APEDE


Um texto certeiro de Mário Carneiro sobre o processo de (não) revogação da ADD

O nosso colega Mário Carneiro publicou, no seu blogue, um texto que consideramos de leitura obrigatória. Estão lá muitas das verdades sobre este lamentável processo de (não) revogação da ADD e são bem identificados alguns dos principais responsáveis pela situação presente:

A farsa avaliativa recebeu autorização para continuar

Este país já perdeu a capacidade de surpreender. As coisas mais néscias acontecem com naturalidade, com regularidade e com impunidade. Nos últimos anos, vivemos e convivemos com a incompetência e com a idiotice, quase diariamente.
Por isso, não causou admiração o anúncio do chumbo, decretado pelo Tribunal Constitucional, da revogação da avaliação docente. Não me pronuncio, como já o disse anteriormente, sobre o acerto ou o desacerto das decisões daquele tribunal, porque não tenho competência para isso — ao contrário de muito opinador, não falo do que não sei —, mas pronuncio-me, isso sim, quanto ao processo que conduziu a esta decisão. E pronuncio-me com particular autoridade, porque é da minha vida profissional e da vida profissional de milhares de professores que se trata.
Porque chegámos a este ponto? Sinteticamente, por três razões:
1.ª Porque temos um Governo tecnicamente incompetente e politicamente irresponsável. Como legisla por impulso cego e arbitário, o que produz é, em regra, mau e com consequências desastrosas. Assim aconteceu com a sua política económica e financeira, assim aconteceu com a sua política educativa, assim aconteceu com o seu modelo de avaliação do desempenho dos professores: um amontoado de arbitrariedade e disformidades, com consequências gravíssimas no destino e no desenvolvimento profissional de milhares de docentes.
2.ª Porque temos um presidente da República sem critério de actuação. Sobre questões da mesma natureza, hoje procede de uma forma, amanhã procede de forma oposta. Umas vezes os critérios políticos sobrepõem-se aos critérios formais, outras vezes é o inverso. Navega sem norte, segue ao sabor do vento, ou ao sabor das suas próprias conveniências. Várias decisões, do Governo ou da Assembleia da República, não foram julgadas pelo PR segundo o mesmo critério com que julgou a revogação da avaliação dos professores. Assim aconteceu, por exemplo, com o recente corte nos salários dos funcionários públicos, que tanta polémica suscitou acerca da sua constitucionalidade. Apesar das fundadas dúvidas publicamente apresentadas por vários especialistas, o PR não dirigiu ao TC qualquer pedido de fiscalização preventiva. Nessa altura não teve pruridos constitucionais. Agora teve-os. Porquê? Não se sabe.
3.º Porque temos um partido político, o PSD — único responsável partidário (para além do PS, como é óbvio) pela situação a que hoje se chegou — que nesta matéria, como em outras, sempre agiu segundo critérios de oportunismo e de cinismo político. Nunca agiu movido por convicções sérias, mas apenas por aleatórios circunstancialismos de natureza eleitoral. Os factos, para a história, são estes:
i) No fim de 2009, o PSD, poucos dias antes da votação da proposta de suspensão do modelo de avaliação, declarava publicamente a sua absoluta concordância com Santana Castilho, que, num debate na Assembleia da República, para o qual tinha sido convidado pelos sociais-democratas, defendeu a sua imediata e imperiosa suspensão;
ii) Chegado o dia da votação, o PSD absteve-se, impedindo que o modelo fosse suspenso. Sem o mínimo de pudor, Aguiar Branco e Pedro Duarte simbolizaram, no Parlamento, o que de mais repulsivo existe em muitos políticos: a falta de seriedade, a falta de palavra;
iii) No ano lectivo 2010/2011, salvo o erro, por duas vezes, o PSD voltou a impedir que o actual modelo de avaliação fosse revogado, não apoiando as propostas legislativas que, nesse sentido, foram apresentadas pelo BE e pelo PCP;
iv) Só em Março deste ano, não se sabe bem por que razões, o PSD decidiu votar a favor da revogação. Tarde e a más horas e, como se vê pelos resultados, de forma incompetente.
Se a mediocridade, a incompetência e a falta de seriedade política residissem apenas no seio do Governo e do PS, já há muito que este modelo de avaliação tinha sido chumbado e já há muito que as escolas e os professores tinham ficado livres de uma farsa que os atinge e indigna. Mas, desgraçadamente, não é assim. A mediocridade, a incompetência e a falta de seriedade política são características bem marcantes dos partidos do denominado bloco central. Não admira, pois, que o país, que a Educação e que, neste caso, os professores estejam confrontados com esta oprobriosa situação.

