A acompanhar com muita atenção (“post” assumidamente corporativo)
Se o que esta notícia indica tiver, de facto, consequências, isso significa que, afinal, o artigo 10.º da Lei n.º 12-A/2008, que excluía implicitamente os professores do conceito de «nomeação definitiva», passa a admitir excepções para «carreiras especiais» como a dos professores.
Nesse caso, a redefinição dos termos dos contratos dos docentes consagrada em todas as escolas – isto é, a passagem das nomeações definitivas para contratos por tempo indeterminado – tem de ser revogada para se restabelecer a situação inicial.
Estamos a ver bem ou mal este filme?
E, já agora, há alguma lei que defina excepções para «carreiras especiais» para lá das que são explicitadas no artigo que citámos acima? É que não nos parece que a referida Lei n.º 12-A/2008 abra a porta para semelhante coisa.
Quer-nos parecer que, nesta história toda, há algo que anda a ser mal contado…
Revisão da Estrutura Curricular: gato escondido com rabo de fora
Foi ontem apresentada, publicamente, e profusamente divulgada pela comunicação social, mais “uma etapa” do processo tendente à poupança de largas centenas de milhões de euros à custa das condições laborais e da estabilidade profissional de largos milhares de docentes. Não adianta sequer avançar aqui com a demonstração de tal facto, bastando para tal a consulta aos quadros com as cargas horárias totais, nos diversos ciclos de ensino, constante no documento de Revisão da Estrutura Curricular. Para além das reduções de carga horária que irão sofrer estas ou aquelas disciplinas, da eliminação disto ou daquilo e do sentido e coerência destas “reformas”, situações já largamente debatidas na blogosfera, importa sublinhar dois aspetos preocupantes e desconstruir o mito do reforço da carga horária da disciplina de História, no 3º ciclo. Vejamos:
– A simples eliminação da Formação Cívica, vai certamente contribuir para a redução global de horários letivos (numa escola de 2º e 3º ciclo poderá significar um corte de 2 horários completos, ou próximo disso) e obrigar a horários com maior número de turmas, a par das nefastas consequências daí decorrentes. Por outro lado, não se percebe bem em que momento e circunstâncias os diretores de turma irão poder tratar das questões disciplinares e burocráticas com os seus alunos. Finalmente, mas não menos importante, importa saber como e de que forma os Conselhos de Turma irão conseguir desenvolver, de forma transversal, as atividades que visam a formação integral do aluno e a prática de uma cidadania ativa, informada e responsável.
– Facto da maior gravidade e a obrigar a uma grande atenção por quem de direito (leia-se, sindicatos… completamente cilindrados e mesmo ignorados neste processo): para além de tudo o que ficou referido no ponto 1, a eliminação da Formação Cívica pode muito bem abrir o caminho para a passagem das 2 horas de reduçao da direção de turma, da componente letiva para a não letiva. Sobre isto Nuno Crato nada disse. O silêncio é de ouro para o MEC… mas seria bom que não se esperasse pelo documento de lançamento do ano letivo 2012-13 com o facto eventualmente consumado.
– Ao contrário do que a comunicação social apressadamente veiculou, e que o próprio Nuno Crato se encarregou de reforçar no “Prós e Contras”, de ontem à noite, é falso que esta Revisão Curricular, tenha vindo reforçar a carga horária da disciplina de História, no 3º ciclo. O que agora se anuncia não é propriamente um reforço, mas sim uma simples reposição do meio bloco letivo que a esmagadora maioria das escolas já atribuía à disciplina de História, na gestão dos tempos a atribuir pela escola, tempos esses que, este ano letivo, foram suprimidos. Ainda assim, a História continuará a ser uma disciplina sacrificada e depauperada na sua carga horária. Basta recordar que, no passado, e sem alteração dos programas, a História, no 3º ciclo, dispunha de 400 minutos (3+3+2 tempos de 50 minutos) e para o próximo ano letivo (já incorporando este meio bloco agora reposto), na maioria das escolas, passará a ter 360 minutos (1+1,5+1,5 blocos de 90 minutos) se se mantiver a paridade da distribuição de tempos com a Geografia. E esta é, precisamente, outra questão lamentável que o MEC continua a não querer assumir e resolver: a divisão dos tempos letivos entre a História e a Geografia tem provocado conflitos e decisões opostas, de escola para escola, sendo que nuns casos se respeita a paridade e noutros, tanto quanto sabemos, a História tem tido maior carga letiva. Como ficarão as coisas agora? E o MEC o que tem a dizer sobre isto? Ahhh já se sabe: autonomia. Que pena que não dê também autonomia para que as escolas possam decidir qual o modelo de gestão que preferem.
P.S. – O pior ainda poderá estar para vir. Mas não vamos falar aqui do artigo 79 do ECD…
Adenda: Importa aqui agradecer o contributo do António Duarte (na caixa de comentários) que recordou que a História teve um período intercalar em que dispôs de 3+3+3 tempos de 50 minutos (até 2003, altura da introdução das aulas de 90m), o que perfazia um total de 450 minutos face aos 360 que se anunciam para 2012-13. Se dúvidas restassem… aqui está a demonstração cabal da significativa perda de tempo letivo que a História sofreu nos últimos anos.
Para greves que causem mossa
Agora que se cumpriu mais uma greve anual, vivida por alguns como se fosse o acontecimento revolucionário das suas vidas, vale a pena pensar um bocadinho no que podem ser greves a que valha realmente a pena aderir – sobretudo num momento como o que estamos a atravessar.
