Banda sonora para este Verão (e para o Inverno que aí vem)
Mis-shapes, mistakes, misfits.
Raised on a diet of broken biscuits, oh
we don’t look the same as you,
we don’t do the things you do,
but we live around here too, Oh really.
Mis-shapes, mistakes, misfits,
we’d like to go to town but we can’t risk it, oh
cos they just want to keep us out.
You could end up with a smack in the mouth
just for standing out, Oh really.
Brothers, sisters, can’t you see?
The future’s owned by you and me.
There won’t be fighting in the street.
They think they’ve got us beat, but revenge is going to be so sweet.
We’re making a move,
we’re making it now,
we’re coming out of the side-lines.
Just put your hands up – it’s a raid yeah.
We want your homes,
we want your lives,
we want the things you won’t allow us.
We won’t use guns,
we won’t use bombs,
we’ll use the one thing we’ve got more of – that’s our minds.
Check your lucky numbers,
that much money could drag you under, oh.
What’s the point in being rich,
if you can’t think what to do with it?
Cos you’re so bleeding thick.
Oh we weren’t supposed to be,
we learnt too much at school now we
can’t help but see,
that the future that you’ve got mapped out is
nothing much to shout about.
We’re making a move,
we’re making it now,
we’re coming out of the side-lines.
Just put your hands up – it’s a raid yeah.
We want your homes,
we want your lives,
we want the things you won’t allow us.
We won’t use guns,
we won’t use bombs,
we’ll use the one thing we’ve got more of – that’s our minds
Brothers, sisters, can’t you see?
The future’s owned by you and me.
There won’t be fighting in the street.
They think they’ve got us beat, but revenge is going to be so sweet.
We’re making a move.
We’re making it now.
We’re coming out of the sidelines.
Just put your hands up – it’s a raid.
We want your homes,
we want your lives,
we want the things you won’t allow us.
We won’t use guns,
we won’t use bombs,
we’ll use the one thing we’ve got more of – that’s our minds.
And that’s our minds. Yeah.
(Dos “Pulp”, com as palavras incendiárias de Jarvis Cocker)
Se não se importam…
… Iremos reservar o nosso comentário sobre o próximo modelo de avaliação do desempenho docente quando…
… houver um novo modelo de avaliação do desempenho docente.
O que corre por aí, e que Nuno Crato divulgou, é uma mera e mui vaga declaração de intenções que só deixa interrogações no ar e que só serve para alimentar especulações – não por acaso, muitas delas tecendo cenários pouco agradáveis para os professores.
Sim, também temos sérias dúvidas, sérias reservas e a hipótese de diversas objecções. Algo nos diz que teremos de as desenvolver quando o documento definitivo (?) for finalmente parido…
Mas agora, se não se importam, faremos como os sindicatos:
vamos de férias!
Péssimos sinais
Já por várias vezes criticámos aqui o modelo, actualmente em vigor, de «educação de adultos». Mas o que esta notícia mostra é um Ministério da Educação a manter (e a reforçar) a sua velha tradição de desprezo pelas pessoas: pelos professores e pelos alunos.
Há uma guerra de classes. Mas, por enquanto, só um dos lados parece empenhado em usar todas as armas que possui
– De Nuno Ramos de Almeida
No alarms and no surprises
Nada de novo na frente ocidental.
O PSD e o CDS arrumaram, numa nota de pé de página do debate parlamentar, uns projectos para a suspensão da ADD, apresentados pelo PCP e pelo BE, os quais também não eram para levar muito a sério.
Entretanto, num dos países da Europa com maiores desigualdades sociais e onde o governo está empenhado em tornar os pobres ainda mais pobres, em aumentar o desemprego, em destruir toda a rede estatal de protecção social, ficamos a saber que as dificuldades, quando nascem, nunca são para todos: os 25 mais ricos de Portugal têm razões de sobra para sorrir.
E nós, os outros, os que são muitos e não sabem o que fazer com isso, lá vamos cantando e rindo, na nossa anestesia quotidiana.
Sem alarmes, nem surpresas, vamo-nos afogando lentamente.
A heart that’s full up like a landfill
A job that slowly kills you
Bruises that won’t heal
You look so tired and unhappy
Bring down the government
They don’t, they don’t speak for us
I’ll take a quiet life
A handshake of carbon monoxide
No alarms and no surprises
No alarms and no surprises
No alarms and no surprises
Silent, silent
Para desanuviar um bocado…
… Propomos a leitura deste “post” do Luís Costa, escrito com bastante verve (e que, para mal dos nossos pecados, é capaz de não andar muito longe da verdade…).
A face medonha do «orgulho branco»
Louro. Provavelmente alto. Olhos azuis. O pesadelo da raça ariana. Olhem-no bem.
Ciente da sua superioridade absoluta, está disposto a eliminar tudo o que decretou como inferior. Pois os «inferiores» não têm, por definição, direito à vida.
«Inferiores» são, claro está, todos os povos não «ocidentais», todas as raças «não brancas» que só podem ser escravos a explorar ou «pragas», «vermes», «micróbios» a suprimir. E intolerável, para ele, é que toda essa escumalha pretenda, não só existir, mas até mesmo misturar-se com ele, torná-lo «outro», diferente de «si», igual a todos os «outros». Esse é o seu maior pânico.
«Inferiores» são, enfim, os praticantes de religiões «impuras», esses muçulmanos em número cada vez maior, que estão por toda a parte, que o querem dominar, a ele, que nasceu para ser dominador. Isso ele não consegue aceitar.
Mas «inferiores» são, também, os «traidores» que vivem entre «nós». Esses que, tendo nascido «para dominar», aceitam «ser dominados». Esses que são cúmplices da «praga», da «peçonha», dos «micróbios». Esses amigos dos pretos e dos ciganos. Esses marxistas, comunistas, multiculturalistas. Para eles há que reservar o maior ódio. Para eles há que usar balas que deflagram no corpo.
Olhem-no bem.
