A verdadeira herança do cavaquismo

Não vamos acrescentar mais um comentário, entre tantos que circulam por aí, à polémica em torno do BPN e da compra e venda de acções da SLN por parte de Cavaco Silva. Em vez disso, gostaríamos de tomar o caso BPN – e o do BPP é em tudo semelhante – como sintoma de um mal maior, muito mais vasto e insidioso, que tem vindo a gangrenar a sociedade e a democracia em Portugal nestes últimos vinte anos.

De facto, pode-se dizer que, com a ascensão ao poder  de Cavaco Silva e dos seus apaniguados na década de 80, uma nova geração fez a sua entrada no reino da política portuguesa. Era composta por indivíduos que não vinham dos grupos que, à esquerda e à direita, tinham adquirido a sua experiência política nas hostes da ditadura ou na oposição à mesma. E não pertenciam, pelas suas origens sociais, às classes onde eram habitualmente recrutados os políticos deste país. A geração cavaquista era, em regra e com algumas excepções, formada por homens da classe média baixa – ou da pequena (e às vezes pouco remediada) burguesia -, muitos deles obscuros advogados de província ou professores universitários de escasso currículo, alguns sem carreira profissional que se notasse fora do circuito da vida partidária. A geração cavaquista introduziu, em grande medida, a figura do «político profissional», do carreirista ou do arrivista que vive das promoções e das oportunidades oferecidas pelo cargo a que se consegue alcandorar, quase sempre por via do intriguismo, do comércio de favores, do tráfico de influências, de um misto de subserviência calculada e de facadinha nas costas com que é feita a baixa política dos partidos que se têm alternado no poder ao longo destes trinta anos de 2.ª República.

O cavaquismo não foi, por isso, apenas uma ideologia e um programa de restauração dos monopólios económico-financeiros dominados pelas famílias de sempre.

O cavaquismo foi também toda uma maneira de estar na política e na sociedade em geral. Foi, por assim dizer, uma forma particular de imoralidade, caracterizada pelo novo-riquismo típico de quem chegou aos corredores do poder «com uma mão atrás e outra à frente», deslumbrado com o fulgor do dinheiro fácil que, por esses anos, jorrou abundantemente (apenas para alguns bolsos), rendido a uma ideia de sucesso associado à ostentação do luxo e ao consumismo desenfreado, onde «tudo valia» e onde a única norma era a ausência de escrúpulos.

Só isso explica a ascensão de personagens como Oliveira Costa e Dias Loureiro, figurinhas medíocres que não deixaram qualquer marca ao passarem pelo governo, mas que souberam ir tecendo uma teia de influências que depois puseram a render – numa versão renovada do chico-espertismo nacional.

Instalado nos aparelhos partidários do PSD e do PS, clonando-se de geração em geração, derramando-se também sobre as empresas públicas e privadas e sobre os órgãos de comunicação social, o homo cavaquista acabou por monopolizar a vida interna dessas organizações e o controlo da política em Portugal.

José Sócrates é, nesse sentido, um lídimo herdeiro do cavaquismo enquanto imoralidade instituída. Todo o seu percurso pessoal  é uma celebração do oportunismo, da falta de brio, do desenrascanço carreirista, perfeitamente ilustrados pela forma manhosa como obteve um diploma de licenciatura e como colocou a sua assinatura em «projectos» de aberrações urbanísticas.

O verdadeiro legado do cavaquismo é, pois, esta sucessão de políticos ínfimos, incapazes de uma ideia que resgatasse este país da «apagada e vil tristeza». Uma tristeza de que eles são, no essencial, os principais obreiros.

5 thoughts on “A verdadeira herança do cavaquismo

  1. E o que ainda é mais revoltante é que a malta, não satisfeita com o panorama, vai reelegê-los outra vez!
    O Zeca é que tinha razão: E quando os mais são feitos em fatias…não matam os tiranos, pedem mais!!!!!

  2. Grande texto, caro Mário.
    O cavaquismo foi o começo da decadência moral da política em Portugal e foi facilitado, por um lado, pelo dinheiro fácil dos fundos estruturais da UE e, por outro, por ter coincidido com a ascensão do neoliberalismo e do “yuppismo” a ele associado. Foi a partir daí que deixámos de respeitar a maioria dos nossos políticos. Com Sócrates e a sua pandilha, essa degradação aprofundou-se e a degradação moral do exercício da actividade política atingiu níveis inimagináveis.

    • Ontem o Cavaco teve a «lata» de falar nos «sacrifícios» pedidos aos Funcionários Públicos!!!! Será que esta importante fatia de eleitores irá votar no seu carrasco? Será que, por vingança, para mostrar o seu desagrado com os erros de um Governo e da mediocridade da maioria dos deputados vão votar no «salarzinho» ?

  3. Pingback: Arrebenta - The Braganza Mothers : O Segundo Cavaquismo, como justa catarse do Primeiro

  4. O pior disto tudo é que muitos dos funcionários públicos deste país(a maioria menos informada), são os primeiros a votar no “patrão” Cavaco ou qualquer outro sacana que ocupe aquele lugar, ainda temos um país com uma cultura muito enraizada do”Tacho” ou da “cunha”, repare-se no exemplo da Madeira, onde está o “Patrão João Jardim” ou melhor o Padrinho, está toda a classe de funcionários públicos e mal daqueles que o não sigam…passam à lista negra e daí ao desemprego…

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