Madeira jardinista, nosso espelho
Nestes dias que correm, é difícil dizer alguma coisa original sobre a Madeira e Alberto João Jardim. Mas, como nos fica mal passar o assunto em silêncio, aqui vai.
Sabemos bem como aqui, no “contenente”, existe a tendência comum de olhar para a Madeira com desprezo e para Alberto João Jardim como uma aberração que, sendo patológica, é também exclusiva das insularidades. E nada haveria de surpreendente se, na hipótese longínqua de um referendo sobre a independência (forçada) da Madeira, o «sim» obtivesse, no Portugal continental, uma ampla maioria de votos.
Devemos, contudo, fazer um acto de contrição e humildade sempre que nos inclinamos para ver o madeirismo jardinista como um abcesso insular distante e estranho à restante realidade portuguesa.
É que há boas razões para pensarmos que o madeirismo está muito mais presente entre nós do que gostaríamos de imaginar. Mesmo que sob a forma de caricatura. Digamos que Alberto João Jardim é assim uma espécie de imagem de nós mesmos naquele género de espelhos que dantes existiam nas feiras populares: o facto de a imagem parecer deformada, nem por isso deixa de reflectir o nosso corpo.
O madeirismo jardinista contém, de facto, muitas tradições nacionais:
– O baixíssimo nível de exigência das populações relativamente ao respeito pelas mais elementares regras democráticas (quando não simplesmente por regras de decência e de boa educação);
– A complacência, a cumplicidade e a venalidade perante o atropelo da lei, o tráfico de influências, a corrupção (económica mas também moral) praticados por políticos poderosos, sempre que estes sabem comprar o silêncio e anestesiar as consciências através da distribuição de prebendas e da apresentação de “obra feita” – sobretudo quando esta se orienta para encher o olho.
– A completa impunidade dos poderosos face ao referido atropelo da lei, num país em que esta é, invariavelmente, letra morta quando se trata de beliscar interesses instalados e fortemente protegidos.
A combinação destes três factores explica por que motivo, desde que há eleições na Madeira, Alberto João Jardim tem vindo a coleccionar maiorias absolutas. E explica também o fenómeno, surreal apenas na aparência, de vermos todos os primeiros-ministros e todos os Presidentes da República de Portugal a curvarem a cerviz e a tratarem João Jardim com pinças, algodão e rama. Parece que José Sócrates lhe franziu um bocadinho o sobrolho, mais por força das circunstâncias do que por vontade própria (vale a pena, por isso, recordar estes encontros). O que não impediu o bonzo de gastar à tripa-forra o dinheiro dos nossos impostos, de o ocultar e de ainda vir gabar-se por isso.
Não nos apressemos, porém, a rejeitá-lo como quem sacode a caspa dos ombros. Há muitos Albertos Joões Jardins por esse país fora, chamem-se eles Ferreira Torres, Valentim Loureiro – estes dois quase tão coloridos como o colega madeirense -, Fátima Felgueiras ou Isaltino Morais. E muitos mais haverá no futuro.
Se, entretanto, pensarem que os supracitados são estranhezas meramente regionais, pensem também nos políticos do centrão em que o povinho tem vindo a votar recorrentemente. Pensem (isto é só um exemplo) no Sócrates dos casos por explicar, da licenciatura por fax e dos projectos de “vivendas”-que-assinou-mas-não-podia-assinar, e que, mesmo assim, arrebanhou uma segunda vitória eleitoral.
Portanto, não desviem a cara com repugnância. Olhem bem para o Alberto João Jardim. A nossa realidade está lá chapadinha. É feio, é grotesco, é português:
Para posições similares à que aqui defendemos, pode-se ler, com proveito, este texto e este.