anos decorridos ainda subsistam alguns espécimes de epígonos desses papagaios voluntaristas, a regurgitar o mesmo discurso objectivamente reaccionário.
em 20/12/2010 em 17:52
Ao que parece não é só através do texto de Faria Pinto que se revela um historiador desaproveitado. Nestes dois mitos podemos descobrir mais um. Ou talvez não seja um historiador desaproveitado mas apenas alguém que sonha com a possibilidade do seu «radicalismo» lhe valer recompensa semelhante à do grande ícone revolucionário de 1974, que agora se passeia pelos palácios do poder financeiro como presidente da comissão europeia.
em 21/12/2010 em 00:31
Verificamos que os estalinistas da velha-guarda continuam vivinhos e de boa saúde. E são tão previsíveis (e cómicos e deprimentes) na forma como mordem o isco! Mas os chavões de sempre lá continuam. De vitória em vitória até à derrota final. O pior é que nos arrastam com eles…
em 21/12/2010 em 12:36
Diálogo de “lutadores”:
Lutador 1 frustrado por não ser titular – Sabes quem foi o gajo que me estragou o post?
Lutador 2 frustrado por não ser director executivo – Não, mas pelo IP vê-se que é comuna.
Lutador 1 – Tens alguns argumentos para responder ao gajo?
Lutador 2 – Não. Mete a cassette do “estalinista”.
em 21/12/2010 em 13:08
Raciocínio sintomático:
«Se discordam de nós ou nos criticam, só podem ter uma agenda oculta ou uma secreta frustração mal resolvida.» E depois querem que não lhes chamemos estalinistas!
em 21/12/2010 em 15:09
Deste lado há lutadores!
Bem o sabemos, mas é sempre bom que o reconheçam. Obrigado.
Quanto às aspas, cirúrgicas, colocadas no comentário do caríssimo “leitor”, apenas revelam o profundo incómodo de quem sabe que a verdade, sobre a nossa participação nesta luta, não aceita aspas, e que nunca nos deixámos “enquadrar” ou comandar de fora. E se tiverem dúvidas sobre essa verdade, sem aspas, é só lerem um comentário meu, num post anterior sobre o sindicalismo-que-temos, em resposta a uma boutade sobre os “lutadores de bancada”. E, já agora, tentem contrapor argumentos. Ia gostar de ler.
Na APEDE, houve titulares e não titulares mas, que eu saiba, nenhum se candidatou a Director Executivo, ou sequer pretendeu sê-lo. Houve mesmo quem tivesse recusado convites para as Direcções Executivas. E os titulares lutaram sempre, com determinação, para acabar com a divisão da carreira. Os não titulares, idem! Mesmo quando puderam candidatar-se a titular, não o fizeram! E podiam. Aqui também não houve entregas de OI’s e, na entrega da ficha de auto-avaliação, fomos firmes com a decisão aprovada em Leiria. O que quisemos fazer, fizemos! E continuaremos a fazer: lutar, com coerência e sem cedências ou traições.
Já agora, aproveitando a vossa melhor atenção a estes posts, gostava que me respondessem a uma pergunta muito simples: porque razão existem quotas, na direcção dos sindicatos, para serem preenchidas com nomes indicados pelos partidos políticos? Dá para negar isto? Sendo verdade, como parece claro, e já assumido, qual a vantagem dessa situação para a luta dos professores? E para a imagem dos sindicatos junto dos seus sócios actuais ou potenciais? Terminando: para quando a limitação de mandatos dos dirigentes sindicais e a desblindagem de Estatutos? Ou terá que ser assim, para se continuar o “fandango” da instrumentalização dos sindicatos e da luta dos professores (entre outras), em nome de interesses político-partidários?
em 22/12/2010 em 10:38
Registo o tom cordato do comentário de Ricardo Silva, em substituição de outro (subscrito pela APEDE) que foi eliminado e revelava demasiado desconforto e nervosismo.
Registo também a já proverbial “humildade democrática” do R. S., sem o qual a luta dos professores nunca teria atingido a dimensão que conhecemos. Mas fica a dúvida se aquilo que o move é combater as políticas educativas ou um anseio de protagonismo. Tanta e tão repetida exibição de troféus, dá para desconfiar.
Quanto às perguntas dirigidas a um grupo imaginário (“vossa atenção”, “que me respondessem”), não serei a pessoa indicada para responder. Seria talvez mais adequado dirigir essas questões aos dirigentes do SPGL que, nas vésperas das últimas eleições sindicais, andaram a “piscar o olho” à APEDE e aos outros movimentos.
Mas vou tentar responder.
As quotas para elementos “indicados pelos partidos” (leia-se PS e BE) são uma prática do SPGL, sobretudo desde 2006 quando a revisão dos estatutos introduziu o direito de tendência organizado dentro do sindicato. Tal como na altura muitos alertaram, essa alteração conduziu à parlamentarização e partidarização do sindicato. Esta orientação político-sindical, na linha da UGT, é completamente nociva ao movimento sindical unitário. Os sindicatos existem para defender os interesses sócio-profissionais dos associados. Defendem a classe. Com participação democrática e em unidade. Condição essencial para a unidade é serem apartidários. Mas não apolíticos.
Foi a acenar com “liberdade sindical”, “pluralismo”, “direito de tendência”, que o PS, PSD e grupos esquerdistas, com apoio da CISL e da AFL-CIO, criaram o movimento chamado “Carta Aberta” que pretendia “quebrar a espinha à Intersindical”. Não tendo conseguido esse objectivo, criaram uma nova central sindical, a UGT, cujo percurso e acção divisionista são por demais conhecidos.
