Educação: um desastre anunciado
Por incrível que pareça, houve professores (baseamo-nos em fontes bem colocadas) que engoliram o número que o primeiro-pantomineiro montou na sua conferência de imprensa de 3.ª feira: uau! Não vai haver cortes nos salários, nem cortes nos subsídios de Natal e de férias, nem despedimentos! Porreiro, pá!
Queridos colegas:
moderem o vosso entusiasmo. Façam o que o outro disse: não entrem em euforia.
Porque…
… o corte anunciado de 195 milhões de euros (cento e noventa e cinco, leram bem) para o sistema de ensino no próximo ano vai representar o maior desastre que se abateu sobre as escolas portuguesas desde o 25 de Abril.
Vocês, que pelos vistos gostam de passar dos cenários depressivos imaginados ao contentamento mais (enfim, utilizemos um eufemismo) ingénuo, comecem a fazer as continhas.
Façam o favor de juntar o número de 195 milhões de euros ao novo cenário laboral criado com a supressão dos quadros de nomeação definitiva. Então, já perceberam? Pois é. Juntem-lhe ainda a reorganização da rede escolar através dos reagrupamentos de escolas, com o «abaixamento das necessidades de pessoal» que tudo isso implica. O redimensionamento dos mapas de pessoal está aí ao virar da esquina. E ele significa isso mesmo: despedimentos.
Os cavalos também se abatem. E os professores igualmente.
Ainda há pouco ouvimos na SIC-Notícias o Professor Silva Lopes a perorar sobre esta redução brutal de custos na educação. Com aquela alegre inconsciência que os nossos economistas alardeiam quando falam do que não conhecem – o ensino -, dizia ele que até se podia ter ido mais longe nos cortes. E lá sacava do “argumento”: pois se em Portugal o rácio de professor por alunos é maior do que a média europeia! Logo, a solução Silva Lopes é: aumente-se o número de alunos por turma ou até (melhor ainda!) aumente-se o horário de trabalho dos professores. Áh ganda Silva! Por acaso, a Lurditas de ouro já fez bastante por isso. E por acaso o “argumento” do tal rácio é uma falácia, como qualquer professor de uma escola dos subúrbios de Lisboa ou do Porto pode confirmar.
Mas que importam estes “detalhes” factuais, quando se pode apertar um pouco mais o torniquete à volta dessa corporação de malandros que são os professorzecos? É despedi-los e pôr a trabalhar mais horas os sacanas que ainda restarem! Aqui está a solução para os problemas do ensino em Portugal.
Ninguém pense que, num quadro como este, vai haver margem de manobra para qualquer alteração de fundo relativamente ao cenário montado pela equipa de Maria de Lurdes Rodrigues. O modelo de gestão escolar unipessoal, por exemplo, está aí para durar. Pois os directores das escolas vão ser agentes fundamentais na política de redução drástica do pessoal docente nos estabelecimentos de ensino. Com professores de espinha cada vez mais dobrada, cheios de medo da sua própria sombra e apavorados com a hipótese de serem os próximos a “quinar”, sem qualquer ambiente propício à contestação e à revolta, os directores vão ter carta branca para redimensionar os mapas de pessoal à medida da sua discricionaridade, e vão usar isso como pressão adicional para se fazerem obedecer. Portanto, longa vida ao actual modelo de administração escolar!
O resto… Bom, o resto (avaliação do desempenho, carreira docente, concursos) é ainda um enigma. Mas é de esperar que em todos esses domínios se reforcem medidas e práticas que acentuem a precarização como norma e a estrita disciplinarização de professores cada vez mais reduzidos à condição de amanuenses do Ministério.
Ainda estão eufóricos?
em 05/05/2011 em 15:24
Não li ainda este “memorando” mas com as indicações que li tive essa mesma percepção – que vamos ficar ainda piores. Sempre defendi a vinda do FMI porque pensei que seria uma forma de colocar a descoberto as mentiras e as falsas contas apresentadas do aldrabão daquele de que de PM só tem o nome. Agora o que me parece, antes de ter feito a leitura, é que efectivamente as coisas vão piorar, que vai haver muitos contratados despedidos e que urge demitir, através do voto, este (des)governo… Maus dias para a educação e para Portugal… Beijinhos para todos vós
em 05/05/2011 em 16:22
Beijinhos para ti, Cristina.
E olha que a vinda do FMI nunca foi boa notícia ou solução. O FMI tem uma agenda política muito clara em todos os países onde tem aterrado: pôr as classes médias e as camadas mais desfavorecidas dos trabalhadores a engordar os mais ricos. Isto é uma síntese brutal, mas que nada tem de simplista. Hás-de reparar se, no pacote de medidas apresentado, há uma única que penalize efectivamente os rendimentos mais elevados. Nem uma. Os cortes estão todos direccionados ou para os rendimentos médios e baixos, ou para os que se encontram na situação mais desesperada: os desempregados. Ora uma das razões maiores para os nossos crónicos défices orçamentais reside no facto de termos uma política fiscal altamente generosa para os grandes rendimentos, que ficam sistematicamente de fora do esforço contributivo para o orçamento de Estado. Aqui está um problema estrutural das finanças públicas portuguesas de que pouca gente fala.
Há em tudo isto uma tremenda injustiça social, que se agrava ainda mais num país como o nosso, que tem uma distribuição da riqueza das mais desiguais em toda a Europa.
em 05/05/2011 em 17:05
Pois abatem, como se viu, e com uma facilidade inimaginável há poucos anos atrás. Bastou acenar-lhes com umas cenouras no momento certo e fingiram nem perceber que eram engodo envenenado. Gritaram não e fizeram sim.
em 05/05/2011 em 22:27
Quer apostar que muitos profs ainda não sabem que passaram a ser contratados por tempo indeterminado? Que não sabem que em caso de despedimento os mais velhos podem ser os primeiros a sair? O pessoal está aliviado porque já pode ir marcar as férias para a “estranja”…O resto, logo se vê.
em 06/05/2011 em 12:15
Pois, é bom que os professores acordem!