O desperdício educativo das pseudo-reformas da educação
Para além de tudo o que já foi mencionado relativamente a esta revisão-que-afinal-já-não-é-uma-reforma da estrutura curricular, para além do drama pessoal de muitos professores que vão perder o emprego devido a uma mudança feita exclusivamente com esse propósito, há ainda que referir outro aspecto – menos dramático, mas que afecta igualmente o quotidiano profissional dos docentes e a qualidade do ensino praticado.
Referimo-nos ao desperdício de trabalho e de saber acumulado que se dá de cada vez que o Ministério se lembra de impor este tipo de alterações, quase sempre de forma arbitrária, atabalhoada e sem ouvir os professores (e este é um “ponto de honra” que os vários ministros fazem questão de cumprir escrupulosamente).
Com efeito, eliminar disciplinas em planos curriculares, ou privá-las de um número substancial de horas, significa que muito trabalho realizado pelos professores – preparação de materiais didácticos, fichas formativas, testes, etc., etc. – vai para o caixote do lixo na impossibilidade de ser aproveitado noutros contextos (visto que os conteúdos programáticos mudam por completo ou são simplesmente suprimidos).
Por vezes, trata-se de trabalho intenso, mas em torno de programas disciplinares que não chegam a durar mais de dois ou três anos. Impossível aferir ou melhorar práticas, impossível transferir conhecimentos de um ano para o outro, impossível sedimentar experiências.
O ensino em Portugal tem andado assim, aos solavancos e aos soluços, à medida dos caprichos “reformistas” de ministros que confundem o intuito de deixar obra feita com transformar em ruínas o que estava a ser construído.
Há partes do edifício que mereciam ser demolidas? Sem dúvida. Mas essas, curiosamente, permanecem de pé.
Nuno Cortes
Só agora arranjámos tempo para nos determos na entrevista dada por Nuno Crato ao jornal Público. Chegamos em último lugar, mas não perdemos grande coisa. O conteúdo das declarações do ministro é, de facto, confrangedor.
Se ainda restassem dúvidas sobre o papel de Nuno Crato neste governo, a entrevista tem, pelo menos, o mérito de as desfazer. Nuno Crato não é ministro da Educação e Ciência. É ministro dos cortes cegos – e absolutamente brutais – na Educação e Ciência para ajustar o orçamento desse sector ao cubículo exíguo que lhe está destinado pelo programa da “troika” e pelo seguidismo canino de um governo apostado em ir ainda mais longe no austeritarismo imposto aos portugueses.
Nuno Crato é, portanto, uma amanuense dos cortes. Em vez dele, poderia lá estar qualquer outro. Até mesmo um “robot”. Que ele se preste a semelhante função diz muito da sua falta de espessura política e ética. Mas podemos sempre acrescentar: o que se poderia esperar de quem aceitou integrar um governo cujo programa se resume, no essencial, ao de uma comissão liquidatária dos serviços públicos, dos direitos sociais e laborais?
(Nota à margem: os apoiantes de Santana Castilho compreenderão agora o equívoco de imaginarem que ele poderia ocupar o lugar preenchido por Nuno Crato?)
Talvez Nuno Crato imaginasse ser capaz de resolver a quadratura do círculo (o que, em alguém com formação em matemática, seria sempre estranho). Talvez pensasse ser possível conciliar cortes orçamentais que asfixiam por completo a Escola Pública com reformas cirúrgicas que devolveriam alguma racionalidade ao sistema educativo.
Só que essa hipótese, já de si delirante, é praticamente anulada pelo conteúdo das suas declarações na entrevista. Nuno Crato mostra não ter uma única ideia interessante (ou sequer consistente) a propor no tocante ao sistema de ensino em Portugal. Quando não está ocupado a justificar cortes e reduções, tudo o que sai da sua boca são generalizações vazias, que servem apenas de paupérrima compensação retórica para uma acção essencialmente centrada em contas de mercearia, todas desembocando na redução drástica do pessoal docente – afinal, o objectivo maior das medidas descritas na entrevista. Pensamento estruturado sobre política educativa – ou política de ciência – é coisa que não se vislumbra.