As ramificações “ugêtistas” é que são menos visíveis e daí a perplexidade do Ricardo.
em 22/12/2010 em 11:54
Esta resposta do leitor tem um imenso e esmagador não-dito. É que eu até posso concordar com a ideia de que a introdução de «direitos de tendência» político-partidária nos sindicatos perverte aquilo que deveria ser a natureza de uma organização sindical: representar os interesses dos trabalhadores de determinados grupos socio-profissionais, sem que tal implique a intrusão dos partidos políticos. Acontece, porém, que todos nós conhecemos a alternativa (o tal não-dito no comentário do leitor): a ausência do tal «direito de tendência» tem significado, na prática, o controlo dos sindicatos por uma única tendência: a do Partido Comunista. E também sabemos o que, em regra, subjaz à retórica da unidade sindical, e, em particular, da unicidade sindical: consagrar, nos sindicatos, a perpetuação de direcções dominadas por membros do PCP. Isso é necessariamente mau? Não seria, se os comunistas portugueses não tivessem aquela proverbial intolerância em relação à crítica, a reconhecer que o modelo soviético não foi exactamente o de um sistema social decente, e, de maneira geral, a tudo o que ameace escapar ao seu controlo. Mas isso é pedir o impossível: que os comunistas renunciem à sua identidade profunda. Também não seria necessariamente mau se os comunistas, nas direcções dos sindicatos, não se tivessem eles próprios rendido relativamente às delícias da concertação social e aos beijinhos das Isabéis Alçada deste mundo.
Já sei que o «Leitor» vai dizer que sou um malvado anticomunista. Claro: no vosso pobre universo mental, o que não é preto tem de ser branco e vice-versa.
em 22/12/2010 em 12:45
No comentário de MM foi esquecido um esmagador pormenor que faz toda a diferença:
as direcções sindicais são eleitas pelos associados.
em 22/12/2010 em 17:52
Caro leitor,
Não posso deixar de considerar engraçado que, depois de tanto tempo, ainda continuem a endereçar-me esse rótulo de “procura de protagonismo”. A verdade é que para o ter é preciso ter feito algo e, pelos vistos, terei feito. Mas não é isso que me move. Se fosse mesmo essa a razão da minha participação na luta, não acha que poderia fazer muito mais publicidade aos momentos em que fui chamado a ela, nos blogues, no youtube, no Facebook, twitter, etc. (nem tenho página do Facebook sequer)? É que tenho mesmo diversos “troféus” (se assim os considerasse) para exibir? Jornais, programas de televisão, rádio, enfim… e nada disso exibi publicamente ou sequer dei conta no próprio blogue da APEDE! Logo… creio que terão de encontrar outra razão! Mas já percebi que tem mesmo de ser esse chavão do protagonismo, porque de resto… não conseguem: nem interesses partidários (nunca fui filiado em nenhum, nem tenho qualquer interesse em ser) nem sindicais (tb nunca fui filiado e até já recusei convites de sindicalização e inclusivé para candidaturas). Sou um simples professor, não se aborreçam comigo… não sou ameaça para ninguém, não vou disputar “cadeiras”. Já tenho muito que fazer. Só queria mesmo era ver isto a correr melhor! E revolta-me… quando vejo os interesses dos professores serem esquecidos (ou traídos, se quiserem) nas mesas negociais. Isso denunciarei sempre!
Um Feliz Natal, caro “leitor”.
em 22/12/2010 em 22:32
Retribuo as Boas-Festas ao Ricardo e que aproveite, tal como o Machaqueiro, este final de ano para limpar algumas teias de aranha e preconceitos.
em 23/12/2010 em 03:01
Parabéns, Mário. Subscrevo inteiramente o teu texto. Na realidade, o sindicalismo-que-temos está confinado a uma CGTP/FENPROF controlada pelo PCP (com umas “migalhas” para o BE e a esquerda do PS) e, que, por isso mesmo, está refém da sua estratégia e uma UGT^/FNE quase inexistente no terreno e instrumento privilegiado dos partidos do “centrão” (PS e PSD) para conseguir acordos menos favoráveis aos trabalhadores.
Infelizmente, e como tu dizes, dificilmente a CGTP mudará de táctica porque o PCP quer, por um lado, hegemonizar tudo aquilo onde se mete e, por outro, prefere, apesar da retórica, manter algum poder dentro do sistema que pô-lo em causa, arriscando-se a perder a influência que lhe resta. Claro que, com isso, os sindicatos da CGTP são hoje, salvo raras e honrosas excepções, agências de emprego da “boyada” do PCP (desde a mulher da limpeza ao dirigente máximo). No caso da FENPROF, há dirigentes que não dão aulas há mais de 20 anos e que perderam toda a noção da realidade da profissão docente.
Claro que estas verdades incomodam os “camaradas”, sempre tão ciosos do seu património de luta e da sua pretensa superioridade moral. Só que esta gera um verdadeiro “talibanismo”, que leva os dirigentes e militantes do PCP a considerar como inimigos de classe todos os críticos, como mostram, de forma elucidativa, os comentários do “leitor”.
Já agora, se me permite “puxar dos galões”, digo-lhe que não fui titular, não entreguei OI e, apesar de estar no 6º escalão e não estar ainda próximo da minha residência, não pedi aulas assistidas, porque, para mim, a dignidade e os princípios não têm preço. Infelizmente, não sucede o mesmo com muitos dos nossos colegas e as escolas começam a sentir os efeitos do “excelente acordo” entre os sindicatos e a Alçada, que, segundo os primeiros, configurou uma grande “vitória” dos professores. Com vitórias destas, não precisamos de derrotas!