É cristão, cheio de «paz e amor». É, aliás, por «amor ao próximo» que ele descarrega a metralhadora sobre os jovens que tem à sua frente, depois de os ter reunido com palavras de polícia bonzinho.
Olhem-no mesmo bem.
Ele é o «descobridor» português que jurou destruir os fiéis de Mafoma.
Ele é o «descobridor» espanhol que massacrou incas e aztecas.
Ele é o «comerciante» português/inglês/francês/holandês que transportou escravos negros como sardinha enlatada no porão.
Ele é o alemão que empurrou judeus e ciganos para a câmara de gás.
Ele é o soldado israelita que maltrata o palestiniano na fronteira de Gaza.
Ele é o soldado americano que violou, mutilou e trucidou mulheres e crianças na aldeia vietnamita de My Lai.
Ele é o soldado português que fuzilou e queimou a população moçambicana de Wiriyamu.
Ele é o nosso passado. O nosso presente. O nosso futuro.
A ubiquidade do mal
De entre as capitais dos países escandinavos, Oslo é a cidade de beleza mais delicada, mais intimista, menos monumental. Diríamos, correndo o risco do lugar-comum: a mais humana.
Rodeada de uma paisagem deslumbrante, à beira de um fiorde, Oslo é uma cidade que, com sol e as temperaturas amenas do Verão, convida aos passeios pedestres e à descoberta.
Para os que a conhecem e a amam, é duplamente doloroso observar a ferida terrível que agora foi aberta nela, depois da qual muito dificilmente se regressará à normalidade – seja lá o que isso for.
O lado mais tremendo do terror político, com a sua violência insana – que escolhe como alvos os que são ontologicamente inocentes -, é o facto de, com frequência, atacar sociedades aparentemente felizes, aquelas que parecem ter conseguido atingir um equilíbrio que a nós, portugueses, tem todo o ar de miragem: desenvolvimento e crescimento económico, com distribuição igualitária e socialmente justa da riqueza. Baseando boa parte do seu bem-estar na exploração de reservas petrolíferas, a qual não se limita a reverter a favor de uns tantos nababos, a Noruega é um país que realizou, de facto, esse objectivo do qual, nos dias de hoje, a restante Europa se afasta cada vez mais.
Mas a Noruega era também, até ontem, um lugar onde, aos fins de semana, o primeiro-ministro podia passear em bicicleta com a família, num convívio próximo com qualquer dos seus conterrâneos. Sem guarda-costas, pois. Havia nisso um luxo a que já poucos países podem aceder, uma ingenuidade saudável – talvez aquilo que leva os sofisticados suecos, com um misto de sobranceria e de inconfessada inveja, a ver nos noruegueses os “bimbos” da Escandinávia.
É muito provável que essa descontracção, esse savoir-faire cultural e político, tenha morrido com estes atentados.
Todavia, semelhantes eventos, pela sua magnitude, exigem outro género de reflexão, capaz de ir além da epiderme das nossas afeições. Porque um acontecimento como este põe à prova a consistência do pensamento (inevitavelmente político) com que nos apropriamos dele.
Começa, desde logo, pela assimetria da nossa indignação. Emocionamo-nos com o assassinato bárbaro de noventa e tal noruegueses, mas encaramos a morte, não menos bárbara, de mais umas centenas de iraquianos entre duas garfadas de um jantar frente à televisão. É o efeito da distância afectiva de que falava Freud? O parente importa-nos mais do que o vizinho e o vizinho mais do que o estrangeiro, e por aí fora, até à indiferença total? Qual a extensão da nossa solidariedade com o humano e de que fronteiras ela é feita?
Há, entretanto, também outras assimetrias, mais conjunturais mas não menos perturbadoras. Com lucidez, alguns bloggers estão a chamar a atenção para elas a propósito de certos juízos que circularam sobre estes atentados. Assim, se muitos se precipitaram na atribuição da autoria dos mesmos ao «terrorismo islâmico», outros tantos recuaram na nomenclatura do mal quando souberam tratar-se, afinal, de um louro de olhos azuis – típico exemplar da “raça ariana”, pois então. Ainda para mais, católico. A simples eventualidade de se poder atribuir ao suspeito a categoria de «fundamentalista cristão» desperta em certas almas as mais veementes objecções (leiam os comentários, por favor). Como se a mera associação entre «cristão» e «fundamentalista» fosse impensável. Mais impensável ainda, para alguns espíritos, a junção das palavras «cristão» e «terrorista». Porque, “como toda a gente sabe”, em matéria de religiões só o Islão pode atrair a si o apodo (e a prática) do terrorismo. O Islão, essa fé de “fanáticos”, estruturalmente “atrasada” e própria para mentes “primitivas”. Quantas vezes não ouvimos e lemos esta cantilena racista a propósito, por exemplo, da suposta “afinidade natural” entre a religião islâmica e os negros de África? E quantas vezes não ouvimos, no passado colonial como no nosso presente pós-(e neo-)colonial, que o cristianismo, em contrapartida, é uma fé “superior”, ligada a todos os “magníficos avanços” da não menos esplendorosa «civilização ocidental»? Logo, é impossível conceber um fundamentalista cristão terrorista, ou seja, um terrorista que o seja por ser fundamentalista cristão. Logo, o louro de olhos azuis, cristão e admirador de Churchill, que praticou o massacre na Noruega só pode ser um louco, um psicopata, alguém que não releva de uma categoria propriamente política.
Os limites da nossa imaginação categorial são as fronteiras de onde se alimentam os nossos preconceitos – e a nossa violência identitária contra os “outros”.
Por fim, é necessário regressarmos ao princípio. E o princípio é o início deste “post”. É que a cartografia dos nossos afectos pode ser também o desenho da nossa cegueira. Gostamos da Noruega, é verdade. Mas, como lembrava Nuno Rogeiro no telejornal da TVI, as aparências norueguesas (como as filandesas, as suecas, as dinamarquesas) escondem realidades bem mais medonhas do que gostamos de imaginar. Existe uma violência larvar, uma inquietante estranheza, uma sussurrada patologia social a pulsar por debaixo da pele de harmonia que os países escandinavos ostentam. Não é por acaso a taxa de suicídios, não é por acaso o crescimento da extrema-direita nessas regiões, e não é por acaso a neurose metafísica de um Bergman ou, mais recentemente, a inquietação manifestada por Stieg Larsson nos livros da série Millennium.