Diga-se, aliás, que até mesmo na questão dos números a entrevista revela insuficiências gritantes. No que respeita às afirmações de Nuno Crato sobre a poupança supostamente resultante da supressão do Estudo Acompanhado, o Paulo Guinote já desmontou aqui as contradições do ministro.
Esprimidas e enxutas, as declarações de Nuno Crato poderiam limitar-se a isto:
«Quase metade (46,7 por cento) do pessoal da administração central está no Ministério da Educação. É um valor extraordinário. Isso significa que as reduções têm de ser, em grande parte, em pessoal e que têm de se reflectir na educação. Não há nenhum menosprezo pela educação.»
Claro que não. Há só menosprezo por quem trabalha na educação. Como se esta pudesse ser valorizada em tal base.
Mas note-se a completa arbitrariedade deste pseudo-argumento, que o Paulo Prudêncio escalpelizou aqui. Nuno Crato nem sequer se preocupa em saber se a referida percentagem, atirada levianamente para o ar, corresponde ou não a necessidades efectivas do sistema. Que importa isso, quando é preciso atingir mais de 800 milhões de euros em cortes?
Por isso, a entrevista revela um só resultado palpável e dramático:
contrariamente aos hipócritas de serviço, que continuam a afirmar que a Função Pública tem o posto laboral assegurado, vem aí muito desemprego para os professores. E não apenas para os contratados. Os 1858 professores com horário zero, mencionados por Nuno Crato na entrevista, têm cada vez mais o destino selado. E tudo aponta para que esse número venha a ser engrossado com a reestruturação curricular do Ensino Básico, a qual visa unicamente reduções substanciais no pessoal, sem que tenha por detrás qualquer pensamento estratégico para a Educação.
A conclusão está à vista (estava-o antes mesmo de o governo tomar posse):
Contratados por um ano ou contratados por tempo indeterminado, hoje somos todos contratados a prazo.
O governo de Nuno Crato quer fazer-nos aceitar que a precariedade é a condição normal do trabalhador. Cabe-nos mostrar que não é assim. Que não tem de ser assim.
Péssimos sinais
Já por várias vezes criticámos aqui o modelo, actualmente em vigor, de «educação de adultos». Mas o que esta notícia mostra é um Ministério da Educação a manter (e a reforçar) a sua velha tradição de desprezo pelas pessoas: pelos professores e pelos alunos.
O programa do nosso descontentamento – 3
Continuemos a penosa missão de desmontagem do programa do governo PSD/CDS para a Educação.
Esse programa repete, em várias passagens, a ideia de «reforçar a autoridade do professor». É uma daquelas declarações de princípio feitas para acariciar a “auto-estima” dos docentes. Afinal, que professor não quer ver a sua autoridade «reforçada»?
Acontece que essa declaração, tal como aparece no programa do actual governo, é totalmente vazia. Pois não esclarece como é que essa autoridade vai ser reforçada, nem diz, na verdade, de que autoridade se está a falar.
A famosa «autoridade» do professor pode significar coisas muito diferentes. Pode referir-se à autoridade perante os alunos e, nesse caso, obedece a requisitos e a condições particulares, que tentámos enunciar num “post” já antigo. Mas também pode remeter para a autoridade social do professor no espaço público ou cívico. Como pode reportar-se à autoridade do professor perante os seus colegas ou pares, à autoridade perante os pais e demais encarregados de educação, à autoridade face ao Ministério, etc., etc.
Acontece, porém, que todas estas várias dimensões da autoridade do professor estão minadas, à partida, no programa de governo. Este vem confirmar e aprofundar mecanismos nas escolas que só contribuem para cercear, desmentir ou achincalhar as condições em que essa autoridade se poderia exercer. Como o Octávio apontou aqui, que autoridade docente, individual ou colectiva, pode sobreviver num cenário em que se pretende reforçar as competências dos directores das escolas? Competências que, sabemo-lo bem, se prestam já hoje a usos suficientemente discricionários e tendencialmente despóticos. Dois dedos de testa bastam para perceber que não é possível conciliar o «reforço» da «autoridade do professor» com o «reforço» das «competências dos directores».
