A Cartilha do Bom Sindicalista ou a “Teoria da Cassete” – um texto de José Manuel Faria
A Cartilha do Bom Sindicalista ou a “Teoria da Cassete”
Ponto 1 – Na abalizada visão de certos “fundamentalistas” do sindicalismo-que-temos, os dirigentes sindicais nunca são passíveis de ser criticados (sejam quais forem as asneiras que pratiquem), antes pelo contrário!!!
Ponto 2 – Os ignaros que se atreverem a denunciar as estratégias erradas desses deuses do Olimpo (verdadeiros dinossauros do sindicalismo-que-temos) são sempre mimoseados com os mais desprezíveis epítetos e considerados abaixo de gente.
Ponto 3 – As lutas e movimentações da classe SÓ podem ser concebidas, dirigidas e levadas a cabo sob a égide das referidas divindades. Como corolário, TODAS as iniciativas que não provenham do Olimpo serão necessariamente boicotadas e esvaziadas independentemente do seu eventual mérito, seja por que meios forem….
Ponto 4 – Os dirigentes sindicais (e partidários) nunca devem reconhecer os seus erros nem fazer qualquer autocrítica, mesmo perante manifestas derrotas!!!
Ponto 5 – A evidente subordinação desses dirigentes às mais mesquinhas políticas e interesses partidários é em si mesmo um bem supremo a prosseguir por todos os meios.
Ponto 6 – Resulta óbvio desta filosofia que, sempre que os dirigentes se recusem avançar com formas de luta concretas e incisivas, pactuando ativamente com o inimigo, as bases devem aguardar serenamente melhores dias com aquele espírito de rebanho que caracteriza a ideologia partidária subjacente.
Ponto 7 – É do maior interesse para a classe que, devido às excecionais qualidades evidenciadas por esses grandes líderes, eles se mantenham no desempenho dos seus altos cargos pelo maior número de anos (décadas), manobra bem escorada na blindagem dos estatutos.
Ponto 8 – A prática de referendos e plenários vinculativos para legitimar as decisões mais importantes como acordos, memorandos e formas de luta avançadas é considerada algo de subversivo e perigoso, embora por vezes necessário. Tal só deverá eventualmente realizar-se (a título meramente pontual) se, e só se, o resultado esperado coincidir com a decisão já previamente tomada no “Olimpo”.
Eis o retrato do sindicalismo-que-temos. Será que vamos mantê-lo? Está na nossa mão mudar o panorama!!!
O arranque do ano lectivo – Intervenção no programa “Discurso Directo” na TVI24
Foi o possível… no tempo disponível. Ficaram por abordar, certamente, outros assuntos importantes como a questão da democratização urgente do modelo de gestão escolar, para dar apenas um exemplo. De destacar pela positiva, de modo geral, a participação do público.
Abraço a todos os colegas.
PS- Agradecimento especial ao colega “Calimero” que gravou e disponibilizou o vídeo no “You Tube”.
Reorganização curricular: a verdade “escondida” e as oportunidades perdidas
Sobre a recente reorganização curricular, já apelidada de simples ”haircut” curricular e que, para alguns, não passa de uma hecatombe mitigada, e menos preocupante, em comparação com a que foi proposta pelo governo anterior, é preciso afirmar, com clareza, sem tibiezas e sem receio do contraditório (que se agradece), o seguinte :
Com excepção do par pedagógico em EVT, que para já se mantém (assim como os desdobramentos nas Ciências, só para dar um exemplo do que ainda poderá piorar), a actual reorganização curricular é mais gravosa, em termos de condições de trabalho para a generalidade dos professores, do que a prevista no consulado de Isabel Alçada. Pior para quase todos os grupos disciplinares, com excepção da Língua Portuguesa e Matemática (que ganham em toda a linha). E pior porque os meios blocos, a gerir pela escola, estão a ser atribuídos, em inúmeros agrupamentos, às disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática, reforçando ainda mais a sua carga horária, ou acabam afectados a algo aparentado com o Estudo Acompanhado, mas que só pode ser leccionado pelos professores de Língua Portuguesa e Matemática, ao contrário do que acontecia no passado. Neste sentido, a tal hecatombe, que alguns negam (talvez porque a não sintam na pele), vai mesmo ser real e gravíssima. E não serão apenas os contratados a ser afectados. Há mesmo grupos onde não há horas suficientes para completar horários dos professores do quadro. O triplo “assalto” (que será quádruplo quando regressarem em força os mega-agrupamentos), por via da retirada do meio bloco a gerir pela escola, e da extinção do Estudo Acompanhado e da Área de Projecto (cuja extinção sempre defendemos, mas não com a afectação das horas a apenas duas disciplinas), vai ser absolutamente dramático para muitos milhares de professores, na maioria dos grupos disciplinares.