15 Respostas para 'Um texto certeiro de Mário Carneiro sobre o processo de (não) revogação da ADD'

Subscribe to comments with RSS ou TrackBack para 'Um texto certeiro de Mário Carneiro sobre o processo de (não) revogação da ADD'.

  1. tótó said,

    E os professores? Culpa nenhuma no estado em que as escolas (e a educação) se encontram?


  2. Têm algumas “culpas” sim. Assim de repente ocorre-me o facto de continuarem a resistir, estoicamente, sem darem, de uma vez, o murro na mesa que isto anda a precisar.

  3. teodoro said,

    De acordo, mas…

    Lamento muito muito muito mas acho que os professores têm culpa pelo processo de não revogação há muitas luas atrás. Ainda por cima contaram com o ovo no cu da galinha, foram gozados e continuam a fazer campanha e continuam a ser gozados pelo mesmo partido que lhes cuspiu na cara; e esta não é a única humilhação que aceitaram. Estou farto de ver atirar a responsabilidade para o lado!!! Não resolve nada.

    A táctica maioritária foi a de tentar que outros resolvessem enquanto iam passando sem se beliscarem. Depois quando viram que a balança pendia para outro lado mudaram de campo ilesos.

  4. APEDE said,

    Acrescentaríamos ainda à excelente análise de Mário Carneiro a identificação de um quarto responsável por toda a situação ligada à avaliação dos professores: um jornalismo “de opinião” servil em relação aos poderosos do momento, ignorante em relação aos assuntos de educação e às condições de trabalho dos professores e arrogante relativamente à classe profissional dos docentes em geral. De facto, os opinadores que pontificam na imprensa e na televisão, com raríssimas e honrosas excepções, pautaram-se sempre pelo apoio incondicional a este modelo de avaliação (e a quase tudo o que foi cozinhado pela equipa de Maria de Lurdes Rodrigues). Alimentados por um preconceito contra os professores – a necessitar de uma qualquer psicanálise para ser explicado -, os nossos “fazedores de opinião” acharam que, se era avaliação, então era uma coisa magnífica e indiscutível, e se os professores a combateram era porque não queriam ser avaliados de forma alguma, os malandros. Esta foi a versão dominante que circulou e continua a circular por aí, e foi com ela que a comunicação social se ergueu, quase unanimemente, contra a decisão de se suspender o actual modelo de avaliação. Nunca houve, da parte dos jornalistas, o mínimo esforço de olhar para esse modelo, de o analisar e de estudar o impacto altamente negativo que ele tem tido nas escolas e no trabalho dos professores. Portanto, diríamos que o miserável jornalismo-que-temos foi também um protagonista tóxico em toda esta história.

    Teodoro,
    Parece-nos haver várias confusões no seu comentário. Muitos professores “contaram com o ovo no cú da galinha”? Diríamos antes que a maioria dos professores baixou os braços por cansaço, por desespero, por descrença, por se sentirem traídos, etc., etc., etc. Na verdade, ninguém contava com qualquer desfecho positivo para a situação da avaliação este ano lectivo. A decisão do parlamento apanhou toda a gente de surpresa.
    E que professores “andam a fazer campanha” pelo PS? Também não captamos o sentido, certamente profundo, da última frase: «Depois quando viram que a balança pendia para outro lado [que lado?] mudaram de campo [que campos são esses?] ilesos». Teodoro, se quer debater alguma coisa, faça-o, ao menos, de forma clara. Ok?


  5. Viva Teodoro,

    É verdade que muitos não conseguiram resistir como tu e alguns de nós fizeram. Nesse aspecto, pelo menos em parte, concordo contigo. Mas a verdade é que, como refere o Mário, houve traições e diversas armadilhas nessa caminhada. Se alguns podiam e DEVIAM ter resistido (a começar pelos sindicalistas que apregoavam uma coisa e iam a correr fazer outra) a verdade é que alguns, falo concretamento dos contratados, ficaram praticamente sem campo de manobra. Foram sempre a carne para canhão neste processo todo, embora também seja verdade que nunca se empenharam muito, ou pelo menos massivamente, na luta.
    Quanto ao PSD, e creio que é do PSD que falas, o texto do Mário Carneiro que aqui reproduzimos e subscrevemos é bastante esclarecedor. A verdade é uma: o PSD é um dos maiores responsáveis (pela sua indefinição, pelas suas cambalhotas, pela reiterada incapacidade em assumir propostas alternativas) pela situação em que estamos. E o Mário Machaqueiro tem razão: infelizmente, a comunicação social, genericamente, com a sua corja de opinadores e editorialistas grosseiramente mal informados e frequentemente trauliteiros, não tem ajudado nada a desmontar aquilo que para nós, que estamos no terreno, há muito é por demais evidente – o mentiroso José Sócrates tem feito tudo para arruinar a Escola Pública e um Ensino de Qualidade neste país. Por isso eu escrevia acima que uma das nossas maiores culpas é ainda não termos sido capazes de dar o murro na mesa definitivo que o “status quo” e o governo merecem.