E isto leva-nos direitinhos a um dos vícios maiores do programa com que Nuno Crato vai governar. Conforme previmos e denunciámos em “posts” anteriores, o PSD e o CDS, agora juntinhos no governo, nunca pretenderam mexer numa vírgula do modelo de administração escolar cozinhado por esse grande partido “de esquerda” que é o PS. Tal modelo serve às mil maravilhas para instalar uma cultura de subserviência e de “respeitinho” entre os professores, subordinados a chefias quase irremovíveis, escolhidas com base em influências que escapam, por completo, ao controlo democrático de que os docentes se viram privados. Essas chefias, que nada devem a professores que, de facto, não as elegeram, vão continuar a representar, acima de tudo, os interesses políticos do Ministério no interior das escolas. E serão as primeiras a aplicar, diligentemente, todas as medidas do programa da “troika” que visem reduções arbitrárias de “custos”, estrangulamentos ainda maiores na carreira docente, cortes no pessoal, etc.
Um modelo de administração escolar exclusivamente assente em direcções unipessoais é o sonho de qualquer estadista apostado em impor a política do austeritarismo dentro do sistema de ensino.
Perante isso, nenhum blá-blá sobre a autoridade do professor consegue persuadir os mais incautos.
O programa do nosso descontentamento – 2
Quando chegamos à parte do programa do governo dedicada à carreira docente, o caldo, já de si pouco apetitoso, fica consideravelmente entornado.
Em primeiro lugar, a redução dos professores (ou de outros profissionais quaisquer) a «recursos humanos» indicia essa intrusão ideológica do pior “economês”. E nós sabemos bem tudo o que está implicado nesse conceito: os «recursos humanos» são menos «humanos» do que «recursos», e por isso são eminentemente descartáveis. É preciso não esquecer que o programa para o ensino está cercado, por todos os lados, pelo “resto” do programa de governo…
Mas então o que diz ele sobre a carreira docente? Duas coisas. A primeira reproduz uma “tese” já presente no programa do PSD: «Simplificação do Estatuto da Carreira Docente a par do estabelecimento de medidas que reforcem as competências dos directores de escola.» Frase singela que fecha, a cadeado, qualquer veleidade de alterar o ECD e de acabar com o modelo de administração autoritária e antidemocrática das escolas. Se algum professor esperava algo de diferente do PSD e do CDS, é caso para perguntar que substâncias ilegais esse colega andou a consumir nos últimos meses…
A outra ideia “brilhante” é, honra lhe seja feita, imputável a Nuno Crato, que fez gala em divulgá-la aos quatro ventos como o alfa e o omega da qualificação da profissão docente:
«Uma selecção inicial de professores que permita integrar no sistema os mais bem preparados e vocacionados designadamente através da realização de uma prova de avaliação de conhecimentos de acesso à profissão.»
A este respeito, fazemos nossas as palavras do Paulo: que sentido faz sujeitar os professores a uma prova adicional de avaliação de conhecimentos depois de aqueles terem sido avaliados e aprovados numa licenciatura, num mestrado e num processo de profissionalização para a docência, todos efectuados em estabelecimentos do ensino superior tutelados, neste momento, pelo mesmo ministro que tutela o ensino básico e secundário? Não são esse ministro e o seu Ministério que certificam os cursos do ensino superior que os candidatos a professores frequentaram? A prova de acesso não é, nessas condições, uma completa redundância? E, se não for, não será então a mais acabada confissão de que o Ministério não possui um pingo de autoridade e de credibilidade?
O programa do nosso descontentamento – 1
Vamos lá então desmontar a coisa. Vai ser trabalho para vários “posts”, ainda que a escassa substância da parte relativa à Educação aconselhasse, provavelmente, um comentário mais expedito. Mas nós vamos levar o cinismo ao ponto de fingir que aquilo tudo é para levar a sério.