Comecemos por recordar o que é, de facto, uma greve. Ela não é, no essencial, uma forma de protesto. É, isso sim, um instrumento de pressão reivindicativa que consiste em suspender, por tempo indeterminado, a actividade laboral até que o patronato ou uma autoridade política (um governo) cedam a uma de duas exigências: encetar um processo de negociação com os trabalhadores em torno de um caderno reivindicativo ou aceitar, desde logo, as reivindicações que motivaram a greve. No seu sentido histórico original, greve é isto.
Reconhecemos, no entanto, que hoje em dia é extremamente difícil, se não impossível, mobilizar os trabalhadores para greves como as que acabámos de definir. Se, no passado, o movimento operário conseguiu aderir a este tipo de forma de luta, tal explica-se pela conjugação do desespero extremo com a noção de que quase nada havia a perder. Em contrapartida, a ascensão social dos trabalhadores, e a completa transformação dos espaços laborais e da própria natureza do trabalho, levaram a que agora as pessoas sintam que há muito a perder em greves que impliquem uma hemorragia salarial prolongada. Iludir isso seria desvincularmo-nos da realidade.
No entanto, entre greves de um dia, realizadas uma vez por ano sem quaisquer efeitos duradouros, e greves por tempo indeterminado há todo um espectro de géneros de greve que poderia perfeitamente ser explorado pelas direcções dos sindicatos e pelas centrais sindicais. Pode haver greves sectoriais repetidas mensalmente ou com outra periodicidade regular, pode haver greves de vários dias seguidos, pode até haver greves gerais efectuadas com maior regularidade.
O risco que se corre, claro está, é o da banalização que esvazia este instrumento de pressão. Afinal, os gregos já vão na 19.ª greve, sem que delas tenha resultado a mais pequena inversão do drama em que se encontram. Para quem está de fora, contudo, a sensação é que também os gregos têm usado as greves mais como expressão simbólica de protesto do que como forma de pressão planeada com base num conjunto muito claro de exigências e de alternativas. Não admira que, assim, as greves percam conteúdo, independentemente da sua capacidade de mobilização (a qual, na Grécia, até tem sido grande).
Seja como for, o regresso a greves que sejam mais do que protestos só se fará se, por um lado, os trabalhadores mostrarem forte motivação para as fazer, e se, por outro, as direcções sindicais estiverem empenhadas em prepará-las. E esta responsabilidade é dupla: nem os trabalhadores podem ficar numa postura meramente passiva, esperando que os sindicatos actuem por eles, nem as direcções sindicais se podem limitar a convocar greves muito mais exigentes sem uma prévia e prolongada acção de agitação no terreno.
Por fim, há ainda outro aspecto fundamental a considerar. Em Portugal, como provavelmente noutros países europeus, as maiores taxas de sindicalização e de adesão às greves situam-se, esmagadoramente, nos corpos profissionais da Função Pública e dos Transportes públicos. O sector privado é, nos tempos que correm, um quase deserto em matéria de sindicalização, de consciência laboral e de capacidade de mobilização. Um deserto pontuado por pequenas e médias empresas cuja escala fragiliza ainda mais o potencial reivincativo de quem aí trabalha. Daí que uma expressão como «greve geral» seja, entre nós, enganadora. Não sabemos como é possível inverter esta situação. Uma situação que nasce, em grande medida, da precarização contratual, comum para a maioria dos trabalhadores privados, e do medo ou chantagem implícita que ela exerce.
Como atrair os trabalhadores do sector privado para greves feitas a sério é um dos desafios que deveriam estar já a ocupar as cabeças dos dirigentes sindicais. Se isso não for feito, e se as formas de luta se vierem a radicalizar no seio da Função Pública, corremos o risco de balcanizarmos o mundo laboral e de surgirem clivagens entre trabalhadores de Estado e trabalhadores de empresas particulares.
A agenda está, pois, carregada e incerta. Tal como o horizonte que nos espera.
E amanhã?
Tal como um dos nossos últimos “posts” recordavam o texto que publicámos aqui há um ano atrás, relembramos agora o que escrevemos em 24 de Novembro de 2010. Com a percepção de que nada mudou e com a convicção (dolorosa) de que nada mudará nos tempos mais próximos. Mesmo que os “donos” da “luta” proclamem, demagogicamente, o contrário.
Hoje realizou-se uma greve geral. Ou seja: uma daquelas formas de luta que, pela sua amplitude, deveria ser muito mais do que um protesto, pensada numa perspectiva de continuidade e usada para fazer avançar, de forma eficaz e contundente, um caderno reivindicativo bem claro.
E agora?
E amanhã?
Amanhã os grevistas de hoje (todos nós) voltarão ao trabalho, para serem apascentados na ignomínia quotidiana em que se transformou boa parte das relações laborais.
Amanhã os grevistas de hoje estarão a deitar contas à vida, à espera do Janeiro que trará o Inverno e as reduções salariais.
Amanhã os grevistas de hoje vão ranger os dentes sem saberem o que fazer a seguir para se libertarem do buraco social onde foram enfiados.
Amanhã os grevistas de hoje vão regressar ao desespero manso de quem quer recusar a fatalidade do empobrecimento como horizonte, sem que, ao mesmo tempo, lhe consiga vislumbrar uma saída.
A menos que…
E, já agora, acrescentamos um “post” de João Lisboa, crítico musical no Expresso e blogger nas horas livres, que diz o mesmo que nós por outras palavras:
“Post” politicamente incorrecto sobre manifs., greves gerais (de um dia) e outras coisas que tais
O famoso bloqueio que, em 1994, algumas dezenas de camionistas empreenderam contra o aumento das portagens na ponte 25 de Abril foi, nessa altura, acompanhado por uma forma de protesto assaz original e curiosa: os condutores que passavam pelas portagens buzinavam longamente. Note-se que, ao fazê-lo, não deixavam de, obedientemente, pagar as respectivas portagens contra as quais protestavam desse modo singularmente ruidoso. Toda a gente sabe o que aconteceu a seguir: com tanto buzinão, e mesmo com bloqueio incluído, o aumento das portagens não só se manteve como, depois, o preço de passar pela dita ponte aumentou já por diversas vezes. Sem novos buzinões que, entretanto, migraram para outras vias, sempre com o mesmo e invariável efeito: não impedir qualquer aumento das portagens impostas.