Também por aqui precisamos de sair das assimetrias inconscientes com que distribuímos o mal pelas aldeias – as que nos são próximas, as que nos são distantes, e as globais.
Última notícia: PSD e CDS batem o “record” da falta de vergonha
A confirmar-se esta notícia – e não há, infelizmente, razões para que ela não se confirme -, atingimos um novo degrau mais fundo nos esgotos da falta total de vergonha, do troca-tintismo politiqueiro, do oportunismo eleiçoeiro.
E o PCP e o BE, ao apresentarem os seus projectos de lei para a revogação da ADD, terão cumprido um dos seus objectivos: forçarem o Coelho a sair da sua toca de contradições, de zigue-zagues e de absoluta falta de uma velha virtude cada vez mais em desuso: uma coisa chamada «honra».
Nada que nos surpreenda, pois sempre nos inclinámos para a hipótese de que a apresentação das referidas propostas do PC e do BE mais não lograria do que expor – para quem ainda se espanta – a desvergonha dos dois actuais partidos de governo.
Outros colegas blogueiros dizem de sua justiça sobre mais esta injustiça feita aos professores: aqui, aqui e aqui.
Explicar de-va-ga-ri-nho
Alguns comentários ao “post” anterior levam-nos a pensar que há alguns (esperemos que poucos) colegas nossos que não lêem, com atenção mínima, o que escrevemos. E há professores que, pelos vistos, estando instalados na segurança (mais ilusória, aliás, do que real) do seu posto de trabalho e dos seus horários, entendem que o Ministério da Educação não tem de se preocupar prioritariamente com o emprego docente e tem, isso sim, de dar toda a primazia aos interesses dos alunos. Se esses interesses colidirem com a segurança ou com a estabilidade profissional dos professores (quer dizer, dos “outros” professores, dos contratados “que não interessam para nada”), que se lixem estes últimos. Tem graça, porque, noutro “post”, antecipámos este “argumento”, adivinhando que ele iria surgir na presente discussão (infelizmente, só não adivinhamos os números do euromilhões). E aí tentámos demonstrar que as duas coisas – defender o interesse dos alunos e defender o emprego dos professores – não são incompatíveis. Não nos vamos repetir: é favor seguirem o link acima indicado.
Vemos também que há colegas que acham uma excelente medida o acréscimo de horas a Português e a Matemática. Que esses colegas sejam professores de… Português e Matemática não é só, obviamente, uma feliz coincidência. Procurámos explicar aqui por que consideramos essa uma decisão que, muito provavelmente, nada acrescentará ao ensino – a não ser, claro, as tais horas que fazem muito jeito ao horário de certos professores.
A nossa posição a este respeito é muito simples: face aos resultados catastróficos dos exames deste ano (e de outros anos), faça-se uma análise aprofundada do que tem corrido mal. Mas mesmo de tudo: dos programas, dos seus conteúdos, dos graus de exigência, dos critérios de avaliação, dos métodos de ensino. Acrescentar simplesmente mais horas sem fazer essa análise prévia equivale a empurrar o problema com a barriga. Ou será que os professores em questão entendem que tudo tem corrido no melhor dos mundos no tocante ao ensino de Português e de Matemática e que o mal reside apenas na falta de mais horas a essas disciplinas?
Reorganização curricular: a verdade “escondida” e as oportunidades perdidas
Sobre a recente reorganização curricular, já apelidada de simples ”haircut” curricular e que, para alguns, não passa de uma hecatombe mitigada, e menos preocupante, em comparação com a que foi proposta pelo governo anterior, é preciso afirmar, com clareza, sem tibiezas e sem receio do contraditório (que se agradece), o seguinte :
Com excepção do par pedagógico em EVT, que para já se mantém (assim como os desdobramentos nas Ciências, só para dar um exemplo do que ainda poderá piorar), a actual reorganização curricular é mais gravosa, em termos de condições de trabalho para a generalidade dos professores, do que a prevista no consulado de Isabel Alçada. Pior para quase todos os grupos disciplinares, com excepção da Língua Portuguesa e Matemática (que ganham em toda a linha). E pior porque os meios blocos, a gerir pela escola, estão a ser atribuídos, em inúmeros agrupamentos, às disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática, reforçando ainda mais a sua carga horária, ou acabam afectados a algo aparentado com o Estudo Acompanhado, mas que só pode ser leccionado pelos professores de Língua Portuguesa e Matemática, ao contrário do que acontecia no passado. Neste sentido, a tal hecatombe, que alguns negam (talvez porque a não sintam na pele), vai mesmo ser real e gravíssima. E não serão apenas os contratados a ser afectados. Há mesmo grupos onde não há horas suficientes para completar horários dos professores do quadro. O triplo “assalto” (que será quádruplo quando regressarem em força os mega-agrupamentos), por via da retirada do meio bloco a gerir pela escola, e da extinção do Estudo Acompanhado e da Área de Projecto (cuja extinção sempre defendemos, mas não com a afectação das horas a apenas duas disciplinas), vai ser absolutamente dramático para muitos milhares de professores, na maioria dos grupos disciplinares.
E a pergunta, fundamental, que importa fazer é esta: representará isso um acréscimo de qualidade no ensino? Professores com 8, 9 e 10 turmas, talvez mesmo 11, em vários grupos disciplinares, conseguirão ensinar com a mesma disponibilidade de tempo para preparem aulas e materiais, avaliarem de forma diversa e continuada e apoiarem todos os alunos com necessidades específicas, colaborando, como sempre, na dinamização de actividades e projectos diversos nas escolas?