Assim sendo, comecemos pelos primeiros parágrafos. A sensação é imediata: grandiloquência e aquelas “boas intenções” que se afivela para disfarçar muita vacuidade. Exemplos:
«O Governo assume a Educação como serviço público universal e estabelece como sua missão a substituição da facilidade pelo esforço, do laxismo pelo trabalho, do dirigismo pedagógico pelo rigor científico, da indisciplina pela disciplina, do centralismo pela autonomia.»
«(…) Criar consensos alargados sobre o plano estratégico de desenvolvimento tendo como horizonte temporal o ano de 2030.»
«(…) Apostar no estabelecimento de uma nova cultura de disciplina e esforço, na maior responsabilização de alunos e pais, no reforço da autoridade efectiva dos professores e do pessoal não docente.»
Espremendo, não sai nada: blá-blá.
Depois lá vem a piscadela de olho à mui liberal “liberdade de escolha” das famílias que, como se verá mais à frente, parece não apontar (ainda?) para o famoso «cheque-ensino» (pois o tempo é de vacas esqueléticas e o Estado não dispõe de dinheiro para experimentalismos liberalóides):
«Desenvolver progressivamente iniciativas de liberdade de escolha para as família em relação à oferta disponível, considerando os estabelecimentos de ensino público, particular e cooperativo.»
Encerrado o blá-blá dos “grandas” princípios, surgem as medidas. E aqui há que dizer que as primeiras a serem enunciadas primam por um bocejante dejá vu:
«Definição de metas para a redução do abandono escolar, melhoria do sucesso escolar em cada ciclo e aumento da empregabilidade dos jovens, associando estas metas a princípios de rigor na avaliação, de exigência nas provas e de mérito nos resultados.»
Onde está a novidade disto? Não é o que as escolas andam já a fazer e que, em bom rigor, se traduz em impactos invariavelmente nulos nas práticas educativas? Todos os anos os órgãos das escolas – direcções, conselhos pedagógicos, departamentos – consomem boa parte do seu tempo e energia a elaborar e a discutir «metas», «objectivos», «projectos educativos» – lérias que se limitam a uma retórica estafada, inócua, inútil.
A verdade é que, dissipado todo esse fumo e as tais “boas intenções” de que está cheio o inferno dos professores, estes continuam, melhor ou pior, a tentar realizar o núcleo essencial da sua profissão: ensinar, preparar aulas, acompanhar os alunos (muitas vezes, demasiadas vezes, substituindo-se a famílias que eles não têm ou que, se têm, não deviam ter). Se há mais alguma coisa para além disso, é certo e garantido que as escolas não o descobriram. E o Ministério ainda menos.
Em seguida, aparece no programa de governo a ideia de «um sistema nacional de indicadores de avaliação da Educação, em linha com as melhores práticas internacionais, garantindo transparência e confiança aos cidadãos e incentivando as famílias a tomar decisões mais informadas no exercício da sua liberdade de escolha». Pode ser que estejamos a ver mal o filme, mas esta conversa cheira a qualquer coisa de parecido com os tão sobrevalorizados rankings. Um critério qualquer para hierarquizar os estabelecimentos de ensino e as famílias ficarem todas informadas. A pergunta impõe-se: mas, se assim for, é mesmo disso que a Educação precisa em Portugal? Com tanto de importante para fazer, o Ministério vai andar entretido a escalonar escolas? Áh, espera lá! É para os pais “escolherem” a melhor escola para os filhos! Mas há ainda alguém no planeta, para lá da seita de fanáticos de Milton Friedman, que verdadeiramente acredite em semelhante treta?
Finalmente, a única medida com conteúdo prático:
«Generalização da avaliação nacional: provas para o 4.º ano; provas finais de ciclo no 6.º e 9.º anos, com um peso na avaliação final; exames nacionais no 11.º e 12.º ano.»
Ainda assim, isto precisa de ser esclarecido. Temos aqui três conceitos aparentemente distintos: «provas», «provas finais com um peso na avaliação final» e «exames nacionais». Esta última expressão significa o retorno a exames de carácter eliminatório, ou remete para exames que, tal como as «provas finais», se limitam também a ter um peso na avaliação final? Se esta última hipótese for a correcta, para quê então tanta dispersão vocabular? Não era melhor usar um único conceito? Para um crítico do «eduquês» como “novilíngua” dispensável, não está mal, não senhor!
