E amanhã?

Tal como um dos nossos últimos “posts” recordavam o texto que publicámos aqui há um ano atrás, relembramos agora o que escrevemos em 24 de Novembro de 2010. Com a percepção de que nada mudou e com a convicção (dolorosa) de que nada mudará nos tempos mais próximos. Mesmo que os “donos” da “luta” proclamem, demagogicamente, o contrário.

Hoje realizou-se uma greve geral. Ou seja: uma daquelas formas de luta que, pela sua amplitude, deveria ser muito mais do que um protesto, pensada numa perspectiva de continuidade e usada para fazer avançar, de forma eficaz e contundente, um caderno reivindicativo bem claro.

E agora?

E amanhã?

Amanhã os grevistas de hoje (todos nós) voltarão ao trabalho, para serem apascentados na ignomínia quotidiana em que se transformou boa parte das relações laborais.

Amanhã os grevistas de hoje estarão a deitar contas à vida, à espera do Janeiro que trará o Inverno e as reduções salariais.

Amanhã os grevistas de hoje vão ranger os dentes sem saberem o que fazer a seguir para se libertarem do buraco social onde foram enfiados.

Amanhã os grevistas de hoje vão regressar ao desespero manso de quem quer recusar a fatalidade do empobrecimento como horizonte, sem que, ao mesmo tempo, lhe consiga vislumbrar uma saída.

A menos que…

E, já agora, acrescentamos um “post” de João Lisboa, crítico musical no Expresso e blogger nas horas livres, que diz o mesmo que nós por outras palavras:

ORDEIRAMENTE ENQUADRADO O “DESCONTENTAMENTO”, DEVIDAMENTE ACTIVADAS AS VÁLVULAS DE ESCAPE PARA A “INDIGNAÇÃO”, ENTREGUE UM DIA DE SALÁRIO A BEM DA NAÇÃO E ASSEGURADA MAIS UMA ALÍNEA NO CV DOS MANDARINS SINDICAIS, SEXTA-FEIRA 25.11.11 SERÁ APENAS UM DIA IGUAL AOS OUTROS

11 thoughts on “E amanhã?

  1. Porque gosto de assumir aquilo que faço, fica já aqui um esclarecimento (com o aviso prévio de que eventuais rosnadelas irão parar ao caixote do lixo):
    Desta vez, resolvi não aderir à dita greve geral. Porque estou farto de formas de pseudo-lutas feitas à medida dos sindicatos-que-temos: para que eles mostrem, uma vez por ano, que existem. Porque estou farto de protestos inconsequentes (ainda para mais, pagos). Porque estou farto de tipos que salivam com esta greve como se ela correspondesse a um novo 25 de Abril, e que amanhã vão estar, como de costume, a amochar no local de trabalho sem saberem o que fazer. Porque quero mais do que isto.
    E porque estou farto dos “donos” da “luta”.
    Dito isto, tenho todo o respeito por aqueles que fizeram greve, não por seguidismo ou por terem medo de ficar mal na fotografia do politicamente correcto, mas por pensarem que esta greve era, apesar de tudo, um dos poucos meios de mostrar descontentamento ou revolta com as políticas austeritárias que nos estão a ser impostas. Só que isso, para mim, não chega. Protestos há muitos, e quase sempre ineficazes se não forem acompanhados por formas mais drásticas (e maduras) de intervenção no espaço público. E que ninguém venha com conversas de gradualismo, que é preciso esperar, que estas coisas levam muito tempo, etc. e tal.
    Talvez o desespero social, que cresce surdamente, ajude a queimar etapas. Ou não. 2012 ainda será capz de nos surpreender?

        • Já agora, aproveito para lhe agradecer o facto de ter aprendido (e de estar a aprender) várias coisas sobre música pop através da leitura dos seus textos. Uma das grandes revelações musicais que tive nestes últimos anos – Scott Walker – obtive-a graças a si.
          Um abraço renovado, pois.

    • Com autorização de acumulação e tudo?
      Sim, claro, mas apenas se pertencer aos párias – os empregados do sr. Crato.

  2. Mário: CTT, corticeira Amorim, Lisnave, Galp, pequenos e médios industriais,…, aderiram. Toda a Europa está em ebulição.

    Tantos que fizeram greve numa perspetiva mais abrangente do que reinvidicar contra os ataques à sua profissão.

    O Ocidente está em mudança numa perspetiva do séc.XIX. Todos nos observamos e eu agradeço aos gregos cada dia de salário que perderam, por adesão às greves, por reunirem, pensarem e procurarem mostrar a falência do FMI e o lucro da Alemanha e França.

    Não posso, portanto, concordar com os seus argumentos.
    Abraço.

