Políticas e ideologias da Educação
Desde que Nuno Crato foi nomeado ministro da Educação, uma boa parte da “blogosfera docente” tem-se dedicado à tarefa de definir a essência do «eduquês», o seu conteúdo semântico, a génese do conceito e a sua evolução, etc.
Confessamos que é um exercício que nos parece relativamente desinteressante.
Muito mais relevante nos parece discutir os principais problemas do sistema educativo em Portugal, no tocante ao ensino propriamente dito, e as possíveis saída para eles.
Dizê-lo, contudo, é muito mais fácil do que fazê-lo. Pois, em Portugal, o terreno da Educação tem sido profundamente cavado, disputado e contestado por correntes ideológicas opostas, cuja clivagem – à mistura com muita histeria – tem gerado sucessivas vagas de “diálogo” de surdos.
O terreno da Educação não é, de facto, politicamente neutro. O pior, aliás, que poderia acontecer seria imaginarmos que os problemas do ensino – cujo diagnóstico releva, desde logo, de uma dada poisção política – são solúveis numa qualquer engenharia científica ou técnica. Aqui (como em tudo?) não há “solução técnica” que não seja, também, opção política e ideológica.
Esquematizando bastante, diríamos então que, em Portugal (e não só), há duas grandes concepções político-ideológicas da Escola e do Ensino em confronto:
– Uma que aposta numa Escola e num sistema de ensino orientados para a valorização do mérito, do rigor e do esforço como requisitos para o sucesso escolar efectivo, aceitando que, mesmo numa situação ideal em que todos os alunos tivessem iguais condições de partida, os seus resultados escolares seriam sempre diferenciados (dada a desigualdade natural das capacidades individuais).
– Outra que aposta numa Escola e num sistema de ensino dedicados à promoção da integração e da igualdade social, considerando que nenhum aluno pode ser penalizado com base nos resultados escolares, já que essa penalização se traduz, invariavelmente, por desigualdade e exclusão social, no que a Escola se limita a reproduzir as assimetrias sociais decorrentes de uma distribuição desigual de rendimentos, de capital cultural, etc.
Costuma-se classificar, apressadamente, a primeira posição como sendo “de direita” e a segunda “de esquerda”. Sucede, porém, que as coisas não são assim tão simples e lineares. Uma rápida visita pela supracitada blogosfera mostra, por exemplo, que num blogue radicalmente de esquerda como o «Cinco Dias» se pode encontrar quem se identifique com a primeira das posições acima referidas. E se é verdade que a segunda concepção de Escola e de ensino nunca prevaleceu por inteiro nas políticas educativas em Portugal, muita da pressão para o aligeirar dos conteúdos e da exigência – como suposta forma de garantir o «sucesso escolar para todos» – partiu de equipas ministeriais de anteriores governos do PSD – um partido que, convém não esquecê-lo, dominou por muitos anos os corredores da 5 de Outubro.
A verdade é que, no nosso país, tanto a primeira como a segunda concepção têm sido transversais aos vários partidos políticos, e há mesmo quem pense que a segunda, aparentemente “de esquerda”, acaba por conduzir a resultados “de direita”, visto que ilude os alunos provenientes das classes desfavorecidas com a ideia de que, independentemente dos resultados que obtenham na escola, terão sempre “sucesso escolar”, deixando-os assim sem meios para verdadeiramente se emanciparem do seu lugar social de partida – algo que a direita pura e dura certamente aprecia.
Sem querermos arrogar-nos uma qualquer neutralidade “superior” neste debate, acreditamos, contudo, que é talvez chegado o momento para começarmos a pensar as pontes possíveis entre as duas concepções, considerando que versões não extremadas de ambas têm muito de identicamente razoável e pertinente.
Assim, consideramos fundamental promover, nas escolas, uma cultura do mérito no ensino e na aprendizagem, do rigor e da exigência na transmissão e na aquisição dos conhecimentos, bem como na avaliação dos mesmos. Mas também achamos que, num sistema que democratizou (e bem) o acesso ao ensino, têm de ser criadas condições para que alunos de meios sociais altamente desfavorecidos não sejam simplesmente “deixados para trás”, triturados e cuspidos em nome da “meritocracia”.
Há aqui uma quatratura do círculo que não é nada fácil de conseguir. Mas é talvez ela que importa, hoje, discutir – em lugar de perdermos tempo à procura da essência do “eduquês” ou do “anti-eduquês”.
em 03/07/2011 em 21:31
A segunda posição não se revê na expressão ‘sistema de ensino’, preferindo-lhe ‘sistema educativo’. E é pena, porque é justamente no conceito de ensino que se encontra a chave para a quadratura do círculo proposta no artigo. Naturalmente e por inerência, o acto de ensinar remete simultaneamente para a exigência e rigor e para a mobilidade social ascendente.
em 05/07/2011 em 12:03
Importa tb deixar claro que uma política de rigor e de exigência é naturalmente inimiga do facilitismo e do laissez faire. São duas realidades que se excluem mútuamente. Ambas não são possíveis. Logo, a necessidade de saber optar. Escolhas destas são necessáriamente políticas, como política é a colocação no terreno dos meios indispensáveis de apoio aos alunos com mais dificuldades de molde a solucionar a tal quadratura do círculo. Nenhum país, nenhum sistema atingiu níveis aceitáveis de desenvolvimento sem respostas adequadas e consistentes a estas questões. E a seguir vem o problema da investigação em educação. As poucas incursões portuguesas neste campo são demasiado pontuais, limitadas e descontínuas para que haja políticas realmente fundamentadas, criteriosas e mínimamente apoiadas científicamente. Daí o recurso frequente à importação de modas estrangeiras, descobertas pelos intelectuais de serviço da 5 de Outubro como forma de mostrar o tal serviço, ainda que muitas tenham já o sabor requentado e passado à história nos países que as experimentaram e já as reviram, como é o caso dos mega-agrupamentos, um exemplo apenas , entre muitos. Discussão e investigação precisam-se com urgência urgentíssima!!!