E a pergunta, fundamental, que importa fazer é esta: representará isso um acréscimo de qualidade no ensino? Professores com 8, 9 e 10 turmas, talvez mesmo 11, em vários grupos disciplinares, conseguirão ensinar com a mesma disponibilidade de tempo para preparem aulas e materiais, avaliarem de forma diversa e continuada e apoiarem todos os alunos com necessidades específicas, colaborando, como sempre, na dinamização de actividades e projectos diversos nas escolas?
Lançar simplesmente mais horas para cima das disciplinas chamadas estruturantes irá resolver o problema? Que avaliação se fez, antes desta decisão, sobre os resultados obtidos com o “PAM” e o “PNL”, só para citar dois exemplos? O que se fará quando, e se, se vier a perceber, pela extensão dos exames a outros anos de escolaridade e disciplinas, que a questão do insucesso não é um problema exclusivo da Língua Portuguesa e da Matemática? Continuarão a dar-se os “ovos” (embora os “ovos” não bastem) apenas às disciplinas “estruturantes”? E a formação em Ciências, não é importante? E a História? E o Inglês? E…? E… haverá “ovos” que cheguem?
Não haverá mais nada a fazer para melhorar a situação que atravessamos? Por exemplo, uma intervenção séria no 1º ciclo (que não sofreu qualquer reorganização); por exemplo, a revisão dos programas; por exemplo, uma clara e correcta articulação curricular (quer vertical, quer horizontal); por exemplo, uma maior clareza e constância nos critérios de correcção dos exames, e no seu grau de dificuldade; por exemplo, um peso maior dos exames em termos de classificação final; por exemplo, uma redução do número de alunos por turma; por exemplo, uma diferente gestão dos apoios educativos, mais flexível e directa, assegurados pelo professor da disciplina, com horas da sua componente não lectiva; por exemplo, a contratação de mais técnicos especializados que pudessem intervir ao nível dos problemas de aprendizagem (dislexias, disortografias, etc.), défices de atenção e outras problemáticas ao nível das necessidades educativas especiais; por exemplo, condições de flexibilidade de horário para que os pais possam deslocar-se à escola, pelo menos uma vez por mês, para acompanharem mais de perto a vida escolar dos seus educandos; por exemplo, menos papelada e burocracia, menos tralhas avaliativas, e mais horas de componente individual, libertando os professores para o acto de ensinar, dando-lhes tempo para pensarem e prepararem melhor, com outras condições, o acto educativo e o apoio aos alunos com maiores dificuldades? Que lhe parecem estes exemplos, caríssimo senhor ministro da Educação? Já agora, caríssimo senhor ministro da Educação, não lhe parece que seria importante ouvir os professores que estão no terreno, sobre estas e outras questões, em vez de continuar fechado no seu gabinete a ouvir somente ”especialistas” e “representantes”? Não lhe parece que seria enriquecedor ouvir, directamente, e em contexto real, aqueles que verdadeiramente tutela?
Uma outra questão para si, caríssimo senhor ministro da Educação: como pretende avaliar professores que trabalharão, por via desta reorganização curricular (mas não só), com 2, 3 , ou 4 turmas (embora com maior componente não lectiva) e outros que leccionarão 8, 9 e 10 turmas, talvez mesmo 11? Do mesmo modo e com os mesmos critérios? Tenha cuidado com os “especialistas”. Aposto que nem se lembram destes “pequenos e irrevelantes” detalhes… Na verdade, caríssimo senhor ministro da Educação, é muito fácil dizer que os professores devem ter liberdade para escolher metodologias e processos de ensino, que o ME não deve querer ser dono da Educação, ditando as orientações pedagógicas. Estamos de acordo. Mas muito mais complicado tem sido perceber, por parte da tutela, que nem todos os professores partem com as mesmas condições, que nem todos os alunos são iguais, que nem todas as turmas têm o mesmo número de alunos, ritmos de trabalho e dinâmicas inter-relacionais, que nem todas as escolas têm as mesmas estruturas de apoio ou condições organizacionais, que nem todos os meios escolares e comunidades educativas têm as mesmas características, etc. etc. etc. E isso, caríssimo senhor ministro da Educação, nunca perceberá, de forma real e vivida, com os seus “especialistas”. Certamente não estiveram nas escolas básicas, a leccionar, nos últimos anos.