    • Maria,

      A questão não está na contabilidade das adesões, mas na eficácia de greves de um dia como forma de luta. Fala-me da Grécia. Mas a Grécia é o perfeito exemplo de como este tipo de greves, acompanhado pelas manifestações de rua habituais, não tem conseguido inverter o caminho do desastre social e as políticas austeritárias.
      Recupero um comentário que deixei no blogue do Paulo Guinote e que sintetiza o que se me oferece dizer neste momento:

      Greves gerais – que, na prática, mobilizam os trabalhadores do sector público e pouco mais e que, por isso, são muito pouco gerais – de um dia, feitas uma vez em cada ano, têm alguma possibilidade de ser vitoriosas? «Vitória» aqui significa o quê? No meu vocabulário, «vitória» seria forçar o antagonista, patronato ou governo, a encetar um processo negocial ou a ceder a um caderno reivindicativo. Isso obtém-se, no contexto actual, com greves de um dia? É claro que não. Greves de um dia são simplesmente formas de protesto. Podemos todos protestar bastante. Mas não se confunda isso com formas de luta potencialmente vitoriosas. Olhem para o exemplo da Grécia, que já vai, pelos vistos, na 19.ª greve e em não sei quantas manifestações de rua. Essas “magníficas” “formas de luta” não conseguiram inverter um milímetro da situação de destruição dos direitos sociais e laborais nesse país. A malta protesta muito, ocupa muitas ruas e praças (que «são nossas», claro), faz muitas «acampadas» e muitas «assembleias populares», mas depois é a direita que ganha as eleições, como se viu agora em Espanha, com um programa austeritário ainda mais violento.
      É por isso que eu acho espantoso que o pessoal, perante a evidência de fracassos tão retumbantes, continue a apostar em “formas de luta” que parecem estrategicamente orientadas para esses fracassos e para a confirmação da impotência partilhada. Mas, claro, o facto de se estar metido num grupo grande, com toda a gente a fazer a mesma coisa (a protestar), é garantia certa de auto-gratificação delirante e de alucinação psicótica.
      Não acham que chegou o tempo de começarmos a pensar se há outras maneiras de agir, de preferência com eficácia política?

    • No “post” que escrevi a seguir a este sugeri um caminho alternativo para este modelo de greves. Esqueci-me de um “detalhe” essencial: para que greves prolongadas possam funcionar, é absolutamente vital que os sindicatos encetem um processo de criação de fundos de greve – algo que já devia ter sido feito há muito tempo e que deveria envolver, naturalmente, tanto os trabalhadores sindicalizados como os não sindicalizados (que são em muito maior número). Terão os nossos sindicatos e as centrais sindicais clarividência e coragem política para fazer isto? O problema é que receio bem que não tenham. E é isso que nos trama, pois, queiramos ou não, estamos completamente dependentes do que as direcções sindicais entendam fazer…

      • Mário, a minha referência a algumas das grandes empresas, tem a ver com as sucessivas afirmações de que as greves só têm adesão dos funcionários públicos. Não corresponde à verdade, ao patronato dá jeito, e todos os que começam a refletir já perceberam que o que hoje se ensaia na função pública aplica-se no dia seguinte aos trabalhadores aos trabalhadores das empresas privadas.
        Tenho um casal amigo grego que me tem contado o que dividiu, de inicio, o povo foi :funcionários públicos/ trabalhadores de empresas privadas, trabalhadores jovens/ trabalhadores seniores ou reformados.Mas se as greves gregas não existissem, como na Irlanda, os outros povos não compreenderiam os enormes sacrifícios, que os asfixiam, e a ausência de uma solução que só poderá ser global: a nível europeu e não só.O povo grego, com manifestações e greves, alertou o mundo como um primeiro ministro pode ser substituído, sem eleições, por um tecnocrata obediente a mando de MERKOZY.
        ,O Poder encarregou-se de iniciar o mote e os menos esclarecidos começaram a ser caixas de ressonância: função pública + privado..
        Pode-se fazer greve sem estar sindicalizado, ter ou nãor um partido onde se enquadre, por razões profissionais ou mais abrangentes. Pode-se ir manifestar numa multidão heterogénea ou não. Pode ser uma catarse ou pode ser apenas um passo na luta quotidiana na sociedade, com os amigos, na família, no local de trabalho, num país, num continente ou no mundo que nos cerca.
        Quanto ao esclerosamento do sindicalismo estamos de acordo e também a sua falta de prática democrática; mas a luta está tomar novas formas que inclui pessoas que não votavam nem se sindicalizavam.
        Concordo com o seu último “post”. No norte da Europa as quotas dos sindicatos contribuem para os que caem no desemprego e para os que fazem greve. Assinalei num “post” a minha indignação pelo fato das quotas pagas à Fenprof, elevadíssimas, não servirem para o apoio a uma luta que seja longa. Não podem servir para sedes pomposas. Todos sabem que os sindicatos “aplicam” dinheiro e que as receitas são superiores às despesas. Mas que essa diferença sirva, num momento de luta, para aliviar os mais penalizados.
        Respondi porque não sou dona da verdade e já respondia aos que eram contra greves gerais, mal organizadas e sem consequências imediatas, organizadas pelos reformistas antes do 25 de Abril.

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