Por fim, a medida que se segue é deprimentemente idêntica ao que já vinha exposto no programa do PSD: «Reestruturação do Programa Novas Oportunidades com vista à sua melhoria em termos de valorização do capital humano dos Portugueses e à sua credibilização perante a sociedade civil.» Realmente é caso para perguntar, como o Paulo Guinote fez várias vezes, que teia de interesses se move à sombra das Novas Oportunidades para que semelhante aberração se mantenha intocada nos seus pressupostos…
Por que é que uma certa esquerda (mas há outra?) tem feito muitos estragos no ensino
Lemos esta prosa de Daniel Oliveira – um blogger e opinador que até nos merece alguma estima – e vemos o retrato do que uma certa esquerda pensa para o ensino em Portugal. Os punhos de renda que o autor da prosa utiliza para se referir ao programa das Novas Oportunidades dizem tudo sobre a sua visão relativamente a uma das mais abjectas fraudes que se instalou no sistema educativo português, por obra e graça da demagogia socratina. Como o dito programa é para os “pobrezinhos”, os “coitadinhos” que, «depois de um dia de trabalho, ainda arranjam forças para ir a uma escola», não se pode denunciar as Novas Oportunidades como aquilo que realmente são: uma mentira na qual não sei quantas centenas ou milhares de inocentes têm caído, para gáudio da máquina propagandística do PS. Daniel Oliveira acrescenta, sem se rir, que essas pessoas «tiram tempo ao seu tempo para aprender um pouco mais».
Mas aprender o quê? A fazer “portefólios” contando histórias da carochinha, os quais, pelos vistos, até podem ser integralmente comprados na Internet?
Estamos todos a brincar?
A complacência de uma certa esquerda – de que Daniel Oliveira é, neste aspecto, um lídimo representante – para com a fraude das Novas Oportunidades reflecte, no fundo, uma posição mais lata (na verdade, cheia de lata). Uma postura segundo a qual é preciso “desconstruir” a autoridade do professor na sala de aula, deixando-o entregue à descontraída indisciplina dos alunos, esses sim, reis e senhores, sobre os quais o ensino tem de estar “centrado” – o que significa abdicar de lhes transmitir saberes (essas coisas chatas) que possam colidir com aquelas magníficas “competências” que eles levam das suas casas para a escola. Etc., etc., etc.
Estas ideias “de esquerda” – adoptadas, aliás, pelo PSD sempre que foi responsável pela pasta da Educação – conduziram-nos ao lindo cenário de guerra em que muitas escolas estão transformadas, à desvalorização completa (cultural e política) do professor, ao abastardamento dos saberes e à produção de fornadas de jovenzinhos debilóides que vão depois engrossar as fileiras dos praticantes das praxes universitárias – tradução troglodítica do que significa hoje frequentar o ensino superior – para mais tarde acabarem a espernear na próxima «geração à rasca», sem perceberem muito bem (porque nunca perceberam nada) o que lhes aconteceu.
Ok, nós sabemos que não foram só as ideias “de esquerda” que nos trouxeram aqui. Diversos outros factores se acumularam para fazer do sistema educativo o rotundo fracasso em que se transformou (com raras e honrosas excepções, que existem e ainda bem). Mas lá que a esquerda à Daniel Oliveira insiste em não aprender com as asneiras cometidas, é um facto que nos parece evidente.
Educação: um desastre anunciado
Por incrível que pareça, houve professores (baseamo-nos em fontes bem colocadas) que engoliram o número que o primeiro-pantomineiro montou na sua conferência de imprensa de 3.ª feira: uau! Não vai haver cortes nos salários, nem cortes nos subsídios de Natal e de férias, nem despedimentos! Porreiro, pá!
Queridos colegas:
moderem o vosso entusiasmo. Façam o que o outro disse: não entrem em euforia.
Porque…
… o corte anunciado de 195 milhões de euros (cento e noventa e cinco, leram bem) para o sistema de ensino no próximo ano vai representar o maior desastre que se abateu sobre as escolas portuguesas desde o 25 de Abril.