Lançar simplesmente mais horas para cima das disciplinas chamadas estruturantes irá resolver o problema? Que avaliação se fez, antes desta decisão, sobre os resultados obtidos com o “PAM” e o “PNL”, só para citar dois exemplos? O que se fará quando, e se, se vier a perceber, pela extensão dos exames a outros anos de escolaridade e disciplinas, que a questão do insucesso não é um problema exclusivo da Língua Portuguesa e da Matemática? Continuarão a dar-se os “ovos” (embora os “ovos” não bastem) apenas às disciplinas “estruturantes”? E a formação em Ciências, não é importante? E a História? E o Inglês? E…? E… haverá “ovos” que cheguem?
Não haverá mais nada a fazer para melhorar a situação que atravessamos? Por exemplo, uma intervenção séria no 1º ciclo (que não sofreu qualquer reorganização); por exemplo, a revisão dos programas; por exemplo, uma clara e correcta articulação curricular (quer vertical, quer horizontal); por exemplo, uma maior clareza e constância nos critérios de correcção dos exames, e no seu grau de dificuldade; por exemplo, um peso maior dos exames em termos de classificação final; por exemplo, uma redução do número de alunos por turma; por exemplo, uma diferente gestão dos apoios educativos, mais flexível e directa, assegurados pelo professor da disciplina, com horas da sua componente não lectiva; por exemplo, a contratação de mais técnicos especializados que pudessem intervir ao nível dos problemas de aprendizagem (dislexias, disortografias, etc.), défices de atenção e outras problemáticas ao nível das necessidades educativas especiais; por exemplo, condições de flexibilidade de horário para que os pais possam deslocar-se à escola, pelo menos uma vez por mês, para acompanharem mais de perto a vida escolar dos seus educandos; por exemplo, menos papelada e burocracia, menos tralhas avaliativas, e mais horas de componente individual, libertando os professores para o acto de ensinar, dando-lhes tempo para pensarem e prepararem melhor, com outras condições, o acto educativo e o apoio aos alunos com maiores dificuldades? Que lhe parecem estes exemplos, caríssimo senhor ministro da Educação? Já agora, caríssimo senhor ministro da Educação, não lhe parece que seria importante ouvir os professores que estão no terreno, sobre estas e outras questões, em vez de continuar fechado no seu gabinete a ouvir somente ”especialistas” e “representantes”? Não lhe parece que seria enriquecedor ouvir, directamente, e em contexto real, aqueles que verdadeiramente tutela?
Uma outra questão para si, caríssimo senhor ministro da Educação: como pretende avaliar professores que trabalharão, por via desta reorganização curricular (mas não só), com 2, 3 , ou 4 turmas (embora com maior componente não lectiva) e outros que leccionarão 8, 9 e 10 turmas, talvez mesmo 11? Do mesmo modo e com os mesmos critérios? Tenha cuidado com os “especialistas”. Aposto que nem se lembram destes “pequenos e irrevelantes” detalhes… Na verdade, caríssimo senhor ministro da Educação, é muito fácil dizer que os professores devem ter liberdade para escolher metodologias e processos de ensino, que o ME não deve querer ser dono da Educação, ditando as orientações pedagógicas. Estamos de acordo. Mas muito mais complicado tem sido perceber, por parte da tutela, que nem todos os professores partem com as mesmas condições, que nem todos os alunos são iguais, que nem todas as turmas têm o mesmo número de alunos, ritmos de trabalho e dinâmicas inter-relacionais, que nem todas as escolas têm as mesmas estruturas de apoio ou condições organizacionais, que nem todos os meios escolares e comunidades educativas têm as mesmas características, etc. etc. etc. E isso, caríssimo senhor ministro da Educação, nunca perceberá, de forma real e vivida, com os seus “especialistas”. Certamente não estiveram nas escolas básicas, a leccionar, nos últimos anos.
Finalmente, um desabafo, uma subida preocupação e uma última pergunta, caríssimo senhor Ministro da Educação: o que pensa acerca da importância da disciplina de História, no contexto curricular? Considera que ela deve ser, ou não, uma disciplina estruturante no currículo? Seja sincero. E depois explique-nos, por favor, se puder, porque razão tem sido tão maltratada e desvalorizada. Podemos explicar-lhe, e demonstrar-lhe facilmente, com números (já que os números são mais a sua área), a forma absolutamente lamentável como a História (e não só) tem sido desprezada, nos últimos anos, pela tutela. É preciso saber se está disposto a juntar o seu nome aos dos políticos que pretendem silenciar a História e, por arrasto, o pensamento crítico. Que sociedade queremos, afinal, construir?
De tudo isto sairá alguma coisa de jeito?
A acreditar no que aqui se diz, a solução para o fim do actual modelo de ADD está agora entregue aos jogos, jogadas e joguinhos de bastidores político-partidários e governamentais – aquele tipo de manobras nas quais, em regra, os principais interessados (neste caso, os professores) são quase sempre reduzidos a um bem transaccionável e a um detalhe irrelevante.
Esperemos pois que, no meio de tudo isto, os professores não sejam, uma vez mais, tratados como os “mexilhões” do costume…
Podem acabar de vez com a porcaria do modelo de avaliação dos professores para começarmos a discutir outras coisas?
Alguma blogosfera docente tem andado acesa à volta da questão de saber se, à conta dos projectos de lei de revogação da ADD apresentadas pelo PCP e pelo BE, a Assembleia da República tem ou não competência para dinamitar a legislação que regulamenta o aborto avaliativo (ou a avaliação abortiva, tanto dá). Quem queira seguir a polémica, que opõe essencialmente o Paulo Guinote e o Francisco Santos, pode fazê-lo aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.
Para o leitor não iniciado isto é capaz de parecer uma discussão bizantina. Mas não é. Está em jogo a definição das possibilidades e dos limites de intervenção do parlamento, dos sindicatos e do próprio governo na produção e na elaboração de leis que incidem sobre as escolas e sobre a profissão docente.