    Aquele abraço, Teodoro. A luta tem de continuar!

  6. Helena Fraga said,

    O comentário do Teodoro pode não ser politicamente correcto, pelo facto de que não desistimos ainda de acreditar que será possível envolver a classe na luta pela sua dignidade.
    Porém, se a classe tivesse resistido; se tivesse assumido a luta até ao fim; se tivesse revelado dignidade, nós hoje não estaríamos no ponto em que nos encontramos.
    O sindicato traiu-nos e a classe também.
    O caso dos contratados é muito diferente, mas conheço contratados que se têm mantido coerentes nesta luta.

  7. Mário Machaqueiro said,

    Teodoro e Helena,

    Aqui, no blogue da APEDE, temos denunciado por diversas vezes a passividade e o bovinismo que pautou, a partir de uma certa altura, o comportamento de uma boa parte dos professores – em linha, aliás, com o que já caracterizava essa classe antes do consulado de Maria de Lurdes Rodrigues, o qual teve, pelo menos, o mérito de retirar os professores do seu torpor habitual.
    Só que esse é o tipo de constatação que não nos leva muito longe. O que importa saber é o que podemos fazer apesar disso (se é que podemos fazer alguma coisa).
    Esta interrogação, de resto, pode ser alargada ao resto da sociedade portuguesa. Pois a anestesia em que a classe docente parece ter caído não é muito diferente do que acontece na grande maioria das classes trabalhadoras, Vêem algum sector socialmente prejudicado a clamar pelos seus direitos e a organizar-se para os defender? Portanto, eu diria que, antes de pensarmos como redinamizar o combate dos professores, se deveria colocar esse desafio aos trabalhadores portugueses em geral. Neste momento, eles (os que ainda têm emprego) parecem estar mais empenhados em queimar os últimos cartuchos do consumismo acéfalo do que em lutar efectivamente pela preservação de condições e direitos sociais que correm o risco de ser totalmente varridos da nossa paisagem quotidiana. É possível sair disto?


  8. Aquilo que o Mário escreve é correcto mas eu gostaria de recentrar a discussão no tema que este post, concretamente, aborda e não aceito que se branqueie (mesmo que involuntariamente) a actuação de certos actores e organizações transformando os professores no bode expiatório desta situação. Os culpados são outros, muito antes de serem os professores. Os culpados são Sócrates, o ME, o PS, os sindicatos (que além de tudo o mais armadilharam os professores), a comunicação social alinhada e, claramente, o PSD pelas razões que o Mário Carneiro escreve e eu subscrevo, relembrando o passado de indefinição, falta de actuação e propostas, cambalhotas diversas, etc.


  9. Ahh não posso esquecer-me de um “amigo querido” dos professores: Cavaco Silva.

  10. teodoro said,

    É correcto e muito importante este texto, gostei muito de o ver aqui. Nisto estamos plenamente de acordo; Ricardo. E aquele “amigo” não é de agora; a primeira campanha pública de difamação dos professores aconteceu na época em que ele era primeiro ministro.

    Quanto à outra discussão não estamos de acordo a 100%, mas se não é para aqui chamada já cá não está quem falou.

    Um grande abraço.

  11. Zé Manel said,

    O diagnóstico aqui traçado é absolutamente certeiro. Apenas chamarei a atenção para alguns detalhes. É verdade que muitos docentes (falo dos que podiam optar), a cada nova medida (leia-se ataque) do ME, foram a correr inscrever-se nos concursos para titulares, apresentaram os objectivos e port-folios, reuniram e trabalharam para implementar os descritores e quejandos com uma subserviência ovina, etc.Tb é verdade que as campanhas massiças da máquina de propaganda do sr. Sousa & Cª (pagas com o nosso dinheiro) vão fazendo o seu papel de amaciar o terreno e preparar o povão para aceitar seja o que for, só porque tem de ser. Mas, claro que o papel dos dirigentes partidários e sindicais nunca pode ser posto no mesmo nível que as bases. A sua responsabilidade é infinitamente maior. Agora não podemos deixar de perguntar: se a resolução da AR em chumbar a ADD foi mal formulada em termos jurídicos, a ponto de o tribunal constitucional a ter reprovado, a culpa é de quem? Será que nos partidos que aprovaram essa medida não há ninguém com um mínimo de conhecimentos burocrático-jurídicos que soubesse da inviabilidade do documento? Portanto, ou foi pura incompetência, precipitação estulta, ou foi armadilha preparada por alguns onde outros caíram. DE qq modo o Coelho já declarou que, SE for eleito, vai revogar a coisa. A ver vamos!!!!!!