Vocês, que pelos vistos gostam de passar dos cenários depressivos imaginados ao contentamento mais (enfim, utilizemos um eufemismo) ingénuo, comecem a fazer as continhas.
Façam o favor de juntar o número de 195 milhões de euros ao novo cenário laboral criado com a supressão dos quadros de nomeação definitiva. Então, já perceberam? Pois é. Juntem-lhe ainda a reorganização da rede escolar através dos reagrupamentos de escolas, com o «abaixamento das necessidades de pessoal» que tudo isso implica. O redimensionamento dos mapas de pessoal está aí ao virar da esquina. E ele significa isso mesmo: despedimentos.
Os cavalos também se abatem. E os professores igualmente.
Ainda há pouco ouvimos na SIC-Notícias o Professor Silva Lopes a perorar sobre esta redução brutal de custos na educação. Com aquela alegre inconsciência que os nossos economistas alardeiam quando falam do que não conhecem – o ensino -, dizia ele que até se podia ter ido mais longe nos cortes. E lá sacava do “argumento”: pois se em Portugal o rácio de professor por alunos é maior do que a média europeia! Logo, a solução Silva Lopes é: aumente-se o número de alunos por turma ou até (melhor ainda!) aumente-se o horário de trabalho dos professores. Áh ganda Silva! Por acaso, a Lurditas de ouro já fez bastante por isso. E por acaso o “argumento” do tal rácio é uma falácia, como qualquer professor de uma escola dos subúrbios de Lisboa ou do Porto pode confirmar.
Mas que importam estes “detalhes” factuais, quando se pode apertar um pouco mais o torniquete à volta dessa corporação de malandros que são os professorzecos? É despedi-los e pôr a trabalhar mais horas os sacanas que ainda restarem! Aqui está a solução para os problemas do ensino em Portugal.
Ninguém pense que, num quadro como este, vai haver margem de manobra para qualquer alteração de fundo relativamente ao cenário montado pela equipa de Maria de Lurdes Rodrigues. O modelo de gestão escolar unipessoal, por exemplo, está aí para durar. Pois os directores das escolas vão ser agentes fundamentais na política de redução drástica do pessoal docente nos estabelecimentos de ensino. Com professores de espinha cada vez mais dobrada, cheios de medo da sua própria sombra e apavorados com a hipótese de serem os próximos a “quinar”, sem qualquer ambiente propício à contestação e à revolta, os directores vão ter carta branca para redimensionar os mapas de pessoal à medida da sua discricionaridade, e vão usar isso como pressão adicional para se fazerem obedecer. Portanto, longa vida ao actual modelo de administração escolar!
O resto… Bom, o resto (avaliação do desempenho, carreira docente, concursos) é ainda um enigma. Mas é de esperar que em todos esses domínios se reforcem medidas e práticas que acentuem a precarização como norma e a estrita disciplinarização de professores cada vez mais reduzidos à condição de amanuenses do Ministério.
Ainda estão eufóricos?
O estranho caso do Relatório GAVE e do sistema educativo português
Diversos comentários foram feitos a propósito da contradição entre o triunfalismo demagógico, que julgou poder cavalgar os resultados do último PISA, e as conclusões do Relatório 2010 do Gabinete de Avaliação Educacional. Não nos vamos estender muito sobre este último relatório. A esse respeito, o Octávio Gonçalves cobriu praticamente tudo o que há para dizer. Limitamo-nos a constatar que, desta vez, algo correu mal no aparelho de propaganda governamental e na sua filtragem de informações incómodas, proventura um sinal de que a máquina socratina de substituição da realidade pela ficção já conheceu melhores dias. Também por aí se percebe que o festim do poder está a acabar…
Entretanto, gostaríamos de tomar esse relatório como ponto de partida para se pensar seriamente o «estado da arte» no sistema de ensino em Portugal.