Num certo sentido, o buzinão é o paradigma do protesto social mais comum no Portugal democrático: inócuo, totalmente ineficaz e, muitas vezes, voltando-se contra os próprios contestatários (no caso dos buzinões, são os seus tímpanos que mais sofrem).
Vem isto a propósito das manifestações de rua e das greves gerais de um dia tão apreciadas pelos situacionistas do protesto – direcções dos sindicatos, partidos supostamente à esquerda do PS e os novos «indignados». São maneiras de mostrar que há muitas pessoas descontentes com a governação do país, servem para a usual contabilidade das cabeças (que não das espingardas, pois é sempre tudo muito pacífico e muito legal). Servem também, e sobretudo, para os participantes descarregarem emoções habitualmente reprimidas no rame-rame diário. E servem para as tais direcções sindicais e os tais partidos de esquerda aparecerem nos noticiários a debitarem os “sound-bytes” da “luta”. No caso particular das greves gerais de um dia, servem elas para que os funcionários públicos – pois só estes, praticamente, fazem greve – dêem um dia do seu salário a um Estado que, em troca, os trata cada vez mais como “recursos” descartáveis.
Mas nada disto serve para nada mais do que isto.
Quando não estão inscritas num programa que aponte, de maneira clara, para uma transformação das relações de poder e da ordem política instituída, manifestações de rua e greves de um dia esgotam-se em si mesmas. São protestos, sim, mas na sua forma mais infantil: aquela em que o protestante se coloca na posição do filho que contesta as decisões do pai sem jamais sair da sua posição subordinada, visto que nunca imagina poder inverter essa relação de subordinação. Não: está à espera que o pai o ouça e que, ouvindo-o, mude as suas decisões. É claro que o pai se está nas tintas. Pode até condescender e afirmar, paternalisticamente, que compreende as razões de protesto mas que não tenciona alterar um milímetro na sua posição. Pai é pai, e filho é filho.
Protestos assim são meros exercícios de impotência. E uma impotência colectivamente partilhada é só uma impotência elevada ao cubo.
Estão todas as manifestações e todas as greves (de um dia) condenadas a esta triste condição? Nem sempre. Sabemos bem que, nos idos de 2008, houve manifestações de professores, e uma greve de docentes com a maior taxa de participação de sempre, que não foram realizadas sob o signo da impotência. Pelo contrário, foram uma exibição de força, num momento em que se vivia um clima pré-insurreccional nas escolas. Se essa força tivesse sido aproveitada, as relações de poder entre os professores e o governo poderiam ter sido invertidas a favor da classe docente.
Só que, rapidamente, os profissionais e situacionistas do protesto e da luta-faz-de-conta reapareceram em cena e conseguiram tomar conta do processo, com os meios de que dispõem (e cuja dimensão financeira, no caso dos sindicatos, o Ricardo Silva escalpelizou muito bem num seu comentário a um dos nossos últimos “posts”). Fizeram aquilo que melhor sabem fazer e que as tutelas políticas esperam deles : travar iniciativas de resistência dentro dos locais de trabalho, arrefecer o ambiente que se vivia nas escolas, incutir o receio nos professores em relação àquilo que os situacionistas fingiam apregoar – a não entrega dos objectivos individuais da ADD. Em suma: desmobilizar um movimento que não convinha às pequenas estratégias político-partidárias que tomaram, há muito, conta dos sindicatos.
São estes farsantes que agora pretendem vestir a pele de lutadores “à séria”. Só mesmo os mais ingénuos ainda engolem essa história da carochinha.
Com as suas manifs. e as suas greves de um dia, os situacionistas do protesto vão apenas maquilhar a sua impotência e a dos que arrastam com eles. Não estão, de facto, minimamente interessados em modificar a “ordem das coisas”. Estão empenhados em criar eventos que funcionem como válvulas de escape para o descontentamento social, domesticando-o de um modo que o torne aceitável aos senhores do poder. É por isso que os comentadores encartados que comem na gamela dos governos não regateiam elogios ao sentido de responsabilidade das direcções sindicais (elogios que, por vezes, se estendem ao próprio PCP, apresentado como um partido “fiável”).
Com estes profissionais da “luta”, os que mandam podem dormir descansados.
Receita para perceber a crise: amarrar toda a gente a uma cadeira e obrigá-la a ver este filme
Só agora tivemos oportunidade de ver, de uma ponta à outra, este filme:
Embora centrado na crise do mercado financeiro nos Estados Unidos, ele é de uma enorme importância didáctica para todos nós. Porque essa crise é o que está na raiz de toda a catástrofe económico-financeira mundial. É o que está na origem da crise grega, da crise portuguesa, da crise da zona euro e da União Europeia. E as lições que podemos retirar do filme aplicam-se inteiramente ao nosso caso.
As lições são estas:
– A matriz inicial da crise da dívida pública ou da dívida dita «soberana» (expressão irritante) não foi, primordialmente, da responsabilidade directa dos Estados ou dos governos, pelo menos na Europa. Ela foi (e continua a ser) uma crise do sector financeiro, assente num pequeno conjunto de bancos norte-americanos de dimensão global, cujos dirigentes ganharam milhões de dólares em jogadas especulativas de alto risco com produtos financeiros virtuais, contaminando os maiores bancos do restante mundo capitalista, que se deixaram embarcar nas mesmas jogadas ao apostarem os seus activos nesses produtos tóxicos (caso da banca alemã). Fizeram-no com total cobertura das agências de notação financeira, elas mesmas beneficiárias do esquema – as tais agências que, recentemente, têm andado entretidas a espezinhar a Grécia e Portugal.
