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Para greves que causem mossa

Agora que se cumpriu mais uma greve anual, vivida por alguns como se fosse o acontecimento revolucionário das suas vidas, vale a pena pensar um bocadinho no que podem ser greves a que valha realmente a pena aderir – sobretudo num momento como o que estamos a atravessar.

Comecemos por recordar o que é, de facto, uma greve. Ela não é, no essencial, uma forma de protesto. É, isso sim, um instrumento de pressão reivindicativa que consiste em suspender, por tempo indeterminado, a actividade laboral até que o patronato ou uma autoridade política (um governo) cedam a uma de duas exigências: encetar um processo de negociação com os trabalhadores em torno de um caderno reivindicativo ou aceitar, desde logo, as reivindicações que motivaram a greve. No seu sentido histórico original, greve é isto.

Reconhecemos, no entanto, que hoje em dia é extremamente difícil, se não impossível, mobilizar os trabalhadores para greves como as que acabámos de definir. Se, no passado, o movimento operário conseguiu aderir a este tipo de forma de luta, tal explica-se pela conjugação do desespero extremo com a noção de que quase nada  havia a perder. Em contrapartida, a ascensão social dos trabalhadores, e a completa transformação dos espaços laborais e da própria natureza do trabalho, levaram a que agora as pessoas sintam que há muito a perder em greves que impliquem uma hemorragia salarial prolongada. Iludir isso seria desvincularmo-nos da realidade.

No entanto, entre greves de um dia, realizadas uma vez por ano sem quaisquer efeitos duradouros, e greves por tempo indeterminado há todo um espectro de géneros de greve que poderia perfeitamente ser explorado pelas direcções dos sindicatos e pelas centrais sindicais. Pode haver greves sectoriais repetidas mensalmente ou com outra periodicidade regular, pode haver greves de vários dias seguidos, pode até haver greves gerais efectuadas com maior regularidade.

O risco que se corre, claro está, é o da banalização que esvazia este instrumento de pressão. Afinal, os gregos já vão na 19.ª greve, sem que delas tenha resultado a mais pequena inversão do drama em que se encontram. Para quem está de fora, contudo, a sensação é que também os gregos têm usado as greves mais como expressão simbólica de protesto do que como forma de pressão planeada com base num conjunto muito claro de exigências e de alternativas. Não admira que, assim, as greves percam conteúdo, independentemente da sua capacidade de mobilização (a qual, na Grécia, até tem sido grande).

Seja como for, o regresso a greves que sejam mais do que protestos só se fará se, por um lado, os trabalhadores mostrarem forte motivação para as fazer, e se, por outro, as direcções sindicais estiverem empenhadas em prepará-las. E esta responsabilidade é dupla: nem os trabalhadores podem ficar numa postura meramente passiva, esperando que os sindicatos actuem por eles, nem as direcções sindicais se podem limitar a convocar greves muito mais exigentes sem uma prévia e prolongada acção de agitação no terreno.

Por fim, há ainda outro aspecto fundamental a considerar. Em Portugal, como provavelmente noutros países europeus, as maiores taxas de sindicalização e de adesão às greves situam-se, esmagadoramente, nos corpos profissionais da Função Pública e dos Transportes públicos. O sector privado é, nos tempos que correm, um quase deserto em matéria de sindicalização, de consciência laboral e de capacidade de mobilização. Um deserto pontuado por pequenas e médias empresas cuja escala fragiliza ainda mais o potencial reivincativo de quem aí trabalha. Daí que uma expressão como «greve geral» seja, entre nós, enganadora. Não sabemos como é possível inverter esta situação. Uma situação que nasce, em grande medida, da precarização contratual, comum para a maioria dos trabalhadores privados, e do medo ou chantagem implícita que ela exerce.

Como atrair os trabalhadores do sector privado para greves feitas a sério é um dos desafios que deveriam estar já a ocupar as cabeças dos dirigentes sindicais. Se isso não for feito, e se as formas de luta se vierem a radicalizar no seio da Função Pública, corremos o risco de balcanizarmos o mundo laboral e de surgirem clivagens entre trabalhadores de Estado e trabalhadores de empresas particulares. 

A agenda está, pois, carregada e incerta.  Tal como o  horizonte que nos espera.

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