É óbvio que as “revelações” do GAVE só podem surpreender os mais distraídos ou os mais fanatizados pela ideia, tão mirífica como falaciosa, de um suposto sucesso da Escola Pública portuguesa nestes 30 anos de democracia. É uma ideia que, à esquerda, tem provocado os maiores malefícios a essa mesma Escola Pública e ao projecto de democratização do ensino que ela deveria encarnar. Que, à esquerda, haja quem insista na falácia, é algo que se vê pela exultação com que um Daniel Oliveira embarcou facilmente no coro de elogios aos resultados do PISA, sem cuidar da forma como estes últimos foram fabricados.
O que o Relatório do GAVE vem agora mostrar é tudo aquilo que os professores, em contacto directo com as misérias do nosso sistema escolar, estão fartos de verificar no seu quotidiano profissional. E que, de resto, muitos deles têm denunciado em confronto com o autismo das sucessivas equipas ministeriais e com a ignorância ou a indiferença do jornalismo “especializado” em temas educativos.
Ora, o primeiro passo para superarmos as insuficiências graves do nosso sistema de ensino é reconhecer que elas existem e não tentar encobri-las com discursos piedosos e mistificadores.
Poderemos depois divergir quanto às soluções.
Mas, pelo menos, há que meter na cabeça, de uma vez por todas, que os modelos adoptados para democratizar o acesso ao ensino em Portugal se têm saldado por resultados catastróficos no que toca às bases fundamentais do conhecimento.
Uma desgraça que o Relatório do GAVE veio agora pôr a nu.
É inútil tanta excitação…
… com os resultados do PISA.
O Octávio Gonçalves e o Luiz Sarmento encarregaram-se de desmontar o truque.
Sócrates instaurou, entre nós, com a cumplicidade de um pseudo-jornalismo ignorante, preguiçoso e subserviente, um reino de faz-de-conta que, hoje, está completamente esfiapado, mas que ele não resiste em tentar ressuscitar, sempre que lhe cheira a eventuais dividendos políticos. E foi vê-lo, entusiasmadíssimo, explorando até à náusea resultados que, devidamente escalpelizados, nem sequer indicam melhorias substanciais em relação às posições anteriores de Portugal e que dificilmente sugerem saltos qualitativos de significado face ao que são os principais problemas do nosso sistema educativo.
Para Sócrates, a propaganda é o único elemento no qual ele sabe e consegue viver, à míngua de outros argumentos, na sua qualidade de ínfima figura da política europeia – a par de outros seus iguais.
Estamos a pagar caro por isso. E vamos continuar a pagar – cada vez mais reduzidos ao triste estatuto do mexilhão…
Sonhar com um aviso no portão das escolas
PROIBIDA A ENTRADA DE CÃES
(ENFIM, DE ALGUNS)
E DE TODOS OS CIENTOLOGISTAS DA EDUCAÇÃO
O Paulo Guinote chama a atenção, neste “post”, para um problema a que já nos referimos por diversas vezes. Existe, no Ministério da Educação, um tipo de gente daninha que se mantém por lá independentemente da cor política de quem ocupa a cadeira ministerial. É essa gente, composta pelos grandes “expertos” em cientologia da Educação, a cavalo nos seus mestrados da Bosta (tradução portuguesa de Boston), que vai definindo, de facto, as políticas educativas deste país, nas quais os ministros põem a sua assinatura de cruz.
E essas políticas, todos sabemos em que consistem: de ciclo político em ciclo político, a qualidade do ensino público afunda-se um pouco mais. E, quando julgamos ter já batido no fundo, descobrimos que ainda há mais espaço para cavar a sepultura da Escola portuguesa.
As famigeradas Novas Oportunidades, de que o Paulo fala, são só uma vertente do abastardamento geral do sistema educativo em que estes senhores insistem. Mas uma vertente singularmente inquietante, pelo que revela de enorme mistificação política, servida por uma máquina muito bem oleada (e financiada). E ela está, com efeito, a transformar insidiosamente o sentido do ensino em Portugal.
Se os professores não começarem, desde já, a contrariar esta tendência para reduzir a Escola a uma fábrica de certificações em série, poderão um dia acordar transformados em formadores proletarizados numa linha de montagem de onde sairão, em massa (bruta), os futuros analfabetizados-com-certificado deste país.