Temos mesmo de falar disto? (Parte 1)
A pedido de muitas famílias e dos nossos milhares de admiradores, cá vamos proceder ao supremo frete de comentar o último modelo (ainda proposta) de ADD perpetrado pelo Ministério.
Primeira constatação global: o modelo agora apresentado é, no essencial, mais do mesmo. «Simplex 3», como vários lhe andam a chamar, e com toda a razão.
Na verdade, mantém-se tudo o que se relaciona com o preenchimento de papeladas parvas e escusadas (mesmo que, nalguns casos, alegadamente confinadas a poucas páginas), como o «Projecto docente» ou o «relatório de auto-avaliação» – sendo o conceito de auto-avaliação uma das cretinices mais irritantes que medraram na pedagogice dominante para nela depositarem os seus ovos asininos. A isto se junta, claro está, o inevitável cortejo de documentos «de registo». Com a agravante de que, agora, cada Conselho Pedagógico de cada escola poderá aprovar o que lhe der na alma. E como nós sabemos a quantidade de imbecilidade “pedagógica” que habita as almas de muitos dos rabinhos sentados nesses Conselhos, é certa e garantida a “criatividade” que fará proliferar tais documentos.
Mas vejamos a “coisa” mais de perto.
Dimensões da avaliação (artigo 4.º): «a) Científica e pedagógica; b) Participação na escola e relação com a comunidade; c) Formação contínua e desenvolvimento profissional». Alguém consegue lobrigar aqui alguma diferença em relação ao modelo em vigor? Atente-se no conteúdo da alínea b. Não basta avaliar o professor naquilo que deveria ser considerado o cerne da sua actividade: o conhecimento científico e a capacidade de o transmitir. Não, mil vezes não! Também é preciso que o professor seja um palhaço-para-todo-o-serviço, sempre disponível para os mais diversos e ocos floreados em que invariavelmente se traduz a «participação na escola» e a «relação com a comunidade»! Escolas há cujos conselhos pedagógicos entenderam incluir, nas metas e objectivos, que os professores andassem a fazer publicidade da escola junto da «comunidade»! E ai de quem não cumprisse tão imperioso objectivo!
E, por falar em «metas e objectivos», vejamos o artigo 6.º da proposta de “nova” ADD, aquele que determina os «elementos de referência da avaliação». São três.
O primeiro compreende os «objectivos e metas [cá está!] fixadas no projecto educativo do agrupamento de escolas ou da escola não agrupada». Pelo exemplo acima referido, a que se poderia juntar um oceano de inanidades, está-se mesmo a ver todo o género de grandiosos propósitos que as escolas, com os seus esclarecidos Conselhos Pedagógicos, irão arvorar. Impacto sobre a qualidade do ensino? Nulo. Horas infernais de chatice para os professores? Garantidas.
É claro que este primeiro «elemento de referência» para a ADD tem de arrastar consigo um outro, o segundo: «os parâmetros estabelecidos para cada uma das dimensões aprovados pelo Conselho Pedagógico». É aqui que se irá manifestar toda a criatividade “eduquesa” a que nos referimos atrás. É que há pessoas, com assento nos Conselhos Pedagógicos, para as quais inventar «parâmetros» é o equivalente a uma refeição no Tours d’Argent ou, quem sabe, a uma noite passada na companhia de Beyoncé ou de George Clooney (conforme os gostos)…
Como se tanto «objectivo», «meta» e «parâmetro» não bastasse, eis que o artigo 6.º ainda vem acrescentar um terceiro «elemento de referência»: «os parâmetros estabelecidos a nível nacional para a avaliação externa por órgão a designar». Não fazemos a mínima ideia que órgão será esse, quem o irá compor, com que critérios essa composição será decidida, etc. etc. Mas podemos apostar em como os ditos «parâmetros» sairão de cabecinhas formatadas pela pedagogice da Bosta de Boston.
Para quem, como Nuno Crato, se afirmou como paladino da luta contra o domínio do «eduquês» no sistema de ensino, não há dúvida de que pode limpar as mãos a este «Projecto de Avaliação do Desempenho Docente»…