Qual a nossa posição no meio de tudo isto? Não nos vamos pronunciar directamente sobre a polémica acima referida, que em nós suscita mais dúvidas do que respostas prontas (lamentamos, mas é mesmo assim). Tentaremos apenas enunciar uma meia dúzia de observações, à mistura com algumas perguntas sobre detalhes que nos deixam assim a modos que perplexos:
1 – Se o PSD e o CDS, enquanto partidos do governo e maioria absoluta no parlamento, quisessem honrar as promessas que fizeram aos professores para acabar, em dois minutos, com a porcaria da ADD, já o teriam feito há muito tempo (há exactamente 25 dias – seguindo aqui a contabilidade do Octávio). Se não o fazem é porque não estão politicamente interessados. E a questão é saber por que não estão.
2 – Ao submeterem, na Assembleia da República, projectos de lei para revogar a ADD, é muito provável que nem o PCP, nem o BE, esperem verdadeiramente que as suas propostas sejam aprovadas, dada a actual relação de forças existente no parlamento. O que esperam, em contrapartida, é confrontar o PSD e o CDS com a infinita contradição entre a inércia actual e as declarações de compromisso que fizeram durante a campanha eleitoral – acompanhadas pelo gesto de aprovarem um projecto de suspensão da ADD na Assembleia que foi depois “chumbado” por Cavaco Silva e pelo Tribunal Constitucional.
3 – Se acontecer o contrário do que prevemos no ponto anterior, isto é, se os projectos de lei forem aprovados (ou se um deles o for), tiraremos o chapéu a todos os partidos – à excepção do PS, que certamente votará contra – e ficaremos à espera da decisão de Cavaco Silva. Quererá ele abrir já, nesta altura do campeonato, uma frente de conflito com os dois partidos do governo? O Paulo acha que sim. A nós parece-nos que não, porque Cavaco Silva está naquela fase de valorizar a santa «cooperação» entre órgãos de soberania, aos seus olhos necessária para que o programa da “troika” seja aplicado com toda a vaselina deste mundo. Portanto, é só os partidos da maioria quererem.
4 – Acontece, porém, não estarmos a ver os deputados do PSD e do CDS a aprovarem uma coisa que colide, estrondosamente, com a inacção deliberada do governo em matéria de ADD.
5 – De tudo isto, sobra então um enigma: que estranha virtude jaz oculta no actual modelo de ADD para que, chegados ao governo, PSD e CDS mostrem tanta relutância em removê-lo de uma vez por todas?
Ainda sobre a reorganização curricular do ensino básico
Quem ler os comentários #256, #267, #299 e #305 que o nosso colega Ricardo Silva deixou aqui, verá que a reorganização curricular do ensino básico, agora anunciada, não vai ter apenas as implicações para os alunos que analisámos nos “posts” anteriores. Vai ter também consequências altamente gravosas para a estabilidade de emprego de muitos professores, retirando-lhes horas numa quantidade tal que, no caso dos contratados, se traduzirá por desemprego certo.
É verdade, e o Paulo Guinote terá razão nesse aspecto, que não vem aí a hecatombe inscrita na reforma que Isabel Alçada queria impor. Mesmo assim, vai ser uma tragédia para muitos professores, em número ainda imprevisível, mas que tudo indica venha a ser significativo.
Aqui impõe-se uma discussão séria sobre o que deve ser a motivação primeira de uma reforma curricular. Alguns gostam de subordinar essa discussão a uma pergunta capciosa: deve essa reforma servir para melhorar a solidez das aprendizagens dos alunos e, por conseguinte, para garantir um sucesso escolar consistente, ou deve servir, acima de tudo, para assegurar o emprego dos professores?
Pergunta perversa, que pressupõe, desde logo, a resposta: numa reforma curricular o interesse dos alunos deve ter primazia sobre a segurança de emprego dos professores. Ou seja: se esse interesse for mais bem servido pela eliminação de umas tantas disciplinas, com a consequência de atirar para o desemprego uns milhares de contratados – “recursos humanos” descartáveis como tal -, então os professores que se danem, pois os alunos estão primeiro.
Contra quem argumenta dessa maneira – e há muita gente a fazê-lo -, apetece-nos colocar a seguinte pergunta:
e o Ministério da Educação, como entidade empregadora que também é, não tem a obrigação de zelar pelos dois interesses ao mesmo tempo, o dos alunos e dos professores, e de ver como um se pode conciliar com o outro?
É que, se formos ver bem as coisas, quase sempre o interesse dos alunos fica mais salvaguardado através de soluções que defendem também o emprego dos professores.
Vejamos este exemplo:
Se, no caso desta reorganização curricular do ensino básico, a redistribuição das horas lectivas, resultante da eliminação da Área de Projecto e do Estudo Acompanhado, tivesse sido feita de forma mais equitativa e equilibrada por várias disciplinas, em especial as que representam saberes nucleares – e que não são só Português e Matemática -, professores e alunos teriam sido beneficiados em simultâneo.
Outro exemplo, ainda mais óbvio: turmas mais pequenas traduzem-se em melhor qualidade do ensino e em acompanhamento mais individualizado dos alunos. Estes saem a ganhar. Mas os professores também, pois tal significa maior necessidade de contratar docentes.
É claro que, na fase actual, o terreno para semelhantes políticas está completamente minado. O programa da “troika”, que o governo de Passos Coelho aplica com fidelidade canina, está ávido é de mais desemprego. E, entre os trabalhadores do Estado, os professores vão estar na primeira linha do abate. Ninguém tenha dúvidas a esse respeito. É só uma questão de tempo.
Quanto aos alunos, é muito pouco previsível que eles ganhem alguma coisa com a precarização do trabalho docente.
Só que…
Só que a redistribuição das horas lectivas resultante da supressão dessas “disciplinas” poderia ter sido um bocadinho mais racional, como salientámos antes.
Num “post” mais abaixo identificámos diversos saberes que, em nosso entender, deveriam ser os conhecimentos estruturantes para alunos do ensino básico. Entre eles, nomeámos a História. Ora, essa é precisamente uma disciplina que sai muito maltratada na distribuição da carga lectiva. Em vez de sobrecarregar com horas as disciplinas de Português e Matemática, desproporcionadamente e sem perspectivas de grandes efeitos positivos, não teria feito mais sentido reforçar, de modo equilibrado, uma disciplina tão crucial para a edificação de um conhecimento situado, de uma consciência crítica do presente à luz do passado, como é a História?