– A responsabilidade política dessa crise cabe inteirinha aos governos norte-americanos, desde a era de Ronald Reagan até George W. Bush, passando por Bill Clinton. Esses governos foram desregulando o sector financeiro, permitindo que os dirigentes e meia dúzia de grandes accionistas dos bancos de investimento, mas também dos bancos de poupança, fizessem fortunas obscenas com esquemas de “pirâmide” que ninguém controlava. Esse sector corrompeu totalmente a classe política de Washington, que é paga para servir a sua ganância. Barak Obama não é excepção a esta regra.
– O sector financeiro corrompeu também a classe académica dos economistas que, com raras e honrosas excepções, tem as suas figuras mais notórias ao serviço da cupidez bancária, legitimando-a ideologicamente, tratando dos esquemas técnicos que a sustentam e ganhando, de permeio, rios de dinheiro com isso. Entre os momentos mais reveladores do filme estão aqueles em que alguns desses economistas são apanhados, para seu embaraço, na contradição de uma pretensa ciência feita à medida de chorudos interesses privados. Olhamos para eles e pensamos logo em salafrários como este (também estamos bem abastecidos deles).
– Nenhum dos culpados foi parar à pildra. Na verdade, nem um só teve de indemnizar o Estado. Pior: todos eles estão a gozar os milhões que roubaram às próprias empresas que dirigiram. Obama não só os manteve impunes como foi chamar, para a equipa governativa e para seus conselheiros em política económica, as mesmas figuras que, nas administrações anteriores, foram os principais defensores da desregulação do sector financeiro. A qual continua de pedra e cal. Com os bancos mais fortes que nunca. E a reiterarem as mesmas práticas que levaram à crise.
– Em contrapartida, são os contribuintes – e por «contribuintes» entenda-se classe média e média-baixa – que foram chamados a pagar os gigantescos buracos existentes nos bancos.
– E o mesmo acontece numa Europa que, no essencial, obedece aos princípios de desregulamentação do sector financeiro que vigoram nos Estados Unidos.
– Se a banca europeia não estivesse sem liquidez por ter estado altamente exposta às aventuras da banca norte-americana, os ideólogos que passam por economistas não estariam agora a dizer que os cidadãos comuns andaram a viver «acima das suas possibilidades». Continuaria a haver dinheiro para alimentar o endividamento privado e os défices orçamentais – que em Portugal, antes de 2008, até nem eram especialmente elevados.
– A transferência de culpas do sector financeiro para os Estados, descritos como demasiado “gordos”, é o grande embuste deste ainda curto, mas já desgraçado século. Esse embuste está a ser produzido por aqueles que a alta finança corrompeu: políticos do “centrão” ou do “direitão”, economistas pagos a peso de ouro para vomitarem falácias quando não estão a fazer “consultoria” empresarial, e jornalistas igualmente venais.
Primeira conclusão: com a crise, nada de substancial mudou no centro do poder político-económico.
Segunda conclusão: para que haja mudanças efectivas, vai ser preciso muita, mas mesmo muita, porrada.
Para saber quanto nos estão a roubar não há como aplicar a aritmética
De Paulo Granjo, cujo original se encontra aqui.
Por muito chato que seja, às vezes vale a pena fazer contas. Até porque aqueles que nos vão ao bolso sabem apresentar as coisas de forma a que não nos apercebamos da dimensão do roubo.
Lembro-me sempre que, quando o governo anterior decretou os cortes de 5 a 10% nos salários dos trabalhadores de instituições públicas, um colega, naquela lógica bem nacional do «morreu, coitado, mas se ficasse entrevadinho era bem pior», me revelou o seu alívio por não nos terem cortado o subsídio de natal. Quando lhe pedi para multiplicar o corte mensal por 14, ficou muito espantado por verificar que já lhe tinham tirado isso e mais 15% de um outro salário…
Fazendo as contas com todos os factores, no entanto, a coisa fica ainda mais obscena.
Em 2011, considerando a inflação, os cortes salarias mensais e o corte no subsídio de natal (metade da parte que exceda o salário mínimo nacional), foram-me retirados 14,3% do salário. Ou seja, roubaram-me 2 meses de salário. Ou seja, ainda, na prática já não tive subsídio de natal nem de férias.
Em 2012, continuando a não ser compensada a inflação, continuando os cortes salariais mensais e não sendo pagos os dois subsídios, o meu salário vai ter um corte de 28,4%, em comparação com 2010. Ou seja, vão-me roubar quase 4 meses de salário. Ou seja, ainda, para além dos dois subsídios, vou andar mais 2 meses a trabalhar à borla.
O que, apesar de tudo, é um bocadinho diferente desse já escandaloso corte do subsídio de natal e do de férias. É o dobro!…
E não estamos ainda a tomar em conta os aumentos de impostos (via aumento do IVA, aplicação da sua taxa máxima a muitos bens de consumo correntes, e diminuição das deduções no IRS); só mesmo o que é directamente tirado do salário.
Por isso, meus amigos, façam as vossas próprias contas.
Convém sempre sabermos quanto é que, realmente, nos estão a roubar.
Perceber o que se passa
O original, de José Manuel Pureza (um bom deputado do BE que se perdeu nas últimas eleições) está aqui.
