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Memórias de Abril: quando havia uma estranha coisa chamada «luta de classes»

Posted in Para recordar (sempre) por APEDE em 25/04/2011

«Eu vi este povo a lutar, para a sua exploração acabar», cantava José Mário Branco, em jeito de balanço de uma história que já se estava a esvair quando a canção foi divulgada.

Por muito que muitos o queiram hoje rasurar, 1974-75 é o período fundador da nossa democracia.

Foi aí que se instituiu o melhor que ainda temos (e que hoje nos pretendem roubar) dos nossos direitos cívicos, laborais e sociais. Foi aí que nasceu a Escola Pública, foi aí que se estabeleceu uma Segurança Social digna desse nome, foi aí que se lançaram as bases do que mais tarde veio a ser o Serviço Nacional de Saúde, foi aí que se consagrou a liberdade de expressão, de reunião e de manifestação, e o direito à greve.

E foi no período de 74-75 que, por um breve instante, pessoas que nunca tinham pensado em política, que sempre se haviam vergado aos patrões e às demais formas de tirania inscritas na sociedade portuguesa durante décadas, ousaram imaginar que podiam ser senhoras do seu destino e ter poder sobre as suas vidas.

Foi nesses anos que tudo parecia possível, quando as pessoas interrompiam as rotinas alienantes do trabalho para reunir e discutir o que fazer para viverem numa sociedade melhor – a produtividade ficava para trás, pois ficava, numa altura em que as pessoas percebiam não ser a «produtividade» um conceito politicamente neutro: produtividade para quem? A favor de quem? Em 1974-75 muita gente sabia fazer estas perguntas.

Ora, nada disto teria sido possível sem uma intensa luta de classes que rebentou em todo o país, nos mais diferentes sectores laborais, com uma veemência que assustou seriamente, pela primeira vez, as classes dominantes que, neste país, se julgavam protegidas de semelhantes abalos.

Formaram-se então, na maior parte das empresas, comissões de trabalhadores a exemplo do que ocorrera na Rússia de 1917. Num país em que os salários eram escandalosamente baixos e as condições de trabalho muitas vezes despóticas, não é de admirar que as greves se tenham generalizado.

Depois, com a paz podre que se seguiu ao 25 de Novembro de 1975, tudo se esfumou. A revolução social acabou tão depressa como tinha começado, ainda que muitas das suas conquistas perdurassem por mais tempo. Mas volatilizou-se aquela euforia, aquela materialização diária da utopia (que não passava de uma aparência, mas que era uma aparência vivida, o que a tornava paradoxalmente real).

Hoje, a sua memória parece-nos tão distante como a ditadura que esses tempos ajudaram a derrubar. E é com um sentimento de irrealidade que nos aproximamos dela.

Olhando para a inércia e a apatia dos dias actuais, perguntamo-nos: mas aquilo aconteceu mesmo? Foi mesmo possível que este povo de carneiros se tivesse levantado e batido o pé pelos seus direitos e feito tremer os Mellos, os Espíritos Santos, os Champallimauds?

Como é que tudo isso aconteceu? E como é que tudo isso se perdeu tão depressa?

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