Mas há muito que as Humanidades e as Ciências Sociais têm vindo a ser tratadas como coisas menores, dentro da cultura da tecnocracia arrogante que marca o nosso tempo.
Em contrapartida…
… Vemos com bons olhos a eliminação dessas inutilidades pomposas que dão pelo nome de «Área de Projecto» e «Estudo Acompanhado». Pseudo-disciplinas exteriores a qualquer currículo científico ou humanístico, com raras e honrosas excepções terão elas servido para mais do que a perda de tempo de sucessivas gerações de alunos, que delas retiraram nada ou muito pouco.
Para os que eventualmente choram pelo suposto desaparecimento dessa outra coisa pomposa que dá pelo nome de «interdisciplinaridade», alegadamente associada às tais “disciplinas que agora desaparecem, respondemos com o que já tínhamos dito na nossa proposta alternativa: a interdisciplinaridade não pode ser exercida de modo forçado e artificial em disciplinas supostamente criadas para esse efeito, mas terá de resultar da iniciativa dos próprios grupos disciplinares e dos conselhos de turma. Se a estutura curricular e a articulação dos conteúdos programáticos consentir em semelhante desiderato. Parêntese: a histeria à volta da «interdisciplinaridade» é outra moda importada do pior pedagogês. Contra esse folclore, dizemos: deixem que os alunos aprendam, ao menos, as bases fundamentais de cada saber científico, e, mais tarde, se forem bem sucedidos na construção desses fundamentos, pode ser que se dediquem então a explorar as articulações possíveis entre as diferentes áreas do conhecimento. Que diabo. É um puro delírio (para não dizer: estupidez) esperar que alunos do ensino básico e secundário se entreguem às delícias da inter- (e até da trans) disciplinaridade, quando nem sequer dominam o b-a-ba das ciências, ou desejar que eles acedam a esse olimpo quando muitos dos que praticam a investigação científica propriamente dita não conseguem, muitas vezes, relacionar os saberes de forma produtiva.
Neste particular, a reorganização curricular do básico releva do bom senso.
Descalabro e tiro ao lado
Os resultados nos exames do 12.º ano a Português e a Matemática só surpreendem os que acreditaram no demagógico milagre da multiplicação das notas durante o consulado de Maria de Lurdes Rodrigues. Seja como for, tais resultados confirmam também um aspecto que o actual ministro da Educação e Ciência denunciou antes de assumir a sua pasta: o facto de os critérios, estrutura e grau de exigência das provas de exame mudarem consoante os anos e os interesses políticos de quem domina os gabinetes ministeriais, impedindo qualquer comparação com um mínimo de rigor.
Os exames deste ano são, de facto, mais fidedignos dos que os do ano passado? A verdade é que os professores que leccionam no ensino secundário, mas também os que trabalham no ensino superior, há muito que constatam o péssimo desempenho dos alunos no domínio da língua portuguesa e da interpretação de textos. Por outro lado, a estranha prática de permitir que estudantes acedam a certos cursos de ciências com más classificações a Matemática mostra que, por esse lado, os progressos têm sido quase nulos.
Mas aqui tropeçamos numa realidade deveras embaraçosa. Tantos “planos nacionais de leitura”, tantos “planos de acção”, não menos nacional, de matemática, mobilizando tantos professores e – note-se – tantas horas adicionais, deram, afinal, nisto?
Há qualquer coisa de profundamente errado nesta fotografia. Algo que devia fazer reflectir todos os envolvidos, que não são apenas, sublinhe-se, os responsáveis do Ministério que inventaram esses “planos”, esses “programas” ou essas “acções”. Os professores que, sem sombra de dúvida, se empenharam e deram o seu melhor, com os alunos, na execução dos planos, e que ano após ano verificam que a colheita dá origem, invariavelmente, a uma beberagem escassa e azeda, precisam também de reflectir profundamente sobre o que anda a correr mal. As escolas – isto é: os professores – costumam reagir demasiado pavlovianamente às directivas e às ideias (muitas vezes de jerico) emanadas do Ministério, precipitando-se para a sua aplicação sem grande distanciamento crítico. Seria bom que, de vez em quando, parassem para pensar. Talvez concluíssem que tanto plano pode servir para ornamentar um porta-folhas e engordar uma auto-avaliação, sem que, todavia, daí resulte o mais pequeno acréscimo na melhoria das aprendizagens.
Isto conduz-nos, direitinhos, à questão do tiro ao lado que agora se seguiu à revelação do descalabro.
Nuno Crato veio anunciar o reforço da carga horária nas disciplinas Português e da Matemática ao nível do ensino básico. Quando a floresta está a arder, atira-se-lhe água. Quando as notas descem a pique nestas disciplinas, atiram-se-lhes horas. Mas, neste caso, há boas razões para acreditar que, se a água apaga o fogo, mais horas não vão apagar os problemas de que padece o ensino nessas duas disciplinas.
Tal como mais horas de trabalho não significam maior produtividade, também mais horas de ensino não significam melhores resultados dos alunos. Os portugueses são dos que, em média, mais horas trabalham em toda a OCDE: 8, 7 horas diárias. E nem por isso os índices da nossa produtividade são coisa que se recomende. Porque os portugueses trabalham mal? Sim, mas não por sua culpa, como se constata quando estão integrados noutras lógicas organizacionais do mundo empresarial de outros países. Aí a sua capacidade de produzir riqueza aumenta exponencialmente. Logo, o problema não reside no número de horas de trabalho, mas na capacidade de organização das empresas (que, em Portugal, é quase sempre abaixo de cão, pese embora a “genialidade” super-remunerada dos nossos gestores).
