As grandes mentiras
Os gráficos que mostramos no nosso penúltimo “post” permitem desmontar uma das grandes mentiras que nos andam a impingir de algum tempo a esta parte e que, nestes últimos meses, é matraqueada a um ritmo diário. Consiste essa mentira na tese de que o chamado Estado Social é intrinsecamente insustentável e que, por isso, tem de “emagrecer” (leia-se: ser sujeito a todo o género de privatizações, ficando os serviços do Estado e as prestações sociais reduzidos ao nível da esmola para os mais pobres dos pobres).
Ora, quando olhamos os ditos gráficos, verificamos que o Estado-Providência, na Europa como nos Estados Unidos, foi constituído e consolidado precisamente durante o período em que a grande burguesia teve de ceder uma parte substancial dos seus rendimentos a favor do crescimento de uma classe média, isto é, a favor do acesso dos trabalhadores a um melhor nível de vida. Essa redistribuição da riqueza deu-se não só através do aumento salarial, mas sobretudo através do aumento das prestações e dos serviços sociais do Estado. E esse aumento foi financiado, obviamente, por via fiscal, na base de uma tributação assente nos impostos progressivos: o capital foi então taxado de forma a que o Estado pudesse fornecer serviços universais decentes para todos os cidadãos.
A treta da falência do «Estado Social» só começa a ser propalada a partir dos anos 80, quando se iniciou uma nova política que reduziu drasticamente as contribuições fiscais dos mais ricos. A isso acresceu a multiplicação de toda uma série de mecanismos de fuga ao fisco para os mais elevados rendimentos – sobretudo por via dos «paraísos fiscais» – que só vieram aprofundar os desequilíbrios e os famosos défices orçamentais dos Estados dos países desenvolvidos.
Com uma dependência cada vez mais exclusiva dos impostos sobre os rendimentos do trabalho – estando os do capital devidamente “isentados” de participar no «contrato social» -, é óbvio que o Estado se tornou gradualmente insustentável. Mas essa insustentabilidade não decorre de uma qualquer fatalidade inerente à natureza “gastadora” do Estado-Providência. Ela foi deliberadamente provocada por governos e instituições transnacionais (como a União Europeia) empenhados em fomentar a drenagem maciça dos rendimentos de quem trabalha para os ricos que nada produzem.
E aqui deparamo-nos com outro “argumento” usual na conversata liberalóide: é preciso reduzir os impostos sobre os grandes rendimentos, pois só assim se liberta o capital necessário ao investimento, à criação de empresas que irão dar emprego, blá-blá, blá-blá. Outra mentira. Na verdade, o que está a acontecer desde a década de 80 é que os mais elevados rendimentos, livres da respectiva carga fiscal, não têm sido predominantemente aplicados na criação de emprego, mas na especulação financeira, a mesma que gerou a crise mundial responsável pelo buraco em que nos encontramos. É que, com essa especulação, é possível aumentar os lucros de forma muito mais rápida e vertiginosa do que com investimento realmente produtivo, cujo retorno é mais lento e incerto.
Por tudo isto, quando alguém vier outra vez com a tanga da falência inevitável do Estado, é bom pensar no que esse discurso efectivamente oculta.