Finalmente, um desabafo, uma subida preocupação e uma última pergunta, caríssimo senhor Ministro da Educação: o que pensa acerca da importância da disciplina de História, no contexto curricular? Considera que ela deve ser, ou não, uma disciplina estruturante no currículo? Seja sincero. E depois explique-nos, por favor, se puder, porque razão tem sido tão maltratada e desvalorizada. Podemos explicar-lhe, e demonstrar-lhe facilmente, com números (já que os números são mais a sua área), a forma absolutamente lamentável como a História (e não só) tem sido desprezada, nos últimos anos, pela tutela. É preciso saber se está disposto a juntar o seu nome aos dos políticos que pretendem silenciar a História e, por arrasto, o pensamento crítico. Que sociedade queremos, afinal, construir?
Um texto certeiro de Mário Carneiro sobre o processo de (não) revogação da ADD
O nosso colega Mário Carneiro publicou, no seu blogue, um texto que consideramos de leitura obrigatória. Estão lá muitas das verdades sobre este lamentável processo de (não) revogação da ADD e são bem identificados alguns dos principais responsáveis pela situação presente:
A farsa avaliativa recebeu autorização para continuar
Este país já perdeu a capacidade de surpreender. As coisas mais néscias acontecem com naturalidade, com regularidade e com impunidade. Nos últimos anos, vivemos e convivemos com a incompetência e com a idiotice, quase diariamente.
Por isso, não causou admiração o anúncio do chumbo, decretado pelo Tribunal Constitucional, da revogação da avaliação docente. Não me pronuncio, como já o disse anteriormente, sobre o acerto ou o desacerto das decisões daquele tribunal, porque não tenho competência para isso — ao contrário de muito opinador, não falo do que não sei —, mas pronuncio-me, isso sim, quanto ao processo que conduziu a esta decisão. E pronuncio-me com particular autoridade, porque é da minha vida profissional e da vida profissional de milhares de professores que se trata.
Porque chegámos a este ponto? Sinteticamente, por três razões:
1.ª Porque temos um Governo tecnicamente incompetente e politicamente irresponsável. Como legisla por impulso cego e arbitário, o que produz é, em regra, mau e com consequências desastrosas. Assim aconteceu com a sua política económica e financeira, assim aconteceu com a sua política educativa, assim aconteceu com o seu modelo de avaliação do desempenho dos professores: um amontoado de arbitrariedade e disformidades, com consequências gravíssimas no destino e no desenvolvimento profissional de milhares de docentes.
2.ª Porque temos um presidente da República sem critério de actuação. Sobre questões da mesma natureza, hoje procede de uma forma, amanhã procede de forma oposta. Umas vezes os critérios políticos sobrepõem-se aos critérios formais, outras vezes é o inverso. Navega sem norte, segue ao sabor do vento, ou ao sabor das suas próprias conveniências. Várias decisões, do Governo ou da Assembleia da República, não foram julgadas pelo PR segundo o mesmo critério com que julgou a revogação da avaliação dos professores. Assim aconteceu, por exemplo, com o recente corte nos salários dos funcionários públicos, que tanta polémica suscitou acerca da sua constitucionalidade. Apesar das fundadas dúvidas publicamente apresentadas por vários especialistas, o PR não dirigiu ao TC qualquer pedido de fiscalização preventiva. Nessa altura não teve pruridos constitucionais. Agora teve-os. Porquê? Não se sabe.
3.º Porque temos um partido político, o PSD — único responsável partidário (para além do PS, como é óbvio) pela situação a que hoje se chegou — que nesta matéria, como em outras, sempre agiu segundo critérios de oportunismo e de cinismo político. Nunca agiu movido por convicções sérias, mas apenas por aleatórios circunstancialismos de natureza eleitoral. Os factos, para a história, são estes:
i) No fim de 2009, o PSD, poucos dias antes da votação da proposta de suspensão do modelo de avaliação, declarava publicamente a sua absoluta concordância com Santana Castilho, que, num debate na Assembleia da República, para o qual tinha sido convidado pelos sociais-democratas, defendeu a sua imediata e imperiosa suspensão;
ii) Chegado o dia da votação, o PSD absteve-se, impedindo que o modelo fosse suspenso. Sem o mínimo de pudor, Aguiar Branco e Pedro Duarte simbolizaram, no Parlamento, o que de mais repulsivo existe em muitos políticos: a falta de seriedade, a falta de palavra;
iii) No ano lectivo 2010/2011, salvo o erro, por duas vezes, o PSD voltou a impedir que o actual modelo de avaliação fosse revogado, não apoiando as propostas legislativas que, nesse sentido, foram apresentadas pelo BE e pelo PCP;
iv) Só em Março deste ano, não se sabe bem por que razões, o PSD decidiu votar a favor da revogação. Tarde e a más horas e, como se vê pelos resultados, de forma incompetente.
Se a mediocridade, a incompetência e a falta de seriedade política residissem apenas no seio do Governo e do PS, já há muito que este modelo de avaliação tinha sido chumbado e já há muito que as escolas e os professores tinham ficado livres de uma farsa que os atinge e indigna. Mas, desgraçadamente, não é assim. A mediocridade, a incompetência e a falta de seriedade política são características bem marcantes dos partidos do denominado bloco central. Não admira, pois, que o país, que a Educação e que, neste caso, os professores estejam confrontados com esta oprobriosa situação.
A ADD no Semanário SOL e as respostas (completas) da APEDE
Reproduzimos, de seguida, as questões que nos foram colocadas pela jornalista Margarida Davim e as respostas na íntegra:
Nas escolas, que trabalho foi já feito de acordo com este modelo de avaliação do desempenho?
Nalgumas escolas já se verificaram assistência a aulas, noutras houve pedidos de esclarecimento relativamente aos indicadores e descritores (esclarecimentos que ninguém conseguirá dar, de forma precisa e esclarecedora, dada a forma absurda e profundamente incompetente como foram formulados). Há pois escolas que estão numa fase muito inicial e, mesmo noutras, onde o processo estará mais adiantado, sabemos que existem sérias dificuldades na operacionalização. A noção óbvia que prevalece é a de que, para se concluir este processo avaliativo, com este modelo de ADD, seria necessário fechar muito os olhos à razão, à justiça e à seriedade profissional.
Aquilo que já tinha sido feito nas escolas é, de acordo com a informação de que dispõe, muito semelhante? Ou há escolas em fases muito diferentes deste processo?
A verdade é que este processo foi decorrendo com calendários díspares de escola para escola, em parte pelas razões acima referidas, mantendo-se até um certo secretismo no desenvolvimento de cada uma das várias fases de aplicação do modelo, em cada escola, pois as CCAD não se pautam inteiramente pela transparência de procedimentos, fora do grupo restrito dos professores avaliadores. Como referi acima há realmente escolas em fases muito diferentes do processo.
Com a suspensão deste modelo, os professores devem entregar um relatório de auto-avaliação para poderem ainda beneficiar de uma avaliação?
De acordo com a norma transitória aprovada na AR, os professores deverão ter uma “apreciação intercalar” com vista à conclusão deste ciclo avaliativo. Logicamente, os professores não poderiam perder o tempo de serviço correspondente a estes dois anos de trabalho, que efectivamente cumpriram, tendo em vista a progressão futura na carreira (por agora congelada).
Com as progressões na carreira suspensas, que benefícios terá ser avaliado?
Com o actual modelo de avaliação, em termos formativos e de melhoria das práticas, absolutamente nenhumas. A única vantagem é a salvaguarda do tempo de serviço. Convirá insistir num ponto: os professores nunca deixaram de ser avaliados, nunca deixaram de se confrontar com as suas práticas, no sentido da reflexão e melhoria, quer em termos individuais, quer no trabalho desenvolvido no seio dos seus grupos disciplinares, departamentos e demais órgãos de gestão escolares.
Como é que foi recebida pelos docentes a notícia da suspensão deste modelo?
Naturalmente com satisfação, pese embora o atraso nesta tomada de decisão que já deveria ter acontecido, pelo menos, no final de 2009. A sensação que tínhamos, e agora confirmamos, é que a Razão teria de acabar por triunfar sobre as campanhas de manipulação da opinião pública, e as mentiras sobre a avaliação dos professores, que se multiplicaram, com origens diversas, nestes últimos dois, três, anos e também sobre as injustiças, arbitrariedades, incompetência técnica e iniquidades diversas que decorrem deste modelo de ADD.
Como é que comenta a afirmação da ministra Isabel Alçada, quando esta diz que a suspensão foi votada apenas por «motivos políticos»?
A APEDE congratula-se com o fim desta farsa e só lamenta o tempo que se perdeu até que tal fosse conseguido. A sua não suspensão, por parte do governo é que se deveu seguramente a “motivos políticos”, de pura retaliação contra os professores e de bravata política por parte de José Sócrates que elegeu os professores como uma classe a amesquinhar e que ergueu a ADD como uma bandeira que não poderia cair, de modo algum, sob risco de perder a face e sofrer uma clara derrota política. A verdade clara, claríssima e inatacável, é que não há nenhuma razão pedagógica para se manter de pé este modelo de ADD. Não se encontra nele qualquer utilidade ou ganho para a Escola ou para o trabalho de professores e alunos. E o governo, claramente por “motivos políticos” (e também economicistas, bem o sabemos), persistiu nessa imposição cega, contra todo o bom senso, infernizando a vida nas escolas, apenas para não perder a face, em termos de imagem pública. A razão estava do lado dos docentes, esteve sempre e, de uma forma ou de outra, acabaria por vir ao de cima a justeza dos nossos argumentos contra este modelo de ADD. Consideramos profundamente irónico, e até algo patético, que Isabel Alçada venha falar de “motivos políticos” para a sua suspensão, quando a ADD se manteve em grande medida por “motivos políticos”. Só o governo não quis perceber, ou aceitar, as diversas e repetidas evidências de absoluta falência técnica e inexequibilidade da ADD que os professores foram tornando públicas, ao longo dos últimos tempos, através de diversas tomadas de posição, que foram sempre comunicadas ao Parlamento e aos diversos grupos parlamentares.
Houve aqui alguma tentativa de aproveitamento eleitoral por parte do PSD?
Será importante conhecer e avaliar o programa eleitoral do PSD para se perceber melhor se esta foi uma medida avulsa, tomada apenas no momento, com vista a “seduzir” potenciais eleitores, ou se se enquadra numa proposta global para a Educação que seja coerente e orientada para a defesa da Escola Pública, da qualidade do Ensino e da valorização socioprofissional dos docentes. Uma coisa é certa: o PSD já teve oportunidades anteriores para tomar uma posição deste género e não o fez. Isso certamente provocou um descontentamento eleitoral para com o PSD por parte dos professores.
Como deverá ser o modelo de avaliação do desempenho dos professores?
A APEDE apresentou, publicamente (inclusive junto da Comissão de Educação da AR), em devido tempo (Dezembro de 2009), a sua Proposta Global Alternativa, que pode ler-se aqui. Em resumo, e sobre a nossa proposta de modelo de ADD, ficam os seguintes tópicos:
-não deve sujeitar-se aos espartilhos e entropias resultantes da ideologia pedagógica reinante no ME, vulgo “eduquês”, nem ao modelo da “performance” empresarial;
– não deve ser fragmentada em actos parcelares, atomizada e afogada em procedimentos puramente burocráticos;
– não deve basear-se exclusivamente na avaliação entre pares;
– deverá ser essencialmente formativa, tendo apenas reflexos directos na progressão na carreira em duas situações: nos casos de reconhecido mérito excepcional ou naquelas em que se registe um reiterado incumprimento de deveres e obrigações ou manifesta inadequação a funções docentes;
– compreenderá, fundamentalmente, três componentes/modalidades com periodicidade e objectivos distintos:
a) uma primeira componente de auto e hetero avaliação, de carácter exclusivamente formativo, realizada anualmente no âmbito dos grupos disciplinares, com vista a uma análise conjunta das práticas e estratégias desenvolvidas, podendo existir recurso à mútua assistência de aulas, numa perspectiva de partilha e melhoria das práticas.
b) uma segunda modalidade que designamos por avaliação funcional, efectuada no ano correspondente à mudança de escalão, abrangendo o período de permanência no mesmo, a cargo do órgão de gestão executiva (ouvido o delegado de grupo disciplinar) e que focará os aspectos administrativos, de distribuição do serviço e de cumprimento de normas e objectivos definidos na escola, valorizando também a formação contínua efectuada pelo professor. Desta modalidade de avaliação resultará a atribuição das menções de “Satisfaz” ou “Não Satisfaz”, com diferentes consequências quanto à progressão na carreira e contabilização de tempo de serviço.
c) finalmente, consideramos igualmente necessária uma componente de avaliação externa do desempenho global da escola e dos grupos disciplinares, que identifique e permita corrigir dificuldades ou actuações claramente inadequadas, mas que também possa salientar e difundir boas práticas.
Haverá condições para que a maioria dos professores aceite um modelo de avaliação do desempenho?
Não tenho dúvidas, desde que se resolva o problema da burocracia e da credibilidade e competência dos avaliadores, se desligue a avaliação de desempenho da existência de quotas na progressão (a avaliação poderá ter relação com a carreira, acelerando-a ou atrasando-a, de acordo com as condições que defendemos na nossa proposta de ADD) e que a avaliação de desempenho contemple uma forte componente formativa e de melhoria das práticas.
Neste contexto, que importância terá a Marcha pela Educação, promovida pelos sindicatos, no dia 2 de Abril?
Deixámos de acreditar nos actuais dirigentes sindicais, comprometidos que estão com a assinatura de “Memorandos” e “Acordos”, e feridos na sua credibilidade por um conjunto de coreografias negociais que apenas atrasaram a luta dos professores e não têm resolvido os seus problemas, sentidos no dia-a-dia nas escolas. Entendemos mesmo que urge uma renovação nas estruturas sindicais e nos seus estatutos e funcionamento, e um refrescamento da “praxis” de luta, abandonando velhos vícios e rotinas, sustentado num diálogo concreto e comprometido com a base dos professores, escola a escola, com vista a um acréscimo de representatividade e credibilidade, não só junto da classe mas, também, perante a opinião pública. E isso já não nos parece possível com os actuais dirigentes, cuja agenda reivindicativa e estratégia de condução da luta são, no essencial, tributárias da agenda política dos partidos que os controlam. Esta “Marcha da Educação” surge como mais uma iniciativa avulsa e sem consistência, uma simples prova de vida, um acto que não se articula com um plano de luta coerente e consequente. Marcha da Educação que foi lançada a partir de uma Plataforma de instituições que já se desuniu e que não dá mostras de qualquer unidade e coerência de propósitos.
Com a dissolução da Assembleia da República, que medidas de política de Educação ficam em suspenso?
Há outros temas na agenda dos professores que devem continuar a merecer a atenção de um futuro governo e, claro está, do Parlamento:
– a alteração do actual modelo de gestão, que deve ser revisto, no sentido de fazer regressar a democracia plena às escolas;
– a necessidade de se reabrir a revisão do ECD para acabar, de vez, com desigualdades na progressão entre professores (entre outros aspectos);
– a importantíssima questão dos mega-agrupamentos, que tem apenas por base intuitos economicistas, sem se cuidar, minimamente, da qualidade do Ensino, da identidade própria de cada escola e respectiva comunidade escolar, dos aspectos organizativos e de gestão, sem falar da segurança dos alunos, entre outras questões;
– a situação dos professores contratados, eternamente precários, que urge resolver;
– o Estatuto do Aluno que continua a merecer reparos e correcções, nomeadamente no que respeita às situações de indisciplina (o Parlamento aprovou medidas de criminalização do “bullying”, que agora ficaram suspensas), sua prevenção e combate;
– a reformulação curricular e dos programas, a requalificação dos espaços escolares, etc.
Para Além do Limite: Um texto (e uma “pedrada no charco”) do nosso colega Paulo Prudêncio.
O texto que a seguir transcrevemos, publicado ontem, pelo nosso colega Paulo Prudêncio, no seu blogue “Correntes”, e com a sua assinatura, é um texto de um professor que tem manifestado, desde sempre, uma enorme coerência neste processo de luta, e que ninguém pode acusar de imprudente, irresponsável ou menos ponderado. No nosso entender, deveria merecer uma atenção cuidada e ser alvo de séria reflexão por quem de direito.
A suspensão deste modelo de avaliação de professores depende dos sindicatos. Se estas organizações manifestaram, sem equívocos, à Assembleia da República que é isso que defendem, o modelo desmiolado será revogado.
Depois de contribuírem, em 2008, para um corte na coluna vertebral da luta dos professores com a assinatura de um entendimento só possível entre pessoas sem sala de aula e quase sem escola, os sindicatos de professores têm neste momento uma derradeira oportunidade para não perderem de vez a força que a dignidade dos professores lhes tem conferido.
Estou a medir muito bem o que estou a escrever. Digo pela enésima vez que sou sindicalizado desde sempre (e mesmo que não o fosse), contribuo para a APEDE quando o movimento necessita e não tenho (nem nunca tive) militância partidária. Faço política com este blogue, e com mais outras acções, e estou sempre disponível para conhecer ou apoiar novas formas de intervenção na sociedade.
Tenho adversários, principalmente os políticos e sindicalistas mesquinhos que se agarram a qualquer cargo como lapas em busca de sobrevivência. Já não tenho paciência para os jogos de sombras dos sindicatos de professores, nem para o seu estilo sociedade secreta tão do género adolescente retardado como uma qualquer ala da maçonaria ou da opus dei. Brinquem lá às escondidas uns com os outros, mas tenham um gesto autónomo que defenda a dignidade e a profissionalidade de quem vos paga quotas ou permite que se projectem numa vida profissional sem pôr os pés numa sala de aula. Em vez de andarem a perder tempo com a descoberta das biografias de quem se movimenta nas redes sociais, é melhor que estudem e que tomem posições convocadas pela coerência e pela verticalidade.
Chega. Basta. E é escusada a argumentação estafada da ponderação ou articulação com a avaliação de outros grupos profissionais.
A Vitória (provisória) Que Não Derrota
A recente decisão do TAF de Beja (que saudamos) impondo a retirada (ainda que provisoriamente) dos resultados da ADD do actual concurso de professores é um verdadeiro bálsamo e uma solução perfeita para aqueles que nunca erram e nunca perdem.
O ME não poderia nunca recuar ou tomar outra decisão que não fosse aquela que sempre defendeu: “a avaliação não foi um simulacro” (foi o quê então?) e deve ser considerada nos concursos. Alterar esta posição representaria sempre uma tremenda derrota política do primeiro-ministro e um problema complicado para o ME no sentido em que teria de explicar aos professores, que obtiveram MB e Excelente, porque razão dava o dito por não dito, retirando-lhes o “rebuçado” que tantas vezes apregoou como fundamental para distinguir e premiar o “mérito”. Esta decisão do tribunal é, claramente, a solução perfeita pois, deste modo, Isabel Alçada poderá sempre argumentar que o ME apenas cumpriu uma decisão judicial, mesmo não concordando, ficando assim ilibado perante os oportunistas que possam agora sentir-se prejudicados em sede de concurso.
Para os sindicatos, sobretudo para a FENPROF e o seu muito incomodado dirigente máximo, esta poderá ser a solução possível para se reafirmar a extraordinária capacidade de defesa dos interesses dos professores, tentando iludir a teia de contradições, fracassos e inseguranças que têm polvilhado a sua acção e afirmações mais recentes. E sobre estas últimas seleccionamos apenas duas, bastante reveladoras e interessantes:
Primeira afirmação: “As actas negociais são feitas por juristas e assinadas após correcção. São públicas. Qualquer sindicalizado as pode consultar no seu Sindicato. Quanto à acta de 7 de Janeiro (do acordo), ainda não se conhece, porque não foi enviado à FENPROF o projecto para correcção.” Mário Nogueira, in, jornal “Público”, 3 de Maio.
Perante isto, e dada a gravidade da situação, estando nós a 9 de Maio (mais de 4 meses depois) muito poderíamos dizer mas… será suficiente citar o ditado popular: “o amor é (mesmo) cego”!
Segunda afirmação: “Se eles nem são sindicalizados, para que querem ter influência no que fazemos?” Mário Nogueira , in, Semanário “Sol”, 7 de Maio.
Pois… esta é que é a grande questão! Esta é a questão que verdadeiramente INCOMODA aqueles que se habituaram, ao longo dos anos, a comandar e a decidir sozinhos, nas cúpulas directivas, como, quando e onde, se desenvolveria a luta dos professores. Acontece que não o souberam fazer a contento dos professores e, por isso, a luta “saltou dos carris”, explodiu nas escolas, na blogosfera, nos movimentos independentes e nunca mais nada foi como era antes. E ainda bem, pois ninguém poderá negar a importância e relevância desta resistência “desalinhada” em tantos momentos da luta. Ignorá-la ou pretender “domesticá-la” e/ou descredibilizá-la é um erro escusado e absurdo pois não passa de um acto falhado e contraproducente.
AS PALAVRAS NECESSÁRIAS
Numa altura em que alguns se precipitam, de forma pouco avisada, para as garrafas de champanhe, Santana Castilho diz, neste artigo, tudo o que há para dizer, tudo o que é preciso ser dito.
Perdoem hoje o estilo. A prosa sairá desarticulada, quais dardos soltos. Este artigo é, conscientemente, feito de frases curtas. Cada leitor, se quiser, desenvolverá as que escolher. Meu objectivo? Manter a sanidade mental. Escorar a coluna vertebral. Resistir. Este artigo é também uma reconfirmação de alistamento na ala dos que não trocam os princípios de uma luta pelo pragmatismo de um lance. Porque amo a verdade e a dignidade profissional como os recém-chegados ao mundo amam o bater do coração das mães. Porque não esqueço os que nenhum lance poderá já compensar. Porque com a partida prematura deles perderam-se pedaços da Escola que defendo. Porque pensar em todos é a melhor forma de pensar em cada um.
A avaliação do desempenho é algo distinto da classificação do desempenho. A avaliação do desempenho visa melhorar o desempenho. A classificação do desempenho visa seriar os profissionais. Burocratas que morreram aos 30 mas só serão enterrados aos 70 tornaram maior uma coisa menor. Quiseram reduzir realidades díspares à unicidade de fichas imbecis. Tiveram a veleidade Kafkiana de particularizar em 150.000 interpretações individuais os objectivos de uma organização comum a todos. Convenceram a populaça que se mede o intangível da mesma forma que se pesam caras de bacalhau. Chefiou-os uma ministra carrancuda, que teve o mérito de unir a classe. Chefia-os agora uma ministra sorridente, que já se pode orgulhar de dividir a classe. Porque, afinal, custa, mas não há classe. Há jogos! De cintura. De bastidores. De vários interesses. Parlamentares, sindicalistas, carreiristas e pragmatistas ajudaram à Babel. Da sua verve jorra a água morna de Laudicéia, a que dá vómitos.
Alçada derreteu o implacável Mário Nogueira que, em socorro da inexperiência da ministra, veio, magnânime, desculpar-lhe as gafes. E, cristãmente, entendeu agora, de jeito caridoso, que não seja suspenso o primeiro ciclo avaliativo. Esqueceu duas coisas: o que reclamou antes e que ciclos avaliativos são falácias de anterior ministra. Ciclos avaliativos, Simplex I, Simplex II e o último expediente (no caso, um comunicado à imprensa, pasme-se) para dizer às escolas que não prossigam com o que a lei estabelece são curiosos comandos administrativos. Uma lei má, iníqua, de resultados pedagogicamente criminosos, devia ter morrido às mãos do parlamento. Por imperativo da decência, por precaução dos lesados, por imposição das promessas de todos. Quanto à remoção das mágoas, meu caro Mário Nogueira, absolutamente de acordo. Depois de responsabilizar os que magoaram. Depois de perguntar aos magoados se perdoam. Por mim, cuja lei foi sempre estar contra leis injustas, a simples caridade cristã não remove mágoas. Não sei perdoar assim, certamente por falta de céu.
Agora, porque sou amigo de Platão mas mais amigo da verdade, duas linhas para Aguiar Branco. Gostei de o ouvir dizer, a meu lado e a seu convite, que a avaliação do desempenho era para suspender. Mas não justifique a capitulação com a semântica. Poupe-me à semântica, porque a semântica não o salva. Enterra-o. Suspender é interromper algo, temporária ou definitivamente. É proibir algo durante algum tempo ou indefinidamente. Substituir é colocar algo em lugar de. Não só não tinha como não terá seja o que for, em 30 dias, para colocar em lugar de. Sabe disso. Bem diferente, semanticamente. Mas ainda mais importante nos resultados. O Bloco Central reanimou-se nas catacumbas e o PS agradeceu ao PSD o salvar da face. Mas os professores voltaram a afastar-se do PSD, apesar do arrependimento patético de Pedro Duarte. E, assim, o PSD falha a vida!
Um olhar aos despojos. Reverbera-se a falta de capacidade de muitos avaliadores para avaliar, mas homologam-se os “Muito Bom” e “Excelente”, que significam mais 1 ou 2 pontos em concurso. Os direitos mal adquiridos de alguns valeram mais que os direitos bem adquiridos de muitos (como resolverão, a propósito, os direitos adquiridos dos “titulares” que, dizem, vão extinguir?). Porque toca a todos, muitos “titulares” que não tinham vagas de “titulares” em escolas que preferiam, foram ultrapassados em concurso por outros de menor graduação profissional, que agora lá estão, em almejados lugares de quadro. Ao mérito, há muito cilindrado, junta-se uma palhaçada final, em nome do pragmatismo. Muitos dos que foram calcados recordam agora que negociar é ceder. Mas esquecem que os princípios e a dignidade são inegociáveis, sendo isso que está em jogo. Um modelo de avaliação iníquo, tecnicamente execrável e humanamente desprezível, que não lhes foi aplicado ao longo de um processo, é agora aceite, em nome do pragmatismo, para não humilhar, uma vez, quem os humilhou anos seguidos.
Sócrates, que se disse animal feroz, vai despindo a pele. Mas não nos esqueçamos da resposta de um dos sete sábios da Grécia, quando interrogado sobre o mais perigoso dos animais ferozes. Respondeu assim: dos bravos, o tirano. Dos mansos, o adulador.
Vão seguir-se meses de negociações sobre o estatuto. O défice, que levou à divisão da carreira e às quotas, agravou-se. Se a desilusão for do tamanho da ilusão, tranquilizem-se porque a FENPROF ficará de fora, como convém, e a FNE poderá assinar um acordo com o Ministério da Educação, como não seria a primeira vez. Voltaremos então ao princípio. O que é importante continuará à espera. Mas guardaremos boas recordações de duas marchas nunca vistas.