Não sendo nós cultores de paralelismos entre escolas e empresas, não podemos deixar de frisar o óbvio desta comparação: da mesma forma que um trabalhador não precisa de muitas horas de trabalho para ser produtivo, os alunos não precisam de mais horas a Português e a Matemática para evoluírem nessas disciplinas. Precisam, isso sim, é de melhor organização do ensino, de menos experimentalismos espúrios, de menos “planos nacionais” para pacóvio aplaudir, de maior rigor na transmissão dos saberes e, sobretudo, de um investimento muito mais intenso nas aprendizagens ao nível dos primeiros ciclos do ensino básico, os tais onde as bases têm de ser edificadas.
É estranho que Nuno Crato pareça não perceber isto.
O lugar da resistência
Quando falamos de resistência ao ataque contra os nossos direitos de trabalhadores, de profissionais do ensino, de docentes, não estamos a falar em abstracto. Pois sentimos e sabemos que a resistência tem de ser feita no espaço mais imediato onde esses direitos são espezinhados: o local de trabalho. No nosso caso, a escola.
Ora, importa perceber o que o programa do governo tenciona fazer desse lugar em que nos situamos, quotidianamente, como professores. Importa compreender o que vai acontecer – o que já está a acontecer – ao nosso local de trabalho.
Mesmo temporiariamente suspenso, o processo nacional de fusão de escolas em mega-agrupamentos irá prosseguir.
Irá prosseguir contra a estabilidade do nosso emprego, a favor de maior precarização e da exclusão, como “recursos humanos” descartáveis, de todos aqueles que a agregação das escolas tornar “dispensáveis”.
Irá prosseguir contra o desenvolvimento equilibrado das diferentes regiões do país, a favor da desertificação ainda maior de um interior já esvaziado e empobrecido.
Irá prosseguir contra uma administração colegial e sensata dos problemas e dos desafios diários das escolas, a favor do reforço dos poderes despóticos de directores confrontados com o impossível e o irracional: gerir espaços educativos sobredimensionados, incorporando vários estabelecimentos de ensino sob uma mesma chefia.
Mas a criação alastrada dos mega-agrupamentos irá, sobretudo, traduzir-se em pior Escola Pública. Uma Escola feita de escolas cada vez mais semelhantes a gigantescas “unidades de produção”, onde crianças e jovens de faixas etárias demasiado díspares se acotovelam em espaços massificados, com turmas de tal forma grandes que, nelas, qualquer veleidade de acompanhamento individualizado dos alunos não passará de miragem. Uma Escola onde professores proletarizados enfrentarão sobrecargas de trabalho, com toda a sorte de incumbências adicionais engordando a componente “não lectiva”. Uma Escola onde professores stressados e deprimidos tenderão a perder, cada vez mais, o gosto de ensinar no meio de fichas e grelhas e testes para avaliar e trabalhos de casa para corrigir, em quantidades multiplicadas por turmas de dimensão insustentável.
Esse vai ser o contexto, bem rente ao dia-a-dia de quem vai ser obrigado a habitar o inabitável.
É aqui, sem rede e sem apoio, que os professores terão de responder aos abusos do Ministério e dos directores e à violentação da sua dignidade profissional. Uma violentação imposta por condições de trabalho insuportáveis. Que já o são hoje e que só podem piorar amanhã.
Exageramos? Tentem então, se não forem professores, acompanhar a semana de trabalho de alguém que dê o litro numa escola. Façam-no hoje e façam-no amanhã.
Verão a genica de que muitos professores são feitos, apesar de tanto e de tudo.
Verão como a sua dedicação, no entanto, se está a escoar na areia da mediocridade do sistema.
Verão como, apesar de tanto e de tudo, ainda são eles que sustentam a casa da Escola Pública, contra tanto e contra tudo.
Para que haja bom senso na avaliação do desempenho
Pois é. O tema da avaliação dos professores é mesmo incontornável. E percebe-se porquê. Nesta altura do campeonato, todos os professores estão a sofrer (enfim, alguns julgam que estão a gozar…) as consequências do modelo em vigor de avaliação do desempenho.
Todos os dias o Paulo Guinote tem publicado no seu blogue exemplos da mais desbragada patologia que campeia por aí em matéria de avaliação dos docentes. Muitos desses exemplos não se devem, directamente, ao Ministério, mas ao “zelo” de professores que, nas mais diferentes escolas, se viram “promovidos” para a posição de “peritos” em avaliar colegas. O que só diz da barrela profunda que, no futuro, terá de ser feita em muitos cérebros com responsabilidade na orientação das escolas. E ainda há quem pense que o “eduquês” ou o “pedagogês” não são vírus letais!
Seja como for, e porque recordar é viver, voltamos a publicar aqui algumas premissas que – desgraçadamente para nós – não perderam actualidade. Pelo contrário, elas voltam a ter uma tremenda pertinência. Podem encontrá-las aqui. Mas, para facilitar, aqui vão elas:
1 – A avaliação do desempenho docente tem de ser expurgada, como tantos outros aspectos do sistema educativo em Portugal, da substância e dos efeitos da ideologia pedagógica posta a circular pelos “especialistas” que têm dominado o Ministério da Educação.
Tal ideologia pretende impor um formato único de professor, pelo qual todos os profissionais do ensino teriam de planificar ao milímetro cada uma das suas aulas, utilizar metodologias «diversificadas» – apenas porque sim – e usar «recursos inovadores» como as «tecnologias de informação e de comunicação», ainda que nem sempre representem uma clara mais-valia acrescentada à leccionação ou à especificidade dos conteúdos lectivos.
