Observações pós-eleitorais – 1
Como era previsível, Cavaco Silva ganha à primeira volta. Aparentemente, nada de novo na frente ocidental.
E, contudo, é essa previsibilidade que necessita de ser questionada. O facto de tantos portugueses – pese embora os números maciços da abstenção – estarem dispostos a dar o seu voto para o cargo presidencial a um homem com as características de Cavaco Silva merece alguma reflexão.
Com efeito, já muito se escreveu a propósito do perfil salazarento de Cavaco. Não porque nele habite um potencial ditador fascista, mas pelas suas inclinações autoritárias – amplamente ilustradas durante a sua passagem pelo governo -, a resistência, por ele mesmo publicitada, ao exercício da dúvida e, por conseguinte, o apego a posturas dogmáticas, a aura de “mestre das Finanças” e de inacessível Senhor Professor – algo que continua a granjear admirações num povo que permanece basicamente inculto e servil perante a ostentação dos títulos académicos -, uma aura que, paradoxalmente, aparece reforçada pelo culto das supostas «origens humildes», encenando uma mitologia igualmente cara ao «bom povo português» e que foi explorada até à náusea pelo próprio Salazar: o mito do homem que emerge do povo pobre para se elevar aos mais altos cargos da nação. Finalmente, cola-se a Cavaco Silva uma certa imagem de ascetismo, de seriedade ou até de rigidez, associada à figura de um Pai severo e distante, habilitado para mandar nos seus Filhos (o sacrossanto povinho). E o povinho, pelos vistos, gosta e quer mais.
Verificamos que os quase 40 anos de democracia em que temos vivido não foram suficientes para desabituar o «bom povo português» de prestar o seu culto a personagens políticas com o perfil do Chefe paternalista que Cavaco Silva tão bem encarna. Esta opção diz muito sobre quão longe ainda estamos de apreciar verdadeiramente a liberdade e as exigências que ela acarreta. Preferimos viver na sombra tutelar do Paizinho da nação, seja ele qual for. Daí a imensa fragilidade da nossa democracia, e a previsível deserção que ocorreria em muitas almas se o regime democrático fosse efectivamente ameaçado e se estivesse no limiar da restauração de um sistema autoritário ou semi-fascista. Esta gente trocaria de bom grado a liberdade – que, de resto, nunca soube fruir – pela miragem de uma segurança garantida pelo poder das botas cardadas. Especialmente se eles forem calçadas por um Paizinho austero.
em 24/01/2011 em 14:35
Esta brilhante análise do Mário merece mais alguns comentários. O primeiro é para realçar que o rectângulo tem de facto um novo presidente. A ABSTENÇÃO GANHOU de modo claro com uma das maiores maiorias de sempre!!!! Depois constatamos que o pseudo-incorruptível obteve menos 500 000 do que no passado, sinal de que o rebanho já evidencia alguma agitação. Sobre o facto de muitos e muitos milhares dos que nada têm votarem na mesma personagem onde votam os que têm tudo….Bem, isso só mostra a propensão do Zé para alinhar com quem lhe oferece a canga cada vez mais pesada. Quanto ao poeta Alegre, já todos sabiam que aquela aliança absurda só podia conduzir à derrota total. A respeito de F. Nobre já podemos falar de uma vitória histórica e bem merecida. O seu staff soube contornar os enormes constrangimentos decorrentes da independência das lógicas aparelhísticas. Foi de facto uma pequena vitória das bases sobre as cúpulas. O candidato do PC não tem história. Caninamente fiel ao ideal estalinista, eles dizem que ganham sempre, mesmo quando perdem clamorosamente