APEDE


Dizer tudo, com as palavras necessárias

Posted in Lucidez por APEDE em 17/06/2011

Inveja de não termos escrito este texto (extraído daqui):

Há algumas semelhanças entre o que se passa hoje e o que se passou há um século, mas  as  diferenças são muito mais relevantes. Então, estava em vias de terminar a primeira globalização iniciada na segunda metade do século dezanove; hoje, a segunda globalização aparentemente reforça-se, apesar da crise; há um século, a globalização levou à bancarrota de vários países; hoje, acontece quase o mesmo; há cem anos, o padrão-ouro imposto pela potência dominante acabou por ser fatal para os menos competitivos; hoje, o euro tem exactamente o mesmo efeito; há um século, o desemprego nos países europeus decorrente do desenvolvimento industrial e dos progressos tecnológicos originou um movimento migratório nunca antes visto para os novos territórios, principalmente da América do Norte e do Sul; hoje, o desemprego europeu, salvo o muito qualificado, não é absorvível em nenhuma outra parte do mundo; há um século, havia um forte movimento operário, internacionalmente ligado, com um projecto político de tomada de poder; hoje, o movimento operário, como tal, tem uma força meramente residual, ancorada nos sindicatos que restam, e não tem qualquer projecto de tomada de poder; por outro lado, a força laboral dos demais sectores, com predominância dos serviços, não se encara como classe social e partilha em larga medida os mesmos valores do capital, apesar de impiedosamente fustigada pela crise; há cem anos, havia a convicção da existência de uma forte solidariedade internacionalista que três anos mais tarde se revelou não existir; hoje, há quem utopicamente sonhe com essa solidariedade para dar a volta a crise, sem que tal “sonho” seja alicerçável em qualquer tipo de base; há cem anos, havia um projecto de mudança radical que parecia inatingível, mas que acabou por se concretizar não tanto pelas “condições objectivas”que o proporcionaram, mas porque na cabeça de quem lutava e, principalmente de quem dirigia a luta, havia uma ideia muito clara do que se pretendia alcançar; hoje, o descontentamento resulta do que se perdeu ou do que não se conseguiu alcançar e dá lugar a um sentimento difuso mais dirigido a um regresso ao passado do que propriamente à construção de um novo futuro. Por outras palavras,  ainda vai ter de acontecer muita coisa antes que uma nova mentalidade surja.

2 Respostas para 'Dizer tudo, com as palavras necessárias'

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  1. Zé Manel said,

    Esta análise, embora correcta, parece-me um pouco pessimista demais. Concretamente, a questão da solidariedade internacional e da globalização surge distorcida. Neste momento, activistas espanhóis participam em manifestações portuguesas e vice-versa e o mesmo sucede em outros países europeus. Algumas organizações de cidadãos de caracter transnacional levam a efeito acções decisivas em pontos-chave importantes em diversos países como o Bharain, Bruxelas, etc. No passado recente, diversas cimeiras internacionais promovidas pelos donos do mundo foram severamente restringidas e contestadas por pessoas e organizações de base vindas das mais variadas origens. Alguns observatórios permanentes acompanham e denunciam as movimentações e acções dos fóruns internacionais da alta finança que se esforçam por amarrar os países a tratados iníquos.
    Todas estas movimentações frequentemente fazendo apelo a atitudes bastante criativas e que incluem grande número de jovens ajudam a criar um panorama, que longe de ser risonho, tb não é o cortejo fúnebre que o nosso amigo agita. Um bom exemplo disso é a famosa organização Aavaaz cujas actividades podem ser consultadas no respectivo site.

  2. teodoro said,

    Eu também estou pessimista demais…
    Adeus Euro. A cada dia que passa vai-se revelando um projecto falimentar. Mais tarde ou mais cedo, se não saímos nós sai a Alemanha que entretanto só vai (até quando?) tentando arranjar maneira de ver os submarinos pagos.
    Se a dívida não é redimensionada (só uma forte contestação poderá forçar outras decisões), das duas uma: ou saímos ou temos salários e pensões reduzidos a metade, desemprego e precariedade em crescendo e o SNS praticamente desmantelado. A coisa não pára na Grécia e vem de longe.
    Nos tempos mais imediatos não vamos ter uma contestação aberta, parece-me que vamos andar entretidos a falhar o alvo com uma metade a dizer à outra: “a culpa é dos teus”. Enquanto a contestação é pilotada a teia vai-se tecendo nas nossas costas. Quando uma metade, que se julga momentaneamente no lado certo, se aperceber que também ficou de bolsos vazios no mesmo barco rombo talvez… talvez…. reconheça que de nada serviu deitar as culpas para os outros e acorda. Tarde demais?


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