Na verdade, a pulsão uniformizadora subjacente a estas concepções mostra-se totalmente incapaz de lidar com a pluralidade do trabalho docente e com o facto de o melhor desse trabalho decorrer, muitas vezes, da abertura à surpresa, do desvio à fórmula, da transgressão do plano. Professores haverá que necessitam de planificar as aulas ao pormenor, e outros que atingem excelentes resultados com base na improvisação (ainda que sujeita a planificações gerais de grupo disciplinar), e na capacidade de inscrever o imprevisto na sua prática lectiva; há professores que recorrem a novas tecnologias e conseguem, com isso, aulas bastante dinâmicas e interactivas, mas existem também docentes que galvanizam os alunos com aulas ocupadas pela análise de textos e até mesmo pela mera exposição oral. Se as formas são importantes, os conteúdos são fundamentais. Acontece que o modelo dominante, mercê da influência de uma ideologia pedagógica que aposta tudo nas metodologias lúdicas, tem sacrificado sistematicamente os conteúdos às formas. Mas tudo isto são evidências que nenhum “cientista” da educação com alma de burocrata, convicto de que as suas “grelhas” captam a intangibilidade da paixão de ensinar, conseguirá alguma vez entender.
(…) No caso dos professores, o âmbito da avaliação excede largamente a simples competência científica, pois o que se está a avaliar é, acima de tudo, a capacidade de
transformar essa competência em conteúdo mobilizável e de encontrar a forma mais adequada de o tornar claro e significativo, para grupos de alunos diversificados em função da idade, dos percursos de aprendizagens e de experiências culturais multifacetadas. E é o facto de as boas práticas de ensino serem de uma enorme diversidade que torna a pedagogia não uma ciência exacta, mas uma arte feita de aproximações, de ensaios e erros, impossível de codificar num receituário supostamente objectivável.
2 – Uma avaliação do trabalho dos professores digna desse nome não pode fragmentar a actividade docente em actos parcelares e atomizados, nem pode esperar que o avaliador consiga encontrar “provas empíricas” isoladas para dimensões tão complexas como a «concessão de iguais oportunidades de participação, promoção da integração dos alunos e da adopção de regras de convivência, colaboração e respeito», como constava de uma das grelhas de avaliação produzidas no âmbito da aplicação do modelo de avaliação de desempenho preconizado pelo ME. No trabalho de um docente, o todo é sempre maior do que a soma das partes. Ora, a burocratização da avaliação do desempenho não significa apenas a produção de um excesso de fichas e de grelhas de registo, mas representa, sobretudo, o domínio de uma atitude reducionista e quantitativista, segundo a qual é possível reduzir um processo complexo e plural como o ensino a uma listagem de comportamentos fragmentados e supostamente mensuráveis. Entendemos que esta perspectiva, alheia à natureza qualitativa do trabalho docente, não está em condições de contribuir para a sua valorização ou de identificar o seu mérito.
3 – A avaliação do desempenho docente não pode estar sujeita ao modelo da “performance” empresarial.
O formato quantitativista que criticámos no ponto anterior resulta, em grande medida, do cruzamento entre as ideologias pedagógicas que imperam no Ministério da Educação e o modelo da avaliação «por objectivos» concebida por teóricos da gestão empresarial. Como é sabido, esse modelo pretende avaliar o desempenho de um trabalhador em função de objectivos previamente fixados e com tradução quantitativa, convertendo os professores em fabricantes de “sucesso” escolar e as escolas em linhas de montagem “educativa”.
4 – A avaliação do desempenho docente não deve basear-se, exclusivamente, na avaliação entre pares.
Ao invés dos que pensam que só a avaliação entre pares assegura o rigor do processo avaliativo, e que aquela constitui, em si mesma, uma situação pacífica, consideramos que a relação entre avaliadores e avaliados, num processo como este, suscita dificuldades estruturais que deveriam aconselhar a maior prudência. Antes de mais, convém lembrar que toda a relação avaliativa orientada para a diferenciação e seriação dos avaliados é uma relação de poder, assentando numa hierarquia passível de ser legitimada. Sucede que, no caso da avaliação entre professores, uma tal relação está, por natureza, fragilizada na medida em que é eminentemente contestável. De facto, os professores obtiveram a sua formação científica e pedagógica para avaliar alunos com os quais mantêm uma relação que é, para todos os efeitos, essencialmente assimétrica: pressupõe-se que os alunos não dispõem do capital de conhecimentos e de competências que os seus avaliadores possuem, e é nessa distância ou nesse desnível que se joga a sua avaliação. Mais: essa assimetria é a condição mesma para que uma avaliação, nos termos acima referidos, possa decorrer.
Ora, uma avaliação dos professores que não seja meramente formativa irá dar-se numa situação relacional diametralmente oposta: os professores estarão a avaliar os seus pares, com os quais se supõe manterem uma relação de simetria em matéria de competências científicas e pedagógicas. A delicadeza desta simples situação é de molde a criar os maiores problemas, pois ela põe em causa a própria autoridade do avaliador face ao avaliado. A isto acrescem as dificuldades próprias do contexto relacional intrínseco aos diferentes grupos disciplinares. Avaliadores e avaliados, muitos deles com um historial de convivência já longo, estão ligados por relações afectivas que podem ser de amizade, de cumplicidade, mas também de rivalidade, de tensão e de conflito, se não mesmo de hostilidade. Afigura-se como praticamente impossível que estas modalidades de relacionamento não venham a produzir ruídos e
interferências mais ou menos incontroláveis, abrindo a velha e incontornável questão da subjectividade na avaliação.
5 – A avaliação do desempenho deve abandonar toda a pretensão de encontrar critérios universais para definir, de uma vez por todas, o que um professor deve ser, pois é certamente muito mais viável reunir consenso sobre o que um professor não deve ser:
- Um professor não deve cometer erros científicos graves e, ao mesmo tempo, mostrar uma relutância persistente em corrigi-los.
- Um professor não deve pautar a sua actuação na sala de aula por uma sistemática dificuldade de relacionamento com os alunos, quer por total incapacidade para impor a disciplina, quer por autoritarismo desproporcionado ou ineficaz.
- Um professor não deve desrespeitar reiteradamente as planificações e os critérios de avaliação acordados no interior dos grupos de docência.
- Um professor não deve assumir, para com os seus alunos, comportamentos inequívoca e comprovadamente discriminatórios ou injustos.
- Um professor não deve exibir um desleixo recorrente no cumprimento das tarefas associadas ao serviço que lhe é distribuído.