E vivó comunismo! (chinês)

Ficámos a saber que Jin Liqun, Presidente do Conselho de Supervisão da China Investment, condiciona a ajuda financeira da China à Europa na base da chantagem contra os direitos sociais e laborais dos trabalhadores europeus. No entender desse senhor, os europeus não passam de uns mandriões, que só gostam de apanhar sol na praia, à conta das regalias sociais de que gozam, em vez de trabalharem no duro. E, já se sabe, trabalhar no duro em versão chinesa é mais ou menos isto:

Ou isto:

Ou, numa vertente mais “high tech”, isto:

Sendo que o repouso reservado para trabalhadores não ociosos se parece muito com isto:

Ou (preferencialmente, pois assim nem é preciso abandonar o local de trabalho) com isto:

É uma tristeza imensa que o «modelo social europeu», conquistado por lutas duríssimas – nas quais, convém lembrar, os comunistas tiveram um papel de relevo -, esteja a soçobrar diante da chantagem de quem representa, hoje, a regressão ao capitalismo selvagem do século XIX.

É sabido que China está, actualmente, bem posicionada para ocupar o primeiro lugar na economia capitalista mundial. Semelhante perspectiva deve ser motivo de grande inquietação para todos os que reivindicam a preservação do tal modelo social, hoje cercado por todos os lados (começando pela própria Europa). A chantagem do senhor Jin Liqun mostra que a tendência será para nos aproximarmos, a passos cada vez mais largos, do modelo social chinês: desigualdades ainda maiores na distribuição dos rendimentos, proletarização maciça de todos os sectores (incluindo o terciário) e exploração intensiva do trabalho sem contrapartidas no domínio da protecção social e da qualidade de vida. Se dantes o céu era o limite, agora o limite está na Muralha da China. É lá que vamos ser todos emparedados.

Que, entretanto, esse capitalismo selvagem ainda possa passar, aos olhos de alguns lunáticos, por «construção do socialismo», é algo que só não surpreende quem conheça um pouco da história da ideologia comunista. De facto, assim que tomaram o poder na Rússia, os bolcheviques não fizeram segredo da admiração que nutriam pelos métodos laborais do taylorismo. A inumanidade das linhas de montagem era o ideal de organização do trabalho para homens como Lénine ou Trotsky. Este último sonhou mesmo em criar brigadas de trabalho forçado como paradigma a instaurar no espaço laboral. Alguns, como Aleksei Gastev, idealizaram mesmo uma humanidade futura perfeitamente robotizada. Chamavam a isso «gestão científica do trabalho». É claro que a democratização das relações laborais não passava por estas cabecinhas – que ainda hoje servem de modelo para muito activista e militante que faz uma leitura bastante selectiva da história .

Se, como dissemos acima, os comunistas na Europa ocidental se bateram pelos direitos laborais que acabaram incorporados no tal «modelo social europeu», ao mesmo tempo que os seus congéneres russos faziam tudo para espezinhar esses direitos, isso é uma daquelas contradições que percorreram a trajectória do comunismo, feita de coisas admiráveis e de coisas medonhas.

(Nota à margem: que Jin Liqun escolha a imagem dos preguiçosos a apanhar banhos de sol na praia para vituperar os direitos dos trabalhadores europeus é algo que indica outro aspecto da mentalidade comunista: o ascetismo como modelo de vida, a hostilidade a tudo o que releve do prazer físico e da sensualidade)

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