  12. Teodoro,

    Podes sempre falar de tudo, não pretendo limitar nada, força! Apenas disse que insistir em culpar os professores, do insucesso nesta luta contra a ADD, porque uma boa parte deles capitulou, é capaz de ser algo redutor. Até porque, e insisto neste ponto, essa história dos OI tem muito que se lhe diga. Já o escrevi e repito, naquele momento era importante arranjar uma estratégia para “queimar” os professores e “derreter” a mobilização (e basta reler o que escreveu o Mário num comentário acima para percebermos que isso não seria nada de muito complicado) e ter um álibi para voltar à mesa negocial numa estratégia de negociações de longo prazo e baixa intensidade de luta. É o que penso, e é o que o acordo de Janeiro veio provar. Não ilibo os professores, mas sei que o que aconteceu era praticamente inevitável tendo a classe as características que se conhecem. O que lamento é que, sabendo disso, os seus representantes em vez de aproveitarem e rentabilizarem, no momento certo, a sua mobilização (greves de mais de 90% não deviam ser descapitalizadas como foram), a tenham desmobilizado e esvaziado com estratégias de luta que se sabia à priori irem dar no que deram (e que no fundo era o que se desejava).

    Grande abraço (e já sabes que és sempre bem vindo Teodoro!)


  13. Pois é Zé Manel, a pergunta é mesmo essa: porque raio o PSD só acordou no penúltimo dia da legislatura, para fazer tudo a correr, à última hora, sabendo que corria riscos enormíssimos disto dar para o torto? Basta ler as penúltimas crónicas de Santana Castilho para perceber melhor o que se passou nos bastidores. O PSD como ele próprio escreveu, deu o flanco. E, mais uma vez, quem se lixa é o mexilhão. É ainda importante lembrar que o mesmo PSD teve várias outras oportunidades para fazer tudo como deve ser, quer na célebre cambalhota do Aguiar Branco, quer já em 2011 perante iniciativas parlamentares do PCP e BE. Em Janeiro de 2011 o PSD disse não, em Março vem dizer que sim. Porquê? Achará mesmo o PSD que os professores são parvos? Ou teremos de concluir que o PSD é por demais incompetente? Aguardemos as cenas dos próximos capítulos. Até lá há luta para fazer, no tempo presente, e considero que o documento/requerimento que o Mário Carneiro preparou e entregou na sua escola, deveria ser entregue em massa em todas as escolas aos CE e CCAD com pedido de esclarecimento urgente. Seria engraçado…

  14. Zé Manel said,

    O GRANDE LIDER DECRETA
    Lemos hoje na imprensa que o grande líder M. Nogueira “esclarece que ESTE NÃO É um momento de luta”. Se no estado calamitoso da coisa, ainda não chegou a altura de lutar, quando será???? Para estes sindicalistas-que-temos o momento da luta é sempre o dia de S: NUNCA. O que interessa é conversar,negociar nos bastidores acordozinhos nas costas da classe com memorandos e quejandos. E assim vamos ficando bem na foto, com ar apresentável para iniciar mais conversações com o próximo governo.
    Depois, o mesmo Nogueira fala de um novo modelo de ADD que vai apresentar. Elaborado por quem??Resulta de que reuniões??Quem o discutiu e aprovou?? O que é que as bases têm a ver com ele??(Questões sem resposta!!) Mais uma manobra da cúpula para fazer passar a política do facto consumado. Onde é que já vi isto?????


  15. Zé Manel,

    Mas ainda te admiras, ainda te espantas? Já te esqueceste do que aconteceu em Setembro de 2009? Enquanto tu e eu e mais uns milhares fomos para a rua, a 19 de Setembro, erguendo bem alto a nossa revolta, os líderes sindicais afirmavam que não era altura para lutar, que se devia aguardar pelo próximo governo para retomar negociações. Exactamente o que se passa agora. Exactamente o que se passará sempre. A luta não é para ganhar, é para manter, porque a luta é que alimenta, a luta é vida e alegria! A luta camaradas, a luta continua! E o povo, pah? O povo… quer dinheiro para comprar um carro novo..


Deixe uma Resposta

Preencha os seus detalhes abaixo ou clique num ícone para iniciar sessão:

Logótipo da WordPress.com

Está a comentar usando a sua conta WordPress.com Terminar Sessão /  Alterar )

Imagem do Twitter

Está a comentar usando a sua conta Twitter Terminar Sessão /  Alterar )

Facebook photo

Está a comentar usando a sua conta Facebook Terminar Sessão /  Alterar )

Connecting to %s


%d bloggers gostam disto: