Do sindicalismo-que-temos ao sindicalismo-que-gostávamos-de-ter
(Desta vez vai assinado, por razões óbvias)
Na caixa de comentários do “post” anterior, o Francisco Santos deixa lá um desafio que merece resposta. Pede-me ele que deixe de falar só do sindicalismo-que-temos e que indique referenciais para o sindicalismo que eu gostava de ter. Ele sabe que eu sei que ele sabe que nenhum dos candidatos a “referencial” por ele mencionados representam, para mim, alternativas ao tal sindicalismo-que-temos. Por aqui ficamos conversados.
Também não me vou repetir sobre as razões pelas quais me parece que o sindicalismo-que-temos está, por ora, suficientemente blindado para resistir a quaisquer iniciativas de transformação interna. Já falei “n vezes” da oligarquização dos sindicatos para me estar a repetir nessa matéria. Em relação aos sindicatos tenho de me conformar com a evidência dos limites estruturais que se colocam a certas acções transformadoras: há constrangimentos impostos por determinados contextos sociais e políticos que não conseguimos evitar ou contornar. Se vivêssemos numa situação pré-revolucionária, com toda a mobilização que ela pode acarretar, talvez fosse possível que grupos organizados de pessoas, animados pelo projecto de transformar toda a estrutura e funcionamento dos sindicatos, tomassem democraticamente o poder dentro dessas estruturas e lhes dessem uma volta de 180º. Como as coisas estão actualmente, parece-me chover no molhado. Isto para preâmbulo.
Mas há algo de que me apetece falar. Não é bem aquilo que o Francisco quer, mas é uma coisa que me dá “mais tese” (como diria o bom do Fragoso Fernandes – “private joke” só para os “very few”).
Apetece-me falar do sindicalismo-que-gostava de ter, o qual, por acaso, é muito parecido com o sindicalismo-de-que-precisamos. Antes de lhe enunciar aqui as qualidades, impõe-se uma ressalva. Quando me refiro às maleitas do sindicalismo-que-temos, estou ciente de que elas não existem apenas nos sindicatos nacionais. Hoje fala-se muito da crise geral do sindicalismo, que não está distribuída da mesma forma por todos os países, mas que afecta fortemente várias regiões da Europa, de que a França, com taxas de sindicalização inferiores a Portugal em diversos sectores, é um bom exemplo. Portanto, eu começaria por dizer, indo à tal lista de “virtudes” sindicais, que
– gostava de ter sindicatos com direcções que não assobiassem para o lado quando se fala de crise do mundo sindical, que procurassem compreender os motivos profundos para a diminuição drástica de trabalhadores sindicalizados, que não se precipitassem a lançar as culpas disso para a escassa consciência política dos malandros dos trabalhadores, e que, finalmente, tentassem ver a relação existente entre as suas práticas e a hemorragia no número de associados. Claro está que este é um desiderato difícil de atingir quando se constata que as direcções sindicais estão mais interessadas em se perpetuar no poder, custe o que custar, independentemente do que possa estar a acontecer à substância das organizações que dirigem.
– Também gostava de ter sindicatos que fossem efectivamente independentes de agendas e de estratégias (ou tácticas) político-partidárias. Estas colonizaram por completo as federações sindicais deste país, tendo estado, aliás, na sua génese. E, neste caso, o que nasceu torto não tem cura possível – ou, pelo menos, previsível nos tempos mais próximos. Poder-se-á dizer que as agendas político-partidárias não são, necessariamente, um mal, e que tudo depende do seu conteúdo. Mas a experiência tem provado, à saciedade, que só de modo fortuito essas agendas coincidem com os interesses reais dos trabalhadores, já que elas obedecem a lógicas próprias, muitas vezes em contradição com esses interesses.
– Gostava, por isso, de ter sindicatos que, à mesa das negociações, não traíssem os interesses dos trabalhadores que dizem representar, que não colocassem à frente de tais interesses as referidas agendas e os citados projectos pessoais de perpetuação no poder, que não trocassem aquilo que deveria ser o seu objectivo maior pela vaidade efémera, ou pela obscura jogada táctica, de aparecer na fotografia ao lado do ministro mais prazenteiro ou da ministra mais beijoqueira.
– Acima de tudo, gostava de ter sindicatos mais combativos – tão urgentes nos tempos que correm. Sindicatos que estivessem sistematicamente presentes nos locais de trabalho e que mobilizassem, para isso, os largos meios de que dispõem – que só são postos em marcha quando se trata de preencher o noticiário com mais uma manifestação que até pode ter muitos milhares, mas cujo efeito se esgota no dia seguinte (e que, por isso, me impressionam muito pouco). Sindicatos presentes no maior número possível de locais de trabalho, e não num ou noutro escolhidos a dedo para marcar o ponto de rotineiras reuniões sindicais a que poucos comparecem. Sindicatos realmente dispostos a ouvir os trabalhadores, a auscultar-lhes os desejos e as angústias. A aprender com eles e a agitá-los quando for preciso. Afinal, a fazerem o tipo de coisas que os sindicalistas realizaram em épocas bem mais árduas e difíceis, em situações de ditadura e de total privação de direitos laborais.
(É que há aqui um equívoco que importa desfazer: eu tenho muito respeito e admiração pelos dirigentes sindicais que lutam pelos direitos dos trabalhadores em condições duríssimas, que são muitas vezes presos, torturados e assassinados. Tenho muito respeito e admiração pelos sindicalistas que, de raiz, inventaram e reinventam o sindicalismo onde ele não existe. Não tenho é grande consideração pelos dirigentes que fazem sindicalismo de sofá, que preferem o conforto e o reconhecimento dos gabinetes ministeriais à verdade nua e crua dos locais de trabalho, a qual se limitam a evocar em retóricas mais ou menos floreadas)
– Por fim, gostava de ter sindicatos (e dirigentes sindicais) dispostos a pisar o risco em situações excepcionais, como a que vivemos agora. Que não hesitassem, tomando o pulso ao que se passa no terreno, em partir para lutas que, sendo pacíficas, assumissem a ruptura com a legalidade instituída sempre que esta represente uma injustiça e um reforço dos mecanismos de exploração dos trabalhadores (sim, o jargão é marxista, e tem mesmo de ser). Não foi da desobediência civil que o sindicalismo nasceu? No momento actual – e é óbvio que não estou a falar (só) de Portugal – o sindicalismo precisa de reatar com a sua matriz histórica, feita de lutas radicais e ilegais, se quiser desempenhar algum papel de relevo nos combates que se avizinham.
Sei que não respondi ao que o Francisco Santos queria, e adivinho o rol de objecções. Mas é disto que, no meu modesto entender, importa falar aqui e agora.
Mário Machaqueiro
É só para anestesiar?
Já referimos aqui várias vezes o papel de contenção/controlo/diluição das lutas sociais que, em Portugal (e não só), tem caracterizado a esquerda-que-temos e o sindicalismo-que-temos. Lamentamos ter de regressar ao assunto e bater na mesma tecla, mas a evidência actual é tão deprimente que não podemos evitá-lo.
É verdade que, nos tempos actuais desta crise fabricada, o mundo laboral parece paralisado por um misto de impotência e de medo – dois sentimentos pouco propícios para incendiar revoltas.
Mas, mesmo assim, será pedir demais a correntes políticas e a organizações historicamente forjadas em lutas sociais muito além dos gabinetes parlamentares e dos corredores ministeriais que façam um esforço, por tímido que seja, para agitarem as pessoas em lugar de as anestesiar ainda mais?
Aviso à navegação (e a certos “navegadores” disfuncionais): quando falamos de agitar não estamos, naturalmente, a pensar em manifestações folclóricas para preencher calendário.
Estamos a pensar em iniciativas muito mais exigentes, feitas nos locais de trabalho, para organizar os trabalhadores no combate por direitos elementares que estão a ser sistemática e metodicamente destruídos.
E quando falamos em iniciativas nos locais de trabalho, que fique claro que não estamos a pensar em reuniões sindicais rotineiramente marcadas para que apenas poucos compareçam (já que a maioria, por descrença fundada, há muito desertou desse género de “acções”).
Os sindicatos e os partidos de esquerda – os que têm assento na Assembleia da República – estão hoje confrontados com um dilema:
vão arriscar politicamente e mobilizar os recursos que têm (e que não são escassos) para tentar reconquistar capital e prestígio junto dos trabalhadores e dos desempregados deste país, procurando mobilizá-los para lá da rotina e do faz-de-conta, ou vão preferir jogar pelo seguro, optando por formas moles de fazer política, concebidas apenas para lhes garantir a sobrevivência e o pequeno tacho?
Notem que uma pergunta como esta, no momento actual, não é de somenos importância.
(Aguardamos as reacções iradas dos funcionários do costume…)
A Cartilha do Bom Sindicalista ou a “Teoria da Cassete” – um texto de José Manuel Faria
A Cartilha do Bom Sindicalista ou a “Teoria da Cassete”
Ponto 1 – Na abalizada visão de certos “fundamentalistas” do sindicalismo-que-temos, os dirigentes sindicais nunca são passíveis de ser criticados (sejam quais forem as asneiras que pratiquem), antes pelo contrário!!!
Ponto 2 – Os ignaros que se atreverem a denunciar as estratégias erradas desses deuses do Olimpo (verdadeiros dinossauros do sindicalismo-que-temos) são sempre mimoseados com os mais desprezíveis epítetos e considerados abaixo de gente.
Ponto 3 – As lutas e movimentações da classe SÓ podem ser concebidas, dirigidas e levadas a cabo sob a égide das referidas divindades. Como corolário, TODAS as iniciativas que não provenham do Olimpo serão necessariamente boicotadas e esvaziadas independentemente do seu eventual mérito, seja por que meios forem….
Ponto 4 – Os dirigentes sindicais (e partidários) nunca devem reconhecer os seus erros nem fazer qualquer autocrítica, mesmo perante manifestas derrotas!!!
Ponto 5 – A evidente subordinação desses dirigentes às mais mesquinhas políticas e interesses partidários é em si mesmo um bem supremo a prosseguir por todos os meios.
Ponto 6 – Resulta óbvio desta filosofia que, sempre que os dirigentes se recusem avançar com formas de luta concretas e incisivas, pactuando ativamente com o inimigo, as bases devem aguardar serenamente melhores dias com aquele espírito de rebanho que caracteriza a ideologia partidária subjacente.
Ponto 7 – É do maior interesse para a classe que, devido às excecionais qualidades evidenciadas por esses grandes líderes, eles se mantenham no desempenho dos seus altos cargos pelo maior número de anos (décadas), manobra bem escorada na blindagem dos estatutos.
Ponto 8 – A prática de referendos e plenários vinculativos para legitimar as decisões mais importantes como acordos, memorandos e formas de luta avançadas é considerada algo de subversivo e perigoso, embora por vezes necessário. Tal só deverá eventualmente realizar-se (a título meramente pontual) se, e só se, o resultado esperado coincidir com a decisão já previamente tomada no “Olimpo”.
Eis o retrato do sindicalismo-que-temos. Será que vamos mantê-lo? Está na nossa mão mudar o panorama!!!
À terceira só cai quem quer…
Notícia de hoje no Jornal Público, com algum contraditório pelo meio…
Uma vez que os sindicatos-que-temos vão voltar amanhã à mesa negocial (?!) seria importante que fossem para além da novela da ADD e colocassem em cima da mesa outros importantes assuntos/reivindicações que já descrevemos, sucintamente, no post anterior e que aqui recuperamos: para além da escandalosa situação dos concursos (??!) para as escolas TEIP (abordada nos post’s anteriores), a questão das indemnizações por caducidade de contrato (não basta aconselhar os professores a irem para tribunal), a ameaça de não pagamento de horas extraordinárias (que se vai ouvindo em diversas escolas), a não consideração dos resultados da ADD em sede de concursos, a garantia da abertura de concursos, para afectação a quadro, num futuro próximo e com a obrigatoriedade do redimensionamento das vagas, substituindo-se a insultuosa figura das “necessidades transitórias” (que de transitório só têm mesmo o contrato a termo) por efectivos lugares de quadro, de modo a combater o agravamento e aprofundamento da precariedade docente, a recuperação do tempo de serviço congelado, a questão da formação contínua, que está cada vez menos disponível e significa sempre uma enorme sobrecarga de horas em horário pós-laboral, entre muitas outras questões, isto já considerando que as questões mais centrais não serão esquecidas – por exemplo, a democratização do modelo de gestão, a lamentável novela da ADD, que se arrasta e mantém diversas questões por resolver, a revisão dos programas e dos planos curriculares, a redução do número de alunos por turma e de turmas por professor, a sobrelotação das escolas e falta de condições de trabalho, os horários dos professores (cuja componente de trabalho individual tem de ser forçosa e urgentemente reforçada, dado o aumento do número de turmas por professor na maioria das disciplinas), o financiamento das escolas, etc., etc. Há muita coisa que está por conseguir e muita outra por evitar.
Professores em greve ao serviço extraordinário até final de Junho – Educação – PUBLICO.PT
Professores em greve ao serviço extraordinário até final de Junho – Educação – PUBLICO.PT.
NOTA – A notícia inclui declarações de Ricardo Silva (APEDE).
O mito dos dois sindicalismos – 1
A propósito da recente transferência (e auto-promoção) de um sindicalista do SPGL para o Ministério da Educação, anda por aí na blogosfera (nomeadamente aqui e aqui) uma discussão em torno de duas formas de sindicalismo: um sindicalismo «amarelo» ou «reformista», ao qual supostamente se opõe um sindicalismo «vermelho», «de classe» ou «revolucionário».
Antes de tentarmos descortinar alguma substância nesta discussão, convém começarmos por dar os nomes às coisas, considerando que, em Portugal, existe o mau hábito de se preferir os ínvios caminhos e as meias-palavras em lugar da clareza de propósitos. Ora, na verdade, a oposição conceptual acima referida é, no essencial e para efeitos práticos, uma outra maneira de falar do confronto entre duas linhas que actualmente de defrontam no SPGL: a do Bloco de Esquerda e do PS, que dominam a direcção actual, e a do PCP, que se viu derrotada nas duas últimas eleições para os corpos directivos. No vocabulário de certos comentadores, a primeira corresponde ao tal sindicalismo «amarelo» e «reformista», ao passo que a segunda pretende corresponder ao sindicalismo «de classe» ou «vermelho». A terminologia, claro está, parece (e é!) extraída do mais estafado manual dos centros de trabalho marxistas-leninistas.
Quando descemos, porém, ao que tem sido a prática política do sindicalismo-que-temos, no SPGL ou noutro lado qualquer, percebemos que a distinção entre um sindicalismo «amarelo» e um sindicalismo «vermelh0» se esbate consideravelmente numa triste noite em que todos os gatos são pardos e todas as cores se misturam.
Os que acusam a actual direcção do SPGL de pactuar com o reformismo esquecem o “piqueno” pormenor de que essa direcção tem alinhado sempre, no fundamental, com a orientação global da Fenprof, estando essa orientação plasmada nos deprimentes memorandos de entendimento e acordos assinados com o Ministério da Educação. Ou seja, para o que realmente conta, o sindicalismo «reformista» do SPGL e o sindicalismo «de classe» de Mário Nogueira comem na mesma gamela. E essa gamela está muito bem caracterizada no texto de José António Faria Pinto com que gozámos no “post” anterior.
Com diferentes matizes, e não obstante os desalinhamentos político-partidários e ideológicos, hoje o sindicalismo em Portugal é, todo ele, politicamente conformista. E isto leva-nos a analisar o papel que o Partido Comunista Português – pomos assim por extenso para não haver dúvidas – tem desempenhado no movimento sindical deste país.
Diga-se, desde já, que não vale a pena dedicar mais de dois minutos a falar da UGT. Ela serve, basicamente, os interesses do patronato e do centrão (ou direitão) político, e esse desígnio esteve na sua génese. Nos idos de 1974 e 75, houve um combate contra a unicidade sindical reclamada pelo PCP, que pretendia restringir todo o sindicalismo à Intersindical com o fito de realizar a única estratégia que os comunistas sabem implantar em termos políticos: a hegemonização tendencialmente completa do espaço público. Para nossa desgraça, esse combate foi conduzido dentro da versão portuguesa da Guerra Fria, levado a cabo pelas organizações político-partidárias que representavam (e representam) os interesses dos grandes grupos económicos. Por isso, o desejável pluralismo que deveria ter resultado da derrota das pretensões hegemónicas do PCP acabou confinado a uma alternativa paupérrima: de um lado, uma CGTP essencialmente controlada pelos comunistas; do outro, uma UGT concebida para limitar a influência política do PCP e, invariavelmente, fazer o frete às entidades patronais e a todas as políticas governativas mais atentatórias dos direitos laborais. Com uma extrema-esquerda sem influência sobre o meio laboral e a rica experiência do anarco-sindicalismo há muito morta e enterrada, o sindicalismo da 2.ª República ficou limitado a este preto-e-branco no qual se joga muito mais o destino de tácticas político-partidárias do que os interesses reais dos trabalhadores.
(Continua)
O sindicalismo, de novo – 1
Já discorremos aqui, por diversas vezes, sobre a natureza do sindicalismo-que-temos, assinalando a raiz das suas limitações no modelo do «consenso», da «concertação» e da «paz social» (por oposição à «luta de classes»), forjado dentro das «sociedades afluentes» do pós-Segunda Guerra Mundial.
Um artigo no número de Dezembro do Monde Diplomatique analisa a orientação das confederações sindicais francesas no rescaldo da derrota que, em terras de França, o movimento laboral sofreu face à fixação da idade de reforma, não obstante a grande mobilização dos trabalhadores e o surto de greves que a acompanhou. Esse artigo permite levantar algumas questões sobre o sindicalismo em geral, tanto na Europa como no caso específico de Portugal.
A primeira constatação, que nada traz de novo, prende-se com o facto de continuar a ser muito mais fácil mobilizar para as greves os trabalhadores do sector público do que os do sector privado, por razões que são mais ou menos óbvias e que se reportam à situação de precariedade e de fragilidade dos vínculos laborais no segundo desses segmentos do mercado laboral, em contraste com a relativa segurança dos funcionários públicos, ainda que entre estes alastre cada vez mais o número de trabalhadores precários (contratados a termo e, no contexto português, profissionais a recibo verde, etc.). O artigo acima referido afirma, contudo, que o modelo das lutas laborais rebocado pelos trabalhadores do sector público está em vias de esgotamento. As razões para isso são várias, e algumas são comuns aos cenários português e francês: o cansaço de muitos desses trabalhadores, o sentimento de que as greves não conduzem a resultados significativos, a percepção de que os sindicatos permanecem agarrados a formas de luta esclerosadas perante o quadro actual das relações de força entre o Capital e o Trabalho, etc.
Uma coisa é certa: enquanto não se encontrarem estratégias ou meios de atrair para as lutas laborais quantidades expressivas de trabalhadores do sector privado, enquanto as greves, nomeadamente, permanecerem uma forma de luta acessível apenas aos que sentem maior segurança no emprego, vai ser muito difícil travar a escalada de destruição dos direitos e das garantias laborais, porquanto uma parte essencial (e maioritária) dos trabalhadores continuará fora do combate pela defesa desses direitos.
Outra constatação interessante é que, em França como em Portugal, existem grupos no mundo laboral que contestam, de forma cada vez mais visível, o que lhes parece ser a escassa ambição reivindicativa e ofensiva dos sindicatos, sobretudo quando confrontada com a dimensão do ataque actualmente montado contra os direitos sociais. E este é um ponto que merece uma abordagem mais detalhada. Iremos reservá-la para os próximos “posts”.
Crónica de uma manifestação anunciada
Neste Sábado, 6 de Novembro, vai decorrer uma manifestação da Administração Pública, convocada pela Fenprof e pela Frente Comum de Sindicatos da Administração Pública.
É previsível que essa manifestação reúna muita gente, atraída pelo escape que esse momento fornece à raiva acumulada por todas as agressões de que os funcionários públicos têm sido alvo, e porque, em ocasiões como esta, os sindicatos não deixam os seus créditos organizativos por mãos alheias.
Mas também é previsível que o evento não deixe marcas e esteja já esquecido no dia seguinte. Os trabalhadores terão extravasado o seu protesto; os sindicatos poderão inscrever um «visto» na sua agenda. E tudo correrá como antes. Ou seja: cada vez pior.
Há, portanto, fortes riscos de que esta manifestação constitua um não-acontecimento.
Nenhum regozijo da nossa parte perante essa eventualidade. Apenas a revolta e a amargura pelas coisas não serem diferentes. Pelos sindicatos serem o que são: instituições incapazes de vislumbrar para além da rotina e das estratégias acordadas no directórios partidários que os dominam.
Esta manifestação surge tardiamente, desligada de um plano de luta prolongado e consistente – noutro “post” falaremos dessa não-luta que é a greve geral de um dia -, de uma perspectiva de resistência que fosse efectivamente mobilizadora para trabalhadores cujo desespero só é ultrapassado por uma enorme sensação de impotência.
Não temos dúvidas de que muitos de nós, membros da APEDE, vão participar na manifestação. Mas fá-lo-ão com este aperto na garganta:
a consciência de que, uma vez mais, os sindicatos colocam os professores e demais trabalhadores da Função Pública perante um dilema que não devia existir:
se estes integram a manifestação, estão a dar o seu contributo para mais uma manobra partidário-sindical em que os trabalhadores fazem apenas figura de peões; se não a integram, contribuem para dar uma imagem pública de (ainda maior) desmobilização, sugerindo que os funcionários públicos estão, afinal, muito satisfeitos perante o horizonte de empobrecimento que têm pela frente.
Este dilema não existiria, se as direcções sindicais não continuassem a apostar em programas nos quais os trabalhadores são pouco mais do que uma nota de rodapé.
O sindicalismo-que-temos e o argumento da escassa combatividade dos trabalhadores – 2
Recentemente, pudemos assistir à promoção perversa do argumento da «escassa combatividade dos trabalhadores» na forma como a FENPROF e a FNE geriram a luta contra a entrega dos objectivos individuais dentro do combate mais geral contra o modelo de avaliação do desempenho docente.
Importa retornarmos a esse episódio, pois ele é bastante revelador.
Com efeito, os dirigentes sindicais repetiram até à saciedade esta ideia: «Nós até propusemos aos professores que se recusassem a entregar os objectivos individuais; mas a maior parte deles entregou-os. Portanto, se nesse ponto a luta dos professores sofreu um retrocesso, a culpa não foi nossa». Subentende-se: «A culpa é dos professores, que não souberam estar à altura do grande desígnio proposto pelas direcções sindicais».
Quem, no entanto, tenha acompanhado esse processo com atenção sabe que a história está mal contada por esses dirigentes.
É verdade que a maioria dos professores entregou os objectivos. Mas também é verdade que, em Novembro e até em Dezembro de 2008, os professores estavam largamente unidos e com vontade de ir mais longe na sua luta contra o Ministério da Educação.
Ora, acontece que as direcções sindicais se apressaram a arrefecer os ânimos em lugar de procurarem capitalizar esse sentimento de revolta e esse raro momento de determinação numa classe profissional que, de facto, não se caracteriza, habitualmente, por um elevado nível de combatividade.
E o arrefecimento foi conseguido através de uma forma de luta a que as direcções sindicais começaram, desde logo, por retirar todo o conteúdo, insistindo no argumento legalista de que os objectivos podiam não ser entregues, mas que a auto-avaliação final teria de ser entregue em função do cumprimento da lei – quando, note-se, era precisamente essa lei que os professores queriam ver revogada.
Pior: é hoje sabido que, um pouco por todo o lado, os dirigentes sindicais que então se dignaram ir às escolas tiveram, muitas vezes, um discurso desmobilizador em relação à própria não entrega dos objectivos individuais, desse modo minando o que afirmavam ser a sua grande estratégia de luta.
O resultado era previsível: desinformados, desorientados (e mal orientados), sentindo-se entregues a si próprios sem terem a retaguarda devidamente apoiada, muitos professores optaram por ceder e entregar os objectivos individuais, na percepção de que essa luta não teria futuro e que, de resto, seria curto-circuitada pelo desfecho anunciado – já que a entrega da auto-avaliação iria, na prática, caucionar o modelo que se estava a combater.
Nesse preciso momento, os dirigentes sindicais puderam, enfim, retomar o pleno controlo da iniciativa de um processo de contestação que, até então, tinha sido essencialmente impulsionado pelas bases. Os professores foram-se desmobilizando gradualmente, deixando todo o espaço de manobra a direcções sindicais que contavam com o fim da maioria absoluta do PS para regressarem ao cenário que tanto apreciam: a mesa de «negociações».
A sequência da história é por demais conhecida. O resultado desse regresso foi tão miserável e frustrante que não vale a pena insistir nele.
Há, no entanto, que reter aqui uma conclusão: se os trabalhadores portugueses em geral, e os professores em particular, parecem ser tão dificilmente mobilizáveis para lutar pelos seus direitos, as direcções sindicais têm uma parte significativa de responsabilidade nesse cenário.
De facto, preferem essa desmobilização, e até mesmo as derrotas que ela acarreta para o mundo laboral, desde que tal seja o preço a pagar (e são os trabalhadores que o pagam) pela preservação do controlo das direcções sindicais sobre o programa de reivindicação.
Nisto as direcções sindicais partilham, com o grande patronato e com o poder político, uma mesma atitude: o enorme receio de que os trabalhadores tomem, nas suas mãos, a iniciativa de luta. Sabe-se lá o caos que daí pode resultar!
O sindicalismo-que-temos e o argumento da escassa combatividade dos trabalhadores – 1
Um dos motivos que os dirigentes sindicais muitas vezes evocam para justificarem o carácter timorato e desmobilizador de quase todas as suas «formas de luta» é a ideia de que os trabalhadores portugueses – e isto vale, naturalmente, para os professores – são pouco combativos, têm escassa consciência política, não possuem uma cultura de defesa activa dos seus direitos, e, por tudo isso, nunca se mostram predispostos a lutas reivindicativas prolongadas e desgastantes.
O argumento não costuma ser apresentado de modo tão brutal. Mas, sussurradamente, é esta noção que é veiculada.
Aqueles que, por exemplo, defendem a realização de greves por tempo indeterminado quase sempre recebem, da parte dos dirigentes sindicais, réplicas como «Mas podem assegurar que os trabalhadores (portugueses) têm a determinação suficiente para levar isso até ao fim?»
Para efeitos de discussão, vamos fingir que este argumento não é um mero alibi ao serviço das tácticas e estratégias político-partidárias que contaminam o sindicalismo-que-temos. Vamos, pois, tentar analisá-lo como um argumento sério.
Terão os dirigentes sindicais razão?
Em princípio, uma visão impressionista, ou até mesmo empiricamente fundamentada, da realidade portuguesa parece confirmar o diagnóstico sindical. De facto, é sabido que os índices de participação cívica dos portugueses são diminutos, e que, encerrado o período heróico do pós-25 de Abril, a chamada «sociedade civil» se arrasta numa situação anémica.
Além disso, os estudos disponíveis dão igualmente conta da redução acentuada das taxas de sindicalização em Portugal nas últimas décadas, ainda que esse fenómeno seja explicado, não apenas pela variável da escassa vivência da cidadania, mas também pelas profundas transformações no mundo do trabalho que ocorreram durante esse período. E não só: é muito provável que tenhamos de acrescentar outro factor importante: o facto de ter crescido, entre muitos trabalhadores portugueses, a insatisfação relativa ao tipo de sindicalismo que temos.
Neste ponto, convém, aliás, evitar conclusões precipitadas. Taxas reduzidas de sindicalização não significam, necessariamente, menor combatividade dos trabalhadores. Em 2004, os franceses, juntamente, com os espanhóis, estavam ainda menos sindicalizados do que os portugueses. E, contudo, a França é, como se viu recentemente, o país europeu onde as lutas laborais têm sido mais renhidas.
A verdade é que, em Portugal, os sindicatos não têm sabido, ou querido, inverter o seu próprio declínio.
Tal inércia é, em grande parte, explicada pelas duas tradições que condicionam o funcionamento interno das estruturas sindicais: por um lado, o seu oligarquismo funcional, conducente ao centralismo e à restrição da participação democrática na tomada de decisões, um oligarquismo que afasta e aliena as bases relativamente ao topo das direcções, e que se vê reforçado pela tendência, também ela oligárquica, dos partidos políticos que controlam as direcções sindicais (e aqui não estamos a pensar apenas no Partido Comunista, pois essa tendência é transversal a todos os partidos com influência no meio sindical); por outro lado, a já referida imersão dos sindicatos na cultura da «concertação social», que os acomodou na preferência dos consensos moles, levando-os a evitar a todo o custo uma política de confronto aberto.
Estas duas tradições têm contribuído para que as direcções sindicais não cultivem, entre os grupos profissionais que supostamente representam, uma atitude de mobilização e uma predisposição psicológica para formas de luta mais exigentes. A mobilização é quase sempre tíbia, e fica reservada para momentos muitos pontuais, invariavelmente desligados de uma sequência lógica de iniciativas de reinvindicação, momentos que relevam mais de certas tácticas político-partidárias do que de uma qualquer estratégia global com um mínimo de coerência.
A luta dos professores no futuro – 5: A questão dos sindicatos
A discussão do papel dos sindicatos tem de ser feita seriamente (num âmbito que, aliás, ultrapassa a esfera de intervenção dos professores, pois estende-se a todos os grupos profissionais e até a sectores hoje excluídos do exercício de uma profissão, como sejam os desempregados). Quando dizemos «seriamente» queremos, com isso, sublinhar a necessidade de excluir preconceitos, pré-juízos, ideias-feitas e dogmatismos. Não é possível, por exemplo, entrar num debate sério com os fanáticos do sindicalismo-que-temos, para os quais a menor crítica ou discordância relativamente à actuação dos sindicatos equivale a um crime de lesa-pátria. A esses é melhor deixá-los entregues ao conforto das suas certezas, sabendo nós que nenhuma evidência os fará mover um milímetro.
Os sindicatos-que-temos – e é desses que importa falar, pois não há outros – apresentam dois estrangulamentos graves, um de ordem estrutural e outro de natureza conjuntural. O primeiro releva da tendência para o oligarquismo que sempre se apodera das organizações de grande escala, as quais tendem a perpetuar as direcções do topo, a monopolizar a representação do respectivo sector profissional, a desconfiar de todas as iniciativas autónomas e a procurar suprimi-las, a afastar-se dos trabalhadores que supostamente representam e a estabelecer relações preferenciais (e cúmplices) com os poderes instituídos. Sociológica e historicamente, a oligarquização dos sindicatos é paralela à (e afim da) oligarquização dos partidos.
O segundo estrangulamento inerente aos sindicatos-que-temos prende-se, precisamente, com a sua apropriação pelos partidos políticos. Ela não está necessariamente inscrita no código genético das organizações sindicais, mas todos sabemos que, em Portugal, os sindicatos mais influentes estão, há muitos anos, subordinados a lógicas partidárias que lhes retiram qualquer independência efectiva. Tal subordinação leva a que as lutas laborais sejam conduzidas de acordo com interesses e com agendas muitas vezes estranhas aos interesses objectivos dos trabalhadores. Os sindicatos dos professores estão muito longe de ser excepção a esta lamentável regra.
E, contudo, os sindicatos continuam a ser, pela dimensão do seu aparelho e pela logística correspondente, as únicas organizações com meios para mobilizar e liderar os trabalhadores em geral e os professores em particular. Mais especificamente, pelo menos no caso português, só os sindicatos estão verdadeiramente em condições de concretizar o segundo princípio (alínea b) enunciado pelo Luiz Sarmento no texto que citámos atrás, e só eles podem realizar o terceiro princípio numa escala de grande dimensão (nacional e transnacional).
Em contrapartida, os sindicatos mostram-se totalmente impreparados para dar corpo ao primeiro princípio (alínea a), o da desobediência civil, visto que todo o seu historial nos últimos trinta anos os tornou reféns do «fetiche da legalidade» a que o Luiz se refere. De facto, o processo de legitimação dos sindicatos, no quadro do contrato social subjacente ao Estado-Providência, implica que a desobediência civil seja impensável para quem os dirige. Os sindicatos foram aceites à luz desse contrato para, em grande medida, normalizarem, conterem e disciplinarem as lutas dos trabalhadores. Essas lutas nunca podiam exceder os limites legais definidos por um capitalismo «civilizado», no qual as reivindicações dos trabalhadores eram, muitas vezes, resolvidas por «acordos de cavalheiros».
Ora, a radicalidade do ataque actual aos direitos dos trabalhadores (professores incluídos) faz com que a legalidade se torne no instrumento principal de destruição do próprio Direito. A uma legalidade «selvagem» só se pode responder com lutas «selvagens», desenquadradas da lei.
Vejamos um exemplo prático. Os sindicatos convocam uma greve, essa greve está a ser um sucesso, e o Governo reage com uma requisição civil (ou com uma lei de última hora que define «serviços mínimos» de tal modo abrangentes que, na prática, implicam o esvaziamento da greve). Nos tempos que correm, a única resposta dos trabalhadores à altura das exigências da luta seria manterem-se em greve, ocupando os postos de trabalho sem recuar um centímetro. É altamente duvidoso que os nossos sindicatos tenham vontade e determinação de liderança para orientarem os trabalhadores nesse sentido e, sobretudo, para lhes darem força e coragem na retaguarda.
A cultura dos sindicatos-que-temos é uma cultura do controlo, da moleza e da desmobilização táctica, sempre que esta parece servir as tais agendas político-partidárias que há muito dominam a lógica de actuação dos dirigentes sindicais.
A conclusão é, pois, preocupante: os sindicatos têm uma capacidade organizativa que os movimentos independentes nunca terão, mas, ao mesmo tempo, não possuem um capital de luta e uma cultura de combate capaz de ultrapassar os limites impostos por uma legalidade que é, em si mesma, a própria negação do Estado de direito.
Contrariar este cenário vai ser um dos maiores desafios que esperam os professores, todos os restantes trabalhadores deste país e os da Europa, pois o mal que tentámos aqui diagnosticar afecta, desgraçadamente, muitas outras latitudes.
A luta dos professores no futuro – 4: Com quem lutar
Começamos por destacar um comentário que o José Luiz Sarmento deixou num nosso “post” anterior, comentário que sintetiza, na perfeição, os desafios e as exigências que deverão nortear o combate futuro dos professores:
As lutas dos professores têm portanto que seguir estes princípios:
a) desvinculação do fetiche da legalidade, uma vez que a legalidade está armadilhada contra a res publica e a favor dos seus inimigos;
b) coordenação com outras classes profissionais de cujo prestígio e autoridade depende em larga medida, tal como no nosso caso, a saúde e a própria sobrevivência da República;
c) coordenação com outras forças que se oponham, no âmbito europeu, à contra-reforma anti-republicana em curso nos últimos trinta anos, contra-reforma esta que passa pela subversão de tudo o que seja autoridade profissional e pelo desmantelar de tudo o que seja serviço público.
Acontece que a articulação destes três princípios levanta, de forma especialmente acutilante, duas questões: a organização da luta e a sua liderança. Suscita, em suma, a questão de saber com que organizações os professores poderão e deverão contar.
Por outras palavras: precisamos de começar a ponderar diversas alternativas:
– Devem os combates do futuro assentar primordialmente na acção local, ao nível das escolas ou redes de escolas organizadas à margem de qualquer organização formal (isto é, independentemente dos sindicatos)?
– Deve o essencial da luta futura dos professores ser liderada pelos sindicatos?
– Ou podemos conceber uma relação virtuosa entre as duas alternativas acima expostas?
Os sindicatos que temos
Esta notícia já tem alguns dias, mas, a ser verdadeira, o seu conteúdo é tão surreal que um comentário se impõe. Então os mesmos sindicatos que convocaram a “grandiosa” greve geral de 24 de Novembro (dia em que já tudo estará arrumado do ponto de vista legislativo) estão também a dar uma mãozinha ao governo para que os cortes salariais na Função Pública sejam feito assim em vez de serem feitos assado?!
Já estamos a antecipar os gritos histéricos dos fanáticos do sindicalismo-que-temos: lá estão os malandos do anti-sindicalismo, que não percebem como as direcções sindicais são boazinhas e responsáveis, e que até estão a negociar com o governo para que os trabalhadores não sofram tanto com as reduções de salários. Isto é: para que eles sofram só um «bocadinho»…
Mas negociar tal coisa não é aceitar o princípio de que os salários possam ser reduzidos, desde que de uma certa maneira?
Pergunta-se: para quê então a greve geral, a não ser para marcar presença numa encenação de contestação absolutamente inócua nos seus efeitos?
O combate dos trabalhadores impõe-se cada vez mais. Sem dúvida. Mas ele não passa, não pode passar, por estes teatros de sombras e por estes bastidores mal frequentados.
Desafios de que vale a pena falar
Em “posts” anteriores abordámos as plataformas de luta que é urgente construir perante este ataque sem precedentes aos direitos sociais (mas também políticos) dos trabalhadores na Europa. Falámos também de alguns dos estrangulamentos que hoje bloqueiam a eficácia dessas lutas.
O maior de todos, a que importa regressar, é a ausência de uma direcção organizacional e política que estruture essas lutas a nível nacional e transnacional. As organizações que têm ocupado tradicionalmente o terreno estão, de facto, esgotadas. Ou são partidos políticos descredibilizados por décadas de rotinização, de anestesia no suave berço dos subsídios que emanam do erário público, quando não de cumplicidade e participação activa nas armadilhas congeminadas pelo capital financeiro. Ou são sindicatos cujas direcções se habituaram mais a frequentar os corredores e os salões dos ministérios, embalados por anos de «concertação social», do que a lutar efectivamente pelos direitos dos trabalhadores que supostamente representam.
O mal, como já vimos, não é só português, mas estende-se um pouco a toda a Europa – embora o desfecho do actual combate em terras de França nos permita vislumbrar alguns sinais positivos.
Impõe-se, pois, que novos actores sociais apareçam, com outra imaginação e outro empenho, fora do quadro hegemónico das organizações tradicionais. No entanto, aqui as perspectivas também não são animadoras. As condições para o cruzamento fecundo entre a revolta colectiva e os movimentos independentes são demasiado voláteis para que nelas se possa construir algo de sólido e duradouro – como se viu recentemente no caso da luta dos professores. Infelizmente para todos nós, os sindicatos, após uma primeira fase de surpresa e atordoamento, conseguiram retomar o controlo da luta que estava sendo travada, e hoje todos nós constatamos o saldo miserável que daí resultou – miserável para os professores, que não para as direcções sindicais, impantes na desfaçatez com que traíram e continuam a trair quem nelas depositou confiança.
Por outro lado, estes e outros que, entre nós, poderiam ter meios e visibilidade para organizar correntes alternativas, eventualmente capazes de articular sectores intelectuais com lutas laborais desenquadradas da disciplina sindical, parecem preferir o circuito limitado da blogosfera e dos debates mais ou menos académicos. E estes, por muito produtivos que possam ser, estão a anos-luz da urgência que nos desafia.
Enquanto não surgirem esses novos actores do combate pelos direitos sociais e laborais, a desorientação, o medo e o sentimento de impotência continuarão a pautar o nosso quotidiano. Até quando?
Em França como em Portugal
De um texto distribuído ontem em Paris, durante a terceira grande manifestação contra a nova lei que pretende alargar a idade da reforma. O texto foi produzido numa assembleia que reuniu, a 23 de Setembro, ferroviários, professores e outros trabalhadores:
«É evidente que um dia de acção isolado, aqui ou acolá, convocado pelos sindicatos com vista a negociações em que o essencial já está negociado, não conduzirá a nada a não ser ao crescimento do sentimento de impotência. Tais sindicatos, que nestes últimos anos fizeram abortar movimentos antes mesmo de eles nascerem (…), preparam-se para fazer a mesma coisa, de maneira ainda mais assumida. É de crer que eles preferem sofrer mais uma derrota do que ver um movimento escapar ao seu controlo…
Assim sendo, para esta luta possa realmente ocorrer, será preciso que ela se desenrole por cima das cabeças das direcções sindicais. Será nomeadamente necessário impor-lhes a greve, sem a qual nada será possível. Não é tarefa fácil: para isso, é preciso começarmos, desde já, a organizarmo-nos, a transformar a cólera latente em acção colectiva.
Mas “os sindicatos perdem bruscamente o controlo das suas bases”. Ora aí está uma coisa que não seria forçosamente má.
Greve geral! Greve ilimitada! Greve ofensiva! Bloqueemos a economia!»
E para que fique claro: não nos venham dizer que a greve de que se fala neste texto tem algo a ver com a greve ritualizada, e previamente esvaziada de substância, que a CGTP convocou para 24 de Novembro. Perante a imensa ofensiva de que os trabalhadores estão a ser objecto, as greves ou são para doer ou não são!
Para a versão integral do texto dos trabalhadores franceses, ver aqui.
Concurso 2010/11 – Uma Página Negra do Sindicalismo Docente
A FENPROF veio defender que os professores ultrapassados no concurso, por via da contabilização dos resultados da ADD nas listas graduadas, devem reclamar dessa situação e colocou mesmo, on-line, uma minuta específica para o efeito. O prazo da reclamação parece já ter terminado, embora, na nossa opinião, talvez nem tanto…
Perante tal indicação da FENPROF, há uma pergunta pertinente a colocar: os professores, agora ultrapassados nas listas graduadas, devem reclamar exactamente contra quem?
– Contra José Sócrates? Se sim, por que motivos? Por ter imposto aos negociadores (dos 2 lados da mesa) a aplicação da legislação em vigor sobre concursos (embora iníqua, geradora de injustiças e profundamente perversa) que apenas se conseguiu protelar e nunca revogar?
– Contra os responsáveis do ME que se limitaram a ir sorrindo e adiando, perante o beneplácito e anomia total dos representantes sindicais no que a este assunto diz respeito? Porquê só agora e com base em que compromissos factualmente assumidos e não cumpridos?
– Contra aqueles professores que, aproveitando as quotas deixadas livres pelos que decidiram não pactuar com o modelo de avaliação, exploraram as hipóteses abertas pela legislação de concursos, cuja revogação ficou por conseguir? Será que estes colegas violaram a lei? Muitos deles terão agido de forma oportunista, é um facto, mas não sabíamos todos que isso poderia acontecer?
– Ou… contra aqueles que defraudaram as expectativas de milhares e milhares de professores, rematando a noite da “capitulação” com um lamentável número de “ilusionismo” afirmando, publicamente, que tinha ficado garantido que a avaliação não iria contar nos concursos e que esse era, precisamente, um dos ganhos do “Acordo”? Essa afirmação irresponsável (e sem qualquer suporte nas actas negociais, pré 8 de Janeiro) teve, para além do mais, uma consequência grave: a necessária e imediata contestação foi totalmente esvaziada pois os professores só perceberam que afinal nada estava garantido após a abertura do aviso de concurso. Meses desperdiçados, facto consumado, milhares de professores prejudicados.
Perante isto, contra quem deverão então reclamar os professores?
Mas há mais. E mais grave: ao terem apelado fortemente, num momento chave da luta, à recusa da entrega de OI, os dirigentes sindicais sabiam perfeitamente que, com isso, estavam a retirar a todos aqueles que adoptassem essa forma de luta, a possibilidade de solicitarem aulas assistidas tendo em vista a obtenção das classificações ditas de “mérito”. Todos se recordarão dos lamentos sindicais perante o relativo fracasso dessa forma de luta e das acusações implícitas de falta de firmeza e solidariedade na luta aos que correram a entregar OI. Sendo assim, como será possível aceitarmos, sem indignação e repúdio, que os mesmos dirigentes sindicais que apelaram à não entrega de OI, venham a abandonar todos esses colegas, que resistiram e lutaram, permitindo que lhes puxassem o tapete, de forma perversa e vingativa, não tendo mais para lhes oferecer, neste momento, do que uma mera minuta de reclamação? Como se sentirão esses colegas? Traídos na luta? Já o afirmaram, alto e bom som, muitos deles. Como podem esses mesmos dirigentes sindicais continuar a ignorar as suas falhas e graves erros na condução da luta, “assobiando para o lado” e, sem qualquer pudor, terem ainda sido capazes de afirmar que as actas negociais demonstravam o seu enorme empenho na defesa dos interesses da classe? Não ficou ali absoluta e inequivocamente demonstrado que não conseguiram garantir rigorosamente nada quanto a esta questão, nem sequer um novo adiamento da aplicação da norma legal, que confere a bonificação às classificações ditas de “mérito”, até que os professores pudessem voltar a reagir? Aberto o precedente… será muito mais complicado reverter todo este imbróglio.
Da nossa parte, não podemos deixar de considerar que esta é uma das páginas mais negras da história do sindicalismo docente, pelas gravíssimas consequências que irá ter para a vida de milhares de professores, com danos irreversíveis nas suas carreiras. A nossa solidariedade vai inteira e activa para todos aqueles que acreditaram, confiaram, lutaram, e agora são abandonados à sua sorte, ultrapassados nas listas graduadas, acabando muito naturalmente por chegar à triste conclusão que talvez tivessem feito melhor entregando OI e solicitando avaliação completa. E não colhe argumentar-se que num processo de luta há ganhos e perdas, que nada pode ficar garantido à partida, e que todos estavam conscientes dos riscos das opções que tomaram, porque o que está aqui verdadeiramente em causa é uma falha gravíssima dos “generais” que pouco ou nada fizeram para defender os “soldados” e não souberam, minimamente, controlar as perdas e danos neste “combate” particular. Aquilo que deveria ter sido feito, na nossa opinião, era eleger esta questão como um pré-requisito fundamental, inegociável e inadiável, a salvaguardar, preto no branco, antes do arranque de qualquer tipo de negociações com vista a um eventual “Acordo” com o ME. Foi exactamente isso que a APEDE sempre defendeu, desde o início, publicamente, e diversas vezes na presença dos dirigentes da FENPROF e FNE.
Voltando às reclamações, avancemos agora para um outro ângulo da questão: parece pois, caros dirigentes da FENPROF, que a solução que encontraram para camuflar a vossa incompetência, e total falta de respeito por quem lutou (correspondendo ao vosso apelo de recusa de OI), é a entrega de uma minuta de reclamação, correcto? Colocar colegas contra colegas, em litigâncias judiciais, por mais oportunistas que os donos dos “asteriscos” possam ter sido? É isso?
Não nos espanta o dislate! Sabemos muito bem que esse é um dos recursos da velha cartilha sindical, não mais do que uma tentativa de “atirar areia para os olhos” (com expectativas de eficácia que nos escusamos sequer a comentar, embora aguardemos com muito interesse os respectivos resultados) e um estratagema que já foi, bem recordamos, vergonhosamente usado no passado, nomeadamente, contra os licenciados dos ramos integrados, com estágio pedagógico, que foram também alvo de acções judiciais de reclamação, como muitos se recordarão ainda. Um “circo” absolutamente desprezível e lamentável, agora de novo ensaiado, que não pode passar sem a nossa manifestação de profundo repúdio. Porque isto tem de ser dito, e tem de ser dito sem tibiezas: quem verdadeiramente errou, quem verdadeiramente defraudou expectativas legítimas de luta e mobilização, perante tantos milhares que foram à luta e a assumiram até ao fim, foram aqueles que permitiram que fosse concluído o 1º ciclo avaliativo com a atribuição de classificações e que, não satisfeitos, vieram a assinar, em Janeiro, um “Acordo de Princípios” que não limpava de todo essa “nódoa”, nem impediu as nefastas consequências que agora se apresentam em sede de concursos.
Desde sempre, nos movimentos independentes, alertámos para esta questão e para os potenciais riscos que dela decorriam, pois sabíamos muitíssimo bem que poderia vir a acontecer, exactamente, aquilo com que agora nos confrontamos. Mas, infelizmente, os “donos” da luta não quiseram dar-nos ouvidos. Acusavam-nos de propormos formas de luta irresponsáveis (greve rotativa de uma semana, em Abril/Maio do ano passado) que podiam conduzir os professores para becos sem saída. Pelos vistos, e como este lamentável e gravíssimo problema bem demonstra, os “experts” da luta, os experimentados e sagazes negociadores sindicais, com a tarimba de décadas de luta, foram por outros caminhos, certamente mais seguros e com saídas largas para os professores. Preferiram confiar no destino, talvez na sorte ou, quiçá, em eventuais promessas de bastidores feitas por uma dupla de “fantoches”, sem qualquer poder decisório autónomo, integrantes de um governo sem escrúpulos e sem palavra. Preferiram, em sede negocial, passar o tempo, em reuniões a fio, a discutir índices remuneratórios e regimes de transição (garantindo quase tudo para uns e quase nada, ou menos que nada, para outros), em vez de defenderem e garantirem a justiça, a equidade e a verdade nos concursos de professores. Quando foram acordados para o problema, já a “casa ardia” e, mesmo assim, com o “cheiro a fumo” que alastrava pela blogosfera docente ainda tiveram o desplante de escrever, no seu site, que o “fumo não era fumo” nem o “fogo era fogo” afirmando, no próprio dia de publicação em Diário da República do aviso de abertura do concurso, que a ADD não era considerada. Foi apenas mais um episódio lamentável, mais um exemplo da leviandade com que esta questão foi encarada, num processo de negociação que deveria envergonhar quem o assinou em nome dos professores.
Talvez seja pois chegada a altura, passado todo este tempo de luta, dos professores se interrogarem, muito a sério, se consideram que estão a ser bem representados e bem defendidos nas negociações com o ME e o governo, se entendem que fomos bem sucedidos nesta luta (dela retirando os resultados que exigíamos), e se pretendem continuar a ser representados deste modo. Depois disso, feito o diagnóstico e o balanço do passado recente, é ainda fundamental que avaliem o que estão ou não dispostos a fazer para alterar o “status quo”. Nesse processo, é importante manter presente que, enquanto os estatutos dos sindicatos que temos continuarem blindados, e a limitação de mandatos dos seus dirigentes não passar de uma promessa, eternamente adiada, os recorrentes “soundbites”- “só por dentro é que podemos mudar os sindicatos e melhorá-los” e “os sindicatos são o que os sócios quiserem e fizerem deles”- não passam de “slogans” demagógicos e artificiais e de uma “cortina de fumo” com o objectivo claro de travar a mudança e impedir uma reforma profunda das organizações sindicais. A verdade é que estamos, cada vez mais, necessitados dessa reforma. Ou de um outro caminho. O tempo urge…
NOTA– No passado dia 16 de Junho, durante a audiência da APEDE na Comissão de Educação e Ciência da A.R., esta questão foi apresentada e assumida como um dos problemas mais sérios para a classe, tendo a APEDE apelado para uma intervenção parlamentar no sentido de evitar a repetição desta situação em próximos concursos. A deputada Ana Drago teve ocasião de nos anunciar que o BE irá avançar com uma iniciativa legislativa no sentido de alterar a legislação de concursos, para impedir que as classificações da ADD tenham influência nas listas de graduação. Afirmou ainda, dirigindo-se à deputada do PSD presente, que esperava uma postura diferente deste partido comparativamente ao que sucedeu na votação da suspensão da ADD. Naturalmente, a APEDE subscreve esta preocupação e faz questão de lembrar que foi ontem publicada, em D.R., a Resolução nº 61/2010, aprovada na A.R., com votos favoráveis de toda a oposição, que recomenda ao governo a não consideração da ADD para efeitos de concurso. Recomendação que o governo ignora, fiel ao seu autismo e arrogância de sempre, mas que terá de respeitar se se vier a aprovar, no hemiciclo, uma posição vinculativa. A APEDE manterá sobre esta questão uma atenção permanente e continuará a empenhar-se na alteração da realidade actual.
A extensão do vazio
É difícil acrescentar algo ao diagnóstico implacável que o Paulo faz neste post. Com a mais recente teimosia do Ministério da Educação em manter a fraudulenta avaliação do desempenho para efeitos de graduação no concurso de professores, foi colocado o prego que faltava no caixão da história recente da luta e da resistência dos professores.
Foi uma história com momentos bonitos.
Foi uma história que marcou uma reviravolta no tocante à monopolização das lutas laborais por parte das organizações tradicionais (sindicatos), graças à emergência de novos actores (blogosfera e movimentos independentes).
Foi uma história que, sabemo-lo dolorosamente, poderia ter ido muito mais longe.
Mas há que reconhecer que ela corresponde a uma página definitivamente virada. Só nos resta ter a força e o engenho para encetarmos a escrita de novas páginas em novos livros. Este está, infelizmente, encerrado.
O que fica no terreno é quase nada, e o que sobra é pouco mais do que mau:
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Um ECD sem promulgação à vista, que, mesmo depois de promulgado, irá preservar graves estrangulamentos na progressão profissional dos professores, mantendo muitas das assimetrias e desigualdades consagradas no ECD em vigor;
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Um aberrante modelo de avaliação do desempenho, que ficará a minar para sempre a equidade na graduação dos professores para efeitos de concurso;
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Um modelo autoritário e antidemocrático de administração escolar, que começa a revelar todos os seus frutos de arbitrariedade, de subserviência, de compadrio e de despotismo;
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A consagração da precariedade dos professores contratados, reduzidos ao estatuto de carne-para-canhão do sistema de ensino;
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O total imobilismo no Estatuto do Aluno, anunciando-se «alterações» que vão acentuar ainda mais o pior do modelo vigente;
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A cristalização dos aspectos mais gravosos nos actuais horários docentes.
Já muito foi dito sobre os factores que nos levaram a todos estes becos sem saída. Importa, contudo, recordar alguns dados elementares:
No momento decisivo da luta, em Novembro de 2008, quando teria sido fundamental manter a coerência no combate ao modelo de avaliação – e coerência teria sido não ceder em aspecto algum que o salvaguardasse -, a opção maioritária foi pactuar com a versão «simplex» do dito modelo, aceitando a entrega da auto-avaliação. Os sindicatos foram os protagonistas essenciais dessa cedência, dando o mote para a divisão dos professores, para a sua tergiversação e para a fantochada terminal em que se traduziu a aplicação do famigerado modelo. Com isso, conseguiram, sem dúvida, retomar o controlo da luta dos professores, esperando uma mudança de ciclo político que lhes permitisse retomar um lugar na mesa de negociações. Mas os principais interessados nada ganharam com isso.
Sabemos agora toda a extensão do preço que os professores pagaram, estão a pagar e vão pagar no futuro por esta estratégia sindical. O braço de ferro em torno da introdução da avaliação para efeitos de concurso, conflito de que agora o Ministério emerge triunfante, é bem a expressão de como os professores saem deste processo com uma mão cheia de nada e a outra de coisa nenhuma. Se acrescentarmos a isto o facto absolutamente vergonhoso de termos visto o principal dirigente da Fenprof jurar a pés juntos que a avaliação nunca iria contar para o concurso de professores, só podemos dizer que à derrota real se veio somar um epílogo grotesco.
Uma última palavra para os fanáticos do sindicalismo-que-temos. Alguns de nós têm sido acusados de não se terem entusiasmado por aí além com as grandes manifestações de 8 de Março e de 8 de Novembro de 2008 (a do 15 de Novembro é outra história). É verdade que foram mobilizações inéditas na história do movimento laboral, por terem trazido para a rua a quase totalidade de um grupo profissional. E é verdade que todos nós vivemos intensamente essas experiências. Mas a intensidade não significa falta de lucidez. Com efeito, entre os movimentos independentes, houve quem tivesse a «desfaçatez» de se preocupar com o dia seguinte a essas manifestações, isto é, de querer determinar o que se poderia fazer, dentro das escolas (nos locais onde a luta dói no osso), com a mobilização realizada nas ruas. É por demais conhecido o que foi o «dia seguinte» do 8 de Março, congeminado por sindicatos e Ministério: chamou-se Memorando de Entendimento. Também é conhecida a resposta, fora do quadro do controlo sindical, que os professores lhe deram no início do ano lectivo seguinte.
Quando ao day after do 8 de Novembro, ele está agora à vista de todos.
Por isso não nos venham falar de «grandiosas manifestações», quando subtis manobras de bastidores as reduzem, tão facilmente, a coreografias telecomandadas, com vista à obtenção de efeitos que nunca se traduzem em ganhos apreciáveis para quem nelas deu o corpo ao manifesto.
Este sindicalismo-que-temos, formatado na era das «concertações sociais», mais próximo do poder que lhes dá beijinhos do que dos trabalhadores que deveria representar, está completamente desadaptado face ao tempo que vivemos, tempo marcado pela destruição acelerada de todos os pilares do Estado-Providência, tempo de novas relações de força que romperam o cenário de qualquer «concertação».
A erosão política dos sindicatos de professores é apenas reflexo dessa inadaptação, a qual ultrapassa em muito o seu raio de acção para se estender ao sindicalismo em geral (e este fenómeno, desgraçadamente, está longe de ser só português).
Teremos, pois, de esperar que o processo social de uma nova luta de classes – não tenhamos medo da expressão – consiga, por arrastamento, refundar os sindicatos-que-temos, transformando-os nos sindicatos-de-que-precisamos.
Até lá, há que cerrar os dentes e permanecer de pé (entre as ruínas?).
Fórum Educação – Mesa da Polémica Sobre a Luta dos Professores
Reconhecendo a importância de um debate sério sobre o passado, o presente e o futuro da luta dos professores, a APEDE marcou presença na Mesa da Polémica correspondendo ao convite formulado pelo Bloco de Esquerda. Não tendo havido tempo para mais do que duas rondas de intervenções de cerca de 5 a 7 minutos, consideramos que o debate foi, ainda assim, esclarecedor. Talvez, até, infelizmente esclarecedor.
Da nossa parte, sublinhámos a postura que sempre tivemos de participação e mobilização para a luta, numa perspectiva de defesa da dignidade profissional docente e da qualidade do Ensino e da Escola Pública, com a apresentação de propostas construtivas, num clima de abertura e diálogo com todos e em todos os momentos da luta, sem deixarmos de lamentar e criticar a forma como as direcções sindicais foram conduzindo o processo reinvindicativo em diversos momentos, por exemplo, com o Memorando de Entendimento em 2008, com a perda da oportunidade em endurecer a luta em Novembro de 2008, após as greves de Janeiro, ou depois da Consulta às Escolas em Abril de 2009 (cujos resultados continuamos à espera de conhecer e cuja divulgação não desistiremos de solicitar), bem como após a manifestação de 30 de Maio, sem um plano de luta definido, consequente e emanado das bases, terminando com o Acordo de Janeiro de 2010. Quanto a este Acordo, renovámos as críticas que apresentámos logo nos dias seguintes e apontámos a incoerência da FENPROF em ter aceite em 8 de Janeiro um Acordo que não contemplava a grande maioria das 30 exigências que impôs para se chegar a um entendimento e que inscreveu num documento, enviado ao ME, poucos dias antes. Curiosamente, tivemos ocasião de ouvir, por parte de um dos dirigentes sindicais presentes, que o programa de acção e luta para este ano estará centrado na questão dos horários, no modelo de gestão escolar e nos concursos, não tendo sido referida a avaliação. Para a APEDE esta é também uma questão fundamental, consideramos que os professores não podem continuar à mercê de mais experimentações e da insanidade que representa qualquer tentativa de aplicação do modelo de avaliação do ME, seja ele completo ou em qualquer versão simplificada/remendada/adaptada. E estamos à vontade para dizer isto porque não nos limitámos a fazer críticas, delineámos e apresentámos um modelo de ADD alternativo, em Dezembro de 2009, como é público.
O futuro da luta dos professores, acreditando que todos estão empenhados em mobilizar os professores para as lutas que temos para travar, e são muitas, terá de passar forçosamente (na nossa opinião e como bem sublinhámos no debate) por uma postura de diálogo com os professores, de regresso efectivo e continuado às escolas, às salas de professores, na base, com reuniões e plenários, num trabalho sindical de proximidade, escola a escola, olhos nos olhos, ouvindo, explicando, fazendo a pedagogia da luta e, acima de tudo, respeitando as opiniões e o sentir da classe! Decidir a luta no topo, adoptar formas de luta sem uma consulta real e efectiva às bases, é certamente um caminho errado, como todos já nos podemos ir dando conta. Assim como é errado manter, persistir e reforçar uma postura de arrogância e uma política de “terra queimada” que parece ser o caminho ensaiado, por alguns dirigentes de topo da FENPROF, no sentido de tentarem silenciar/condicionar todos aqueles que assumem uma postura crítica em relação às suas atitudes e decisões. Ao fim de todo este tempo ainda não entenderam que essa é uma estratégia errada, infrutífera e verdadeiramente contraproducente? O debate de anteontem só veio confirmar isso mesmo como, aliás, alguns dos colegas, presentes no auditório, bem referiram. Talvez fosse mais vantajoso, em termos de ganhos de luta, concentrarem esforços na resolução das trapalhadas onde se deixaram enredar, de que é um lamentável e gravíssimo exemplo a questão da eventual contabilização dos resultados da ADD na graduação a concurso, problema para o qual a APEDE vem alertando, insistentemente, desde 2008 (bastará ler o penúltimo parágrafo deste post) e que apenas se conseguiu adiar e nunca resolver definitivamente.
A verdade é que a luta tem de continuar, e da nossa parte continuaremos nela, nas ruas (onde voltámos a estar ontem), na blogosfera, nas escolas, nos debates públicos, no Parlamento (com nova audiência já confirmada, com a Comissão de Educação e Ciência, para o próximo dia 9 de Junho), nos orgãos de comunicação social, onde quer que possamos fazer ouvir a nossa voz e as razões que nos assistem, pois para além dos horários, dos concursos e da alteração do modelo de gestão, há muitos outros problemas por resolver: a questão do Estatuto do Aluno, cada vez mais central, as condições de trabalho dos professores, o respeito pela dignidade profissional docente, a recuperação integral do tempo de serviço, a alteração do ECD, a vinculação dos colegas contratados, a alteração da regulamentação de concursos (concursos para afectação a quadro, opcionais, de 2 em 2 anos e não de 4 em 4) e das regras de renovação de contrato (retirando ao Director os poderes totais que possui, colocando os professores contratados numa situação de inaceitável fragilidade), a questão da formação contínua, a revisão e reorganização curricular, a redução do número de alunos por turma e de turmas por professor, o inferno da burocracia que inunca e sufoca o desempenho da docência/direcção de turma/coordenação e direcção das escolas, o controlo da indisciplina e da violência, o problema da Educação Especial, o reforço de meios e técnicos especializados nas escolas e a sua requalificação material, os perigos da municipalização e da perda dos vínculos, a qualidade do Ensino, as questões da inclusão e da qualificação, entre outros aspectos que devem continuar a merecer a nossa atenção e redobrado empenho na luta.
A Pedir Reflexão Urgente: Moções Aprovadas no Plenário de Contratados do SPGL – 22 de Maio
A APEDE recebeu as moções aprovadas no recente Plenário da Comissão de Professores Contratados e Desempregados do SPGL, realizado a 22 de Maio, entretanto já divulgadas na blogosfera (aqui), e considera que estas tomadas de posição são bastante relevantes e deveriam merecer a melhor atenção e reflexão, por quem de direito.
Não podemos deixar de expressar, uma vez mais, a nossa solidariedade para com a luta dos contratados, que se preparam, a confirmarem-se os cenários esperados, para mais alguns anos de insegurança, instabilidade e grandes incertezas quanto ao seu futuro profissional. Como sempre, estaremos ao seu lado, na denúncia da precariedade em que vivem e no combate às dificuldades que têm e terão de continuar a enfrentar.
Por outro lado, queremos apelar à sua participação mais activa na luta, nas escolas, no meio sindical e outros e também nas ruas, por exemplo, já no próximo sábado, dia 29 de Maio. Os nossos problemas não se resolvem se encolhermos os ombros e nos demitirmos da participação cívica que podemos e devemos (todos) assumir!
Era uma vez um ECD
Corrijam-nos se estivermos enganados, mas..
… não houve um acordo assinado, no início deste ano, pelos sindicatos de professores e pelo Ministério da Educação (acordo que, aliás, mereceu a imediata contestação da parte dos movimentos independentes, entre os quais a APEDE)?
Não era suposto que esse acordo se traduzisse num Decreto-Lei?
Não houve já várias versões do ECD resultantes desse acordo, das quais a última tem a data de 26 de Março de 2010?
Repetimos, para o caso de não terem lido bem ou de não confiarem nos vossos olhos:
Março de 2010.
Estamos em:
Maio de 2010.
O acordo foi assinado em:
Janeiro de 2010.
Alguém se lembra disto? Estamos a falar de um pequeno pormenor chamado ECD?…
Será que ninguém (por “ninguém” entenda-se: sindicatos) reparou nisto?
Será que não repararam que o ano lectivo se aproxima do fim e que TUDO, rigorosamente TUDO, se mantém na mesma?
Ah pois, o PEC. O PEC e o aumento das despesas que, supostamente, o novo ECD iria implicar para as contas públicas…
Vamos contar então uma história:
Era uma vez um ECD…