Contas feitas, o Governo tira-me a mim e a si o subsídio de férias e o subsídio de Natal para com eles pagar os desmandos da gestão do BPN. O Orçamento do Estado para 2012 prevê um montante de 4,5 mil milhões para avales e garantias do buraco no BPN. A ele acrescem os 1800 milhões que o Orçamento de 2010 destinou a custear a cobertura das imparidades. Se necessário fosse, fica claro, de uma vez por todas, com os numerozinhos todos, que o que pesa realmente na dívida do Estado não é a educação nem a saúde mas sim a vertigem do sistema financeiro que, ao contrário da esmagadora maioria das pessoas, tem vivido irresponsavelmente acima das suas possibilidades.
Ajudado pelo amigo Estado, pois claro. A coisa é de tal ordem que a insuspeita Comissão Europeia se viu na obrigação de abrir uma investigação para saber “se o processo de venda do BPN não implica um auxílio para o comprador”. Traduzido para bom português: a Comissão quer saber se o dinheiro do meu subsídio de férias e do seu subsídio de Natal é ou não usado para amaciar obstáculos ao exercício do Banco BIC, de capitais angolanos e liderado por Mira Amaral.
A sentença lavrada esta semana na cimeira de Bruxelas – que os bancos estão obrigados a uma rápida recapitalização que os ponha a salvo de impactos sísmicos à escala de todo o sistema – é um capítulo novo nesta novela em que o vilão exige que o tratem como herói. Os quatro principais bancos portugueses terão de reforçar, em oito meses, os seus capitais em 7800 milhões de euros. Até ontem, o recurso ao envelope a isso reservado pela troika era repudiado com veemência por Ricardo Espírito Santo e seus pares por nem quererem pensar na possibilidade de ver por perto a sombra do Estado como sócio. E o Governo, lesto, foi garantindo que o seu envolvimento na recapitalização dos bancos seria sempre passiva, sem a assunção de posições na respectiva gestão. O Estado dá o dinheiro que a troika lhe empresta, paga-o com os nossos impostos e garante aos bancos que não os vai incomodar nas suas decisões de gestão. Quem é amigo, quem é?
Há nisto tudo um exercício de desmemória, uma revisão da história que apavora. O BPN contaminou criminosamente a economia nacional e vai continuar a onerar cada um dos orçamentos das famílias portuguesas, privando-as de rendimentos essenciais – mas as gorduras a cortar são o meu salário e a sua pensão. Os quatro bancos mais importantes do País impuseram ao Estado a submissão diante da troika, empurrando assim a nossa economia e o rendimento de quem trabalha para o nível a que eles estavam nos anos 70 – mas o Governo jura não querer incomodar e manter-se à margem da gestão de quem esteve objectivamente na origem da nossa queda no abismo.
Só um tão geral esquecimento de como foi que chegámos aqui permite que o primeiro-ministro diga ao País, sem que isso cause escândalo social, que “só vamos sair da crise empobrecendo”. Passos Coelho afecta milhares de milhões de euros dos nossos impostos, dos nossos salários, dos cortes nos nossos serviços de educação ou da saúde, ao buraco sem fundo do BPN e é a nós que diz que temos de empobrecer se queremos sair da crise. Garante aos bancos que nos empurraram para os braços da troika e aos compradores dos nossos melhores bens públicos que terão sempre o Estado a ajudá-los mas sem os incomodar, e é a nós que diz que o caminho certo é o do nosso empobrecimento. Reconstruir a história como ela realmente foi tornou-se uma ameaça para os que ganham com esta crise.
As únicas questões estratégicas que importa discutir
Para acabar de vez com o blá-blá auto-iludido dos que pensam que as grandes iniciativas de combate contra o austeritarismo se reduzem a manifestações ou a greves de um só dia, e que ficam todos satisfeitos ao pensarem que «a rua é nossa» – quando os verdadeiros instrumentos de poder decisório continuam a ser “deles”.
Vamos partir do princípio de que concordamos com um caderno reivindicativo assente nas seguintes exigências:
– Auditoria integral da dívida pública, realizada por uma entidade politicamente credível e independente.
– Reestruturação da dívida pública, com base nos resultados dessa auditoria.
– Renegociação dos prazos e das condições de pagamento da dívida reestruturada.
Assim sendo, os partidos de esquerda, as direcções sindicais, os movimentos e as associações independentes deveriam passar a ser avaliados com base num critério muito simples: saber se estão ou não dispostos a equacionar uma destas questões (ou ambas):
-
Como forçar os actuais detentores do poder de Estado (governo, assembleia e presidência da República) a aceitar as exigências do referido caderno reivindicativo?
ou, numa alternativa mais radical:
-
Como conquistar o poder de Estado de modo a concretizar essas exigências?
Qualquer discussão intelectualmente honesta que se pretenda fazer sobre «acções de luta» terá de assentar na vontade de responder a estas questões. Os que nem sequer admitem colocá-las escusam de vir falar em lutar «a sério».
Tudo o que não seja pensar, em termos estratégicos e tácticos, com base nestas questões é, como dizem os brasileiros, conversa para boi dormir ou, como se diz cá no burgo, atirar poeira para os olhos das pessoas. Como se sabe, é isso mesmo que faz o João Pestana – Sandman, na versão anglo-saxónica. Trata-se de adormecer o pessoal com “tretas boé combativas”.
Da irracionalidade na política-que-temos
Ao invés de uma ideia que circula por aí, e que ainda hoje procuramos inculcar nas crianças, o ser humano não é um animal racional. Pelo contrário, a irracionalidade é o seu traço mais marcante, é a sua diferença específica.
