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Manifesto Para Uma Luta Necessária

Posted in Acções de Luta,APEDE por APEDE em 27/01/2013

Em 2008, os professores dos ensinos básico e secundário souberam organizar-se na luta pelos seus direitos profissionais e pela defesa da Escola Pública, lançando um movimento reivindicativo sem precedentes em Portugal. De norte a sul do país formaram-se grupos e movimentos independentes de professores, à margem dos sindicatos, fizeram-se centenas de assembleias em escolas, realizaram-se diversos encontros à escala nacional e, quando as direcções sindicais finalmente acordaram para o fenómeno que estava a ocorrer, duas manifestações em Lisboa juntaram a maior concentração de uma só classe profissional que alguma vez se verificou neste país. Uma terceira manifestação, que congregou mais de 2 mil pessoas, foi promovida por movimentos independentes, sem quaisquer apoios logísticos e lançada na base dos contactos em correio electrónico, antecipando assim o que vieram a ser, mais tarde, as grandes manifestações convocadas nas redes sociais.

Os professores estiveram então no centro da atenção mediática e, por algum tempo, fizeram tremer o ministério de Maria de Lurdes Rodrigues e o governo de Sócrates. Nessa altura, o motivo de uma tão grande mobilização era um modelo de avaliação do desempenho absurdo, burocrático e gerador de desigualdades espúrias, a par de uma estrutura da carreira docente que criava divisões ilegítimas e despropositadas entre docentes. Ao lutarem contra estes ataques à sua profissão, os professores batiam-se também pela qualidade do ensino, que viam ameaçada por decisões políticas que degradavam a qualidade das suas condições de trabalho.

Sabemos bem o que sucedeu a seguir. As direcções sindicais, inicialmente aturdidas por uma movimentação que lhes escapava, conseguiram retomar o controlo das iniciativas, procederam a uma desmobilização maciça nas escolas e encetaram um processo negocial com o Ministério da Educação cujo resultado defraudou a maior parte das expectativas dos docentes. De então para cá, a classe dos professores foi somando derrotas atrás de derrotas. Com a ascensão ao poder do governo da dupla Gaspar/Coelho, a imposição mais agressiva do austeritarismo como política, iniciada pelo PS de José Socrates, tem tomado as funções sociais como alvo a abater e tem-se concentrado, em especial, no desmantelamento da Escola Pública e do que ainda resta de um ensino pautado pelos princípios da integração social e do acesso democrático ao conhecimento e à qualificação dos portugueses.

O programa governamental de destruição da Escola Pública assenta na deterioração dos direitos laborais dos professores, na sua máxima precarização, na eliminação planeada de postos de trabalho, objectivos que foram recentemente alcançados com a reorganização curricular e com uma nova metodologia para o cálculo das horas de trabalho. Porém, não contente com isso, a clique que nos desgoverna, a mando de uma “troika” que ninguém elegeu e à qual o governo tem alienado toda a soberania nacional, prepara-se para aumentar a carga lectiva dos professores. Passar de 35 para 40 horas semanais é agora o novo método concebido para lançar no desemprego cerca de 50 mil docentes – a grande finalidade que este governo afixou para a política de ensino em Portugal.

50 mil professores desempregados constitui, desde logo, um drama profundo para profissionais que dedicaram já muitos anos da sua vida a um trabalho que qualquer nação civilizada saberia valorizar e acarinhar. Muitos desses professores tornar-se-ão desempregados de longa duração e terão grande dificuldade em encontrar empregos compatíveis com as suas elevadas qualificações. Mas a essa tragédia pessoal somar-se-á a catástrofe para o sistema educativo português: os docentes que se mantiverem no activo verão as suas condições de trabalho degradar-se a um ponto que pareceria impensável. Ficarão com turmas sobrecarregadas, sem possibilidade de qualquer acompanhamento individualizado dos alunos, e com um horário laboral absolutamente esgotante numa profissão que, por si mesma, já coloca sobre os professores uma enormíssima pressão e um considerável desgaste físico e psíquico.

O governo e os serventuários que fazem a sua propaganda nos órgãos de comunicação pretendem justificar esta medida com o argumento de que 40 horas semanais é já o horário normal do sector privado. A isto respondemos: para além de este ser um discurso sempre apostado em nivelar por baixo os direitos e as condições laborais, ele revela também uma imensa ignorância e insensibilidade em relação às exigências específicas do acto de ensinar, as quais requerem tempo necessário à preparação das aulas, à transmissão do saber, à avaliação dos alunos e à energia anímica que tudo isso implica. Uma carga lectiva de 40 horas semanais tornará impossível o cumprimento desses requisitos com um mínimo de qualidade. Portanto, não serão só os professores que ficarão a perder: serão também os alunos, os encarregados de educação e a sociedade no seu todo. A semana de 40 horas, a concretizar-se, vai ser a medida que faltava para a destruição definitiva e irreversível da Escola Pública de qualidade. No seu lugar restará apenas uma ruína insustentável e grotesca.

Por isso, dizemos: é tempo de os professores regressarem à mobilização colectiva, é tempo de superarem os medos e a resignação, de recusarem os argumentos falaciosos da austeridade inevitável e da precariedade como destino colectivo, de saírem do buraco onde uma governação miserável os quer meter, de ultrapassarem divisionismos e calculismos individuais, de abandonarem a táctica do “salve-se quem puder” e a ilusão de que “o mal só acontece ao colega do lado”, “ao que está no último lugar da lista graduada”. A sanha sociopática dos governantes actuais vai afectar todos e ninguém estará seguro perante gente tão empenhada em demolir o Estado Social e em construir um Estado mínimo para quem trabalha e máximo para quem vive de mordomias e de negócios protegidos. Chegou o tempo de os professores lutarem, novamente, pela sua dignidade, por um sistema de ensino decente e pelo futuro do país.

Assim, apelamos a que os professores se organizem de modo a efectuar assembleias de escola onde possam debater a situação actual, o futuro da sua profissão e da Escola Pública em Portugal, e as formas de luta a travar contra a semana das 40 horas.

Apelamos a que os professores, nos Conselhos Gerais e em contactos directos com as associações de pais, se juntem aos encarregados de educação e a outros sectores locais com representação nas escolas, de modo a criar uma mobilização conjunta, transversal à sociedade portuguesa, no combate contra o aumento da carga lectiva e de todas as demais formas de destruir o ofício de professor.

Apelamos a que os professores pressionem, das mais diferentes maneiras, as direcções regionais e nacionais dos sindicatos para que formas de luta eficazes possam ser concretizadas nos locais de trabalho. Os sindicatos têm apostado tudo nos protestos de rua, desinvestindo totalmente no combate desenvolvido dentro dos espaços laborais. Está mais do que demonstrado que essa estratégia redunda em derrotas sucessivas para os trabalhadores. O tempo é de lutar onde dói mais ao governo e aos beneficiários das políticas austeritárias. A multiplicação de greves regionais, sectoriais e nacionais, articuladas num programa continuado e coerente de luta, a multiplicação de modalidades de desobediência civil no interior das escolas sempre que estiver em causa decisões arbitrárias e injustas, são recursos que os professores têm ao alcance da mão, mas que só podem ser utilizados se as direcções sindicais, por uma vez na vida, estiverem à altura de quem dizem representar.

Desde o 25 de Abril que a sociedade portuguesa não enfrenta uma hora tão grave como esta. Um dia a memória futura chamará à responsabilidade quem podia ter agido e, em lugar da acção, optou pela inércia e pelo silêncio. Este é o momento de cada professor português responder a essa responsabilidade.

 Mário Machaqueiro


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