Antes de Abril: o longo braço da repressão
É sabido que a repressão da ditadura salazarista-caetanista não se abateu apenas sobre a oposição comunista, mas sobre todos os que ousassem discordar do status quo, de forma mais ou menos pública e activa.
Menos conhecidas são as perseguições que afectaram figuras cimeiras do clero católico no período da Guerra Colonial. De facto, o Concílio Vaticano II trouxe um vento de mudança à atitude dos missionários, levando a que muitos deles denunciassem publicamente, nas suas homilias e na própria imprensa internacional, as violências e os abusos que a PIDE e as Forças Armadas portuguesas andavam a cometer sobre as populações das colónias.
Em Moçambique, diversos Bispos se destacaram nessas denúncias, tornando-se imediatamente alvo da PIDE. Um deles foi Eurico Dias Nogueira, Bispo de Vila Cabral (actual Lichinga) na região do Niassa. Vemo-lo aqui, numa fotografia de 1966 ou 1967, na companhia dos dignitários muçulmanos com os quais encetou um diálogo ecuménico perfeitamente inédito à data:
Dias Nogueira não era exactamente um radical «vermelho» – como se viu, aliás, pelo seu percurso conservador, depois do 25 de Abril, na qualidade de Arcebispo de Braga. Mas, nos anos 60, a PIDE percepcionava-o como um perigoso subversivo, indo ao ponto de o acusar de ligações à Frelimo apenas porque Dias Nogueira ousava discordar dos seus métodos repressivos:
A correspondência do Bispo de Vila Cabral foi, nessa altura, sistematicamente violada pelos esbirros da PIDE em Moçambique. Era-o de forma a que o Bispo se apercebesse, no intuito de o amedrontar e de o levar a temer pela sua segurança se fosse “longe demais” nas suas acusações às práticas repressivas. Os dois documentos que reproduzimos a seguir mostram que nem as cartas que o Bispo enviava a Salazar escapavam à violação exercida pela polícia política:
Concluímos este exemplo com um documento altamente ilustrativo. Trata-se de um telegrama enviado pela PIDE à Interpol, solicitando a intercepção de uma carta que o Bispo de Vila Cabral tinha enviado ao Núncio Apostólico. Dado que se via claramente que essa carta tinha sido violada, a PIDE receava o incidente diplomático que isso poderia provocar. Este documento revela também o tipo de relações cordiais que a PIDE mantinha com as polícias de outros países e com a própria Interpol:
em 25/04/2011 em 21:59
Muito havia a mudar no Estado-Novo; no entanto, nenhuma das “mudanças” entretanto operadas era desejável, como agora tão bem se observa.
A censura e repressão daquele tempo, sobre alguns elementos que pretendiam tal “mudança”, era abominável e de todo reprovável; no entanto foram exactamente alguns desses elementos “de topo”, que implantaram o sistema político que nos levou – democraticamente – a esta situação trágica em que agora vivemos e que tanto contestamos. Talvez tivéssemos deixado que “mudassem” demais. Talvez tivéssemos sido enganados.
O poder instituído já não censura a comunicação-social, que era uma acção abominável porque ditatorial; agora, em regime estritamente “democrático”, quando foi necessário, o poder político comprou a empresa que emitia as notícias incómodas e reverteu a situação a seu favor.
Já não se torna necessário “abafar” o poder jurídico; agora, de modo bastante “democrático”, basta que o poder político coloque elementos seus nas instâncias convenientes e “tudo corre pelo melhor”.
Enfim, podería estar aqui a desfraldar os casos conhecidos, por mais umas quantas fastidiosas linhas, escrevem sobre tudo aquilo que todos nós já muito bem sabemos.
O Estado-Novo – o antigo regime deposto no 25 de Abril de 1974 -, estava errado! Mas talvez não estivesse em tudo. O novo regime, saído do golpe de Estado – suposto que recheado de boas intenções -, levou o País, a Nação, a nossa Pátria, a uma situação manifestamente pior, tendo gerado um “exército” de privilegiados adstritos ao novo poder político, saídos na sua maioria dos contestatários ao Estado-Novo, mantendo uma boa parte da população como a mais pobre da Europa; este facto também me parece inegável e é manifestamente mau.
Mas, como se tal não fosse mal que chegásse, as políticas seguidas pelo “novo regime”, ainda colocou em causa a Soberania de Portugal a vários níveis. Situação mais degradente para o país não consigo imaginar.
Talvez fosse conveniente repensar tudo o que foi acontecendo nestes últimos 40 anos e retirar daí as nossas conclusões; sem postarmos etiquetas convenientemente pré-fabricadas ao nosso passado político. Simplesmente pensando.
Luiz Andrino
em 25/04/2011 em 23:00
Mas, caro Luiz, os erros cometidos em democracia, erros cuja análise tem de ser feita, legitimam retrospectivamente a ditadura do Estado Novo? Esse é um raciocínio cuja lógica me escapa. Mais: se a democracia que temos não passa, em muitos aspectos, de uma ficção no seu próprio conteúdo democrático, então o que há a fazer é exigir mais e melhor democracia. Isso não se consegue olhando nostalgicamente para o regime de Salazar, no qual as áreas que identifica – a comunicação social e o poder jurídico – eram infinitamente piores do que são hoje, mesmo que seja verdade que, hoje, elas apresentem todos os defeitos que indica.
O problema do nosso regime democrático reside precisamente no facto de que, numa série de aspectos essenciais, não rompeu suficientemente com modelos e práticas herdados da ditadura: os detentores do poder económico-financeiro são basicamente os mesmos, os mecanismos de criação de desigualdades sociais não foram abalados na sua raiz, etc., etc.
Não sei em que ano o Luiz nasceu. Mas, se já tinha idade bastante, por ocasião do 25 de Abril de 1974, para ter noção do país em que vivia, aconselho-o a fazer um esforço de memória, a transportar-se mentalmente para essa época e a imaginar se conseguiria viver na sociedade paupérrima, cinzenta, triste e asfixiante que era o Portugal dessa altura.