Essa irracionalidade manifesta-se, entre muitos outros aspectos, pelo facto de que, confrontado com a necessidade de optar entre diversas alternativas para a resolução de um problema, uma boa parte dos humanos escolhe precisamente aquela que lhe é mais prejudicial, mesmo quando todas as evidências revelam ser esse o resultado previsível de uma tal escolha.
Este fenómeno é cabalmente ilustrado por tudo o que está acontecer, hoje em dia, nessas duas regiões do sistema mundial capitalista que são a Europa e os Estados Unidos. No caso particular da Europa, vemos desafiadas todas as regras da lógica no comportamento dos dirigentes políticos da União Europeia e da sua Zona Euro: perante a demonstração de que uma dada receita para a saída da crise é um completo fiasco, os chamados «líderes europeus» entendem que a alternativa é… aplicar uma dose reforçada da receita que falhou. O resultado é tanto mais irracional quanto, a breve prazo, isto vai levar à morte da galinha dos ovos de ouro do capital financeiro. Portanto, nem se pode dizer que esta irracionalidade política está, lá bem no fundo, ao serviço da racionalidade perversa do capital. Não, isto é mesmo estúpido até do ponto de vista dos interesses dos donos do dinheiro.
Só que nunca podemos menosprezar a cegueira irracional que habita qualquer crença dogmática. Neste momento, temos uma geração de políticos, à frente da Europa, que acreditam mais no que vem nos seus manuais de economia monetarista do que naquilo que a realidade lhes deveria estar a meter pelos olhos dentro.
Outro aspecto que confirma a sua irracionalidade básica: a grande maioria das pessoas fortemente afectadas (exploradas, oprimidas) pelos poderes constituídos recusa-se sistematicamente a tomar consciência da força que decorre, entre outros factores, do seu número incomparavelmente superior ao dos que as dominam. Sendo assim, em lugar das acções anti-opressivas que facilmente poderiam encetar, preferem a auto-ilusão de iniciativas meramente simbólicas de protesto cujo efeito consiste em compensar, no plano imaginário (e nunca material), a sua impotência real.
Aqui a irracionalidade está do lado daqueles que se sentem plenamente gratificados com a ocupação de praças, de ruas ou de avenidas, e que, pelos vistos, nunca equacionam ocupar empresas, parlamentos ou ministérios. É a irracionalidade daqueles que gritam «não pagamos!» nas manifestações, ao mesmo tempo que têm, de facto, os vencimentos drasticamente reduzidos, que sofrem os aumentos de impostos em tudo o que consomem e que, no emprego, vergam a mola perante os ditames arbitrários de patrões, de chefias ou de directores. É a irracionalidade dos que fazem um dia de greve para, no dia seguinte, continuarem a trabalhar em condições de despotismo ou de precariedade que permanecerão intactas. É, em suma, a irracionalidade dos que querem mudar sem nada fazerem que seja minimamente eficaz para essa mudança.
Vivemos, hoje, um duplo paradoxo – que é também uma dupla irracionalidade e um duplo falhanço:
– Os detentores do poder político insistem numa estratégia de fracasso que vai arrastar, consigo, a União Europeia e o euro como moeda comum e que, a não ser travada, terá como consequência a implosão da Europa e de uma grande parte do mundo capitalista.
– Mas os que se opõem a essa voragem suicida estão também, eles mesmos, empenhados numa estratégia de fracasso, escolhendo formas de “luta” e de “resistência” puramente virtuais e ilusórias que, na verdade, só confirmam a impotência (veja-se o saldo dos combates de rua na Grécia) e o medo de mudar efectivamente o que quer que seja.
A patalogia subjacente a estes comportamentos foi identificada, há muito tempo, por um certo vieenense. Chama-se «compulsão à repetição».
Falhados socialmente organizados, uni-vos!
(Este “post” vai com uma vénia ao José Gabriel Pereira Bastos, a quem roubámos, despudoradamente, algumas ideias)
No nosso modesto entender, contrariamente ao que muitas teorias sugerem, a grande questão política, a única que merece verdadeiramente resposta, não é saber qual o melhor regime ou qual a mais justa forma de governo. Antes desse problema há outro mais premente e mais básico. Resume-se a uma pergunta enganadoramente simples, quase infantil:
Por que é que, ao longo dos diferentes «mundos históricos», das diversas «formações económico-sociais» ou dos sucessivos «sistemas-mundo» – as designações são indiferentes –, o sofrimento humano foi muito maior, muito mais intenso e extenso, muito mais versátil e multiforme, muito mais alimentado e frequente, do que a felicidade?
Esta pergunta pode ser desdobrada noutra, mais específica:
Por que é que os meios de luta contra o sofrimento oriundo do próprio corpo e do mundo externo se converteram, através do relacionamento entre os homens, em condições de sofrimento acrescido?
E, se quisermos levar o inquérito mais fundo, também podemos lançar outra questão falsamente “naïf”:
Por que é que, no decurso da história do relacionamento entre os homens, foi sempre uma minoria que infligiu o sofrimento a uma vastíssima maioria de seres humanos?
Começar a responder a estas perguntas – sobretudo à última – devia ser tarefa de todos aqueles que se preocupam com o problema da emancipação. E é por terem fracassado miseravelmente nessa resposta que as teorias supostamente salvadoras da humanidade quase sempre geraram o seu oposto: mais sofrimento colectivamente distribuído. O caso do «socialismo real» da Europa de Leste é apenas um exemplo a somar a uma longa lista de ilusões culturais, políticas e religiosas.
Ao longo dos séculos, com raras e honrosas excepções e com matizes que não cabe aqui esmiuçar, a humanidade tem-se dividido em dois grupos: a escassa minoria dos socialmente dominadores/exploradores/predadores e a ampla maioria dos falhados socialmente organizados. Por cá, em tempos recentes, este último grupo integra os partidos-de-esquerda-que-temos, as centrais sindicais-que-temos, os activistas-de-rua-que-temos, os indignados-que-temos, mas também os trabalhadores-que-temos e os eleitores-que-temos.
São falhados porque todas as suas acções estão orientadas para a ineficácia política e social: são incapazes de compreender e de escolher as estratégias que permitiriam torná-los social e politicamente triunfantes.
Para citar o José Gabriel, os trabalhadores-que-temos aceitam entrar na procissão que as centrais sindicais e os partidos de esquerda concebem para eles, «descem a Avenida, realizam a Missa sindical e depois levantam o Circo e no dia seguinte amocham e vão para o trabalho, com menos um dia de salário no bolso (é o ‘imposto sindical’ pago voluntariamente ao Estado contra o qual ‘protestam’, satisfeitos com a sua impotência tão bem disfarçada de ‘potência’)». E parece que não são capazes de fazer mais do que isto. Parece que não conseguem mais do que tentar adaptar-se às condições do seu próprio quotidiano triste, explorado e medroso, com interrupções catárticas que não servem rigorosamente para nada.
Quanto aos eleitores-que-temos, subgrupo dos falhados socialmente organizados que coincide, em grande parte, com o dos trabalhadores-que-temos, não vale a pena demorarmo-nos em análises. É bem eloquente o facto de, na sua grande maioria, votarem sistematicamente naqueles que têm como programa depauperá-los o mais possível, reforçar as condições da sua miséria e do seu sofrimento.
A cegueira e a alienação constituem a tónica dos falhados socialmente organizados. Vivem animados de um «desejo de não saber» e preferem sempre a última ilusão narcísica que compensa o estado de sofrimento, ou de impotência, em que se arrastam.
Claro está que os socialmente dominadores ou triunfantes não são menos alienados. A sua auto-ilusão consistem em se fantasiarem como infinitamente superiores aos outros e como tendo uma espécie de direito social a esmagar os que estão na mó de baixo. Na melhor das hipóteses, isto é para eles tão óbvio que nem páram muito para pensar nos efeitos das suas práticas predatórias (pessoalmente, até podem ser excelentes pessoas). Mas a alienação que os move, ao contrário da que pesa sobre os falhados, é extremamente eficaz no contexto da luta de classes e no combate pelo triunfo identitário.
Falámos do desejo (inconsciente) de não saber e de não pensar. O conhecimento, no entanto, até está disponível. Dois velhos barbudos, este:
e este:
explicaram, há muito tempo, o essencial do que há para perceber.
Só que o desejo de não saber é de tal forma poderoso que os seus alegados seguidores tudo fizeram para enterrar (Freud chamava-lhe recalcar) o legado que nos deixaram.
Enquanto as lições destes dois pensadores não forem devidamente digeridas e integradas, vamos continuar a apostar na estratégia do fracasso. E vamos continuar a sustentar, com a nossa impotência travestida de “luta”, os que detêm o poder efectivo.
Nós, os falhados socialmente organizados.
Para memória futura
A direcção do jornal Expresso e o núcleo do seu corpo redactorial não se têm propriamente notabilizado pela lucidez e pela clarividência política. Bem pelo contrário. Recentemente, porém, Nicolau Santos tem vindo a acertar na “mouche” com uma regularidade digna de menção. Fica aqui a parte essencial da sua coluna de opinião desta semana. Para memória futura – pois nela se antecipa o pior que vem aí. E porque a sua crítica das opções do ministro das Finanças e do governo de Passos Coelho é o exemplo de como a contundência rima com pertinência:
(Como sempre, se clicarem na imagem não têm de esforçar a vista)
Tudo o que é preciso dizer
Outra das cabeças pensantes do blogue «5 Dias» – é preciso distingui-las de alguns lunáticos, fanáticos e cretinos que por lá andam – diz, em poucas palavras, tudo o que é preciso dizer:
«É preciso ir mais além», diz ele. E nós concordamos
Outra das formas de vida inteligente da nossa blogosfera assina aqui um texto que nós subscrevemos, de uma ponta à outra. Para ler com muita atenção por todos aqueles que acham que isto vai lá com umas greves gerais de um dia (ou de dois), feitas de vez em quando.
Depois do que passou
Decorridas que foram as manifestações do 15 de Outubro, o mínimo (ou o máximo?) que podemos dizer é que tudo o que referimos no “post” anterior mantém-se intacto e pertinente. Isto apesar dos entusiastas do costume andarem perdidos em euforias pueris.
Quando vemos que tudo o que dali saiu é… mais uma manifestação e, porventura, uma greve geral de um dia (com os resultados “admiráveis” de todas as anteriores greves gerais de um dia), é caso para dizer que o rotineirismo e a navegação de cabotagem tomaram, definitivamente, conta das perspectivas de “luta”.
Tudo mudou, tudo está a mudar, as questões e os desafios que se colocam são radicalmente outros. As “respostas”, porém, permanecem as mesmas…
É só para anestesiar?
Já referimos aqui várias vezes o papel de contenção/controlo/diluição das lutas sociais que, em Portugal (e não só), tem caracterizado a esquerda-que-temos e o sindicalismo-que-temos. Lamentamos ter de regressar ao assunto e bater na mesma tecla, mas a evidência actual é tão deprimente que não podemos evitá-lo.
É verdade que, nos tempos actuais desta crise fabricada, o mundo laboral parece paralisado por um misto de impotência e de medo – dois sentimentos pouco propícios para incendiar revoltas.
Mas, mesmo assim, será pedir demais a correntes políticas e a organizações historicamente forjadas em lutas sociais muito além dos gabinetes parlamentares e dos corredores ministeriais que façam um esforço, por tímido que seja, para agitarem as pessoas em lugar de as anestesiar ainda mais?
Aviso à navegação (e a certos “navegadores” disfuncionais): quando falamos de agitar não estamos, naturalmente, a pensar em manifestações folclóricas para preencher calendário.
Estamos a pensar em iniciativas muito mais exigentes, feitas nos locais de trabalho, para organizar os trabalhadores no combate por direitos elementares que estão a ser sistemática e metodicamente destruídos.
E quando falamos em iniciativas nos locais de trabalho, que fique claro que não estamos a pensar em reuniões sindicais rotineiramente marcadas para que apenas poucos compareçam (já que a maioria, por descrença fundada, há muito desertou desse género de “acções”).
Os sindicatos e os partidos de esquerda – os que têm assento na Assembleia da República – estão hoje confrontados com um dilema:
vão arriscar politicamente e mobilizar os recursos que têm (e que não são escassos) para tentar reconquistar capital e prestígio junto dos trabalhadores e dos desempregados deste país, procurando mobilizá-los para lá da rotina e do faz-de-conta, ou vão preferir jogar pelo seguro, optando por formas moles de fazer política, concebidas apenas para lhes garantir a sobrevivência e o pequeno tacho?
Notem que uma pergunta como esta, no momento actual, não é de somenos importância.
(Aguardamos as reacções iradas dos funcionários do costume…)
A Cartilha do Bom Sindicalista ou a “Teoria da Cassete” – um texto de José Manuel Faria
A Cartilha do Bom Sindicalista ou a “Teoria da Cassete”
Ponto 1 – Na abalizada visão de certos “fundamentalistas” do sindicalismo-que-temos, os dirigentes sindicais nunca são passíveis de ser criticados (sejam quais forem as asneiras que pratiquem), antes pelo contrário!!!
Ponto 2 – Os ignaros que se atreverem a denunciar as estratégias erradas desses deuses do Olimpo (verdadeiros dinossauros do sindicalismo-que-temos) são sempre mimoseados com os mais desprezíveis epítetos e considerados abaixo de gente.
Ponto 3 – As lutas e movimentações da classe SÓ podem ser concebidas, dirigidas e levadas a cabo sob a égide das referidas divindades. Como corolário, TODAS as iniciativas que não provenham do Olimpo serão necessariamente boicotadas e esvaziadas independentemente do seu eventual mérito, seja por que meios forem….
Ponto 4 – Os dirigentes sindicais (e partidários) nunca devem reconhecer os seus erros nem fazer qualquer autocrítica, mesmo perante manifestas derrotas!!!
Ponto 5 – A evidente subordinação desses dirigentes às mais mesquinhas políticas e interesses partidários é em si mesmo um bem supremo a prosseguir por todos os meios.
Ponto 6 – Resulta óbvio desta filosofia que, sempre que os dirigentes se recusem avançar com formas de luta concretas e incisivas, pactuando ativamente com o inimigo, as bases devem aguardar serenamente melhores dias com aquele espírito de rebanho que caracteriza a ideologia partidária subjacente.
Ponto 7 – É do maior interesse para a classe que, devido às excecionais qualidades evidenciadas por esses grandes líderes, eles se mantenham no desempenho dos seus altos cargos pelo maior número de anos (décadas), manobra bem escorada na blindagem dos estatutos.
Ponto 8 – A prática de referendos e plenários vinculativos para legitimar as decisões mais importantes como acordos, memorandos e formas de luta avançadas é considerada algo de subversivo e perigoso, embora por vezes necessário. Tal só deverá eventualmente realizar-se (a título meramente pontual) se, e só se, o resultado esperado coincidir com a decisão já previamente tomada no “Olimpo”.
Eis o retrato do sindicalismo-que-temos. Será que vamos mantê-lo? Está na nossa mão mudar o panorama!!!
À terceira só cai quem quer…
Notícia de hoje no Jornal Público, com algum contraditório pelo meio…
Uma vez que os sindicatos-que-temos vão voltar amanhã à mesa negocial (?!) seria importante que fossem para além da novela da ADD e colocassem em cima da mesa outros importantes assuntos/reivindicações que já descrevemos, sucintamente, no post anterior e que aqui recuperamos: para além da escandalosa situação dos concursos (??!) para as escolas TEIP (abordada nos post’s anteriores), a questão das indemnizações por caducidade de contrato (não basta aconselhar os professores a irem para tribunal), a ameaça de não pagamento de horas extraordinárias (que se vai ouvindo em diversas escolas), a não consideração dos resultados da ADD em sede de concursos, a garantia da abertura de concursos, para afectação a quadro, num futuro próximo e com a obrigatoriedade do redimensionamento das vagas, substituindo-se a insultuosa figura das “necessidades transitórias” (que de transitório só têm mesmo o contrato a termo) por efectivos lugares de quadro, de modo a combater o agravamento e aprofundamento da precariedade docente, a recuperação do tempo de serviço congelado, a questão da formação contínua, que está cada vez menos disponível e significa sempre uma enorme sobrecarga de horas em horário pós-laboral, entre muitas outras questões, isto já considerando que as questões mais centrais não serão esquecidas – por exemplo, a democratização do modelo de gestão, a lamentável novela da ADD, que se arrasta e mantém diversas questões por resolver, a revisão dos programas e dos planos curriculares, a redução do número de alunos por turma e de turmas por professor, a sobrelotação das escolas e falta de condições de trabalho, os horários dos professores (cuja componente de trabalho individual tem de ser forçosa e urgentemente reforçada, dado o aumento do número de turmas por professor na maioria das disciplinas), o financiamento das escolas, etc., etc. Há muita coisa que está por conseguir e muita outra por evitar.