Revisão da Estrutura Curricular: gato escondido com rabo de fora

Foi ontem apresentada, publicamente, e profusamente divulgada pela comunicação social, mais “uma etapa” do processo tendente à poupança de largas centenas de milhões de euros à custa das condições laborais e da estabilidade profissional de largos milhares de docentes. Não adianta sequer avançar aqui com a demonstração de tal facto, bastando para tal a consulta aos quadros com as cargas horárias totais, nos diversos ciclos de ensino, constante no documento de Revisão da Estrutura Curricular. Para além das reduções de carga horária que irão sofrer estas ou aquelas disciplinas, da eliminação disto ou daquilo e do sentido e coerência destas “reformas”, situações já largamente debatidas na blogosfera, importa sublinhar dois aspetos preocupantes e desconstruir o mito do reforço da carga horária da disciplina de História, no 3º ciclo. Vejamos:

– A simples eliminação da Formação Cívica, vai certamente contribuir para a redução global de horários letivos (numa escola de 2º e 3º ciclo poderá significar um corte de 2 horários completos, ou próximo disso) e obrigar a horários com maior número de turmas, a par das nefastas consequências daí decorrentes. Por outro lado, não se percebe bem em que momento e circunstâncias os diretores de turma irão poder tratar das questões disciplinares e burocráticas com os seus alunos. Finalmente, mas não menos importante, importa  saber como e de que forma os Conselhos de Turma irão conseguir desenvolver, de forma transversal, as atividades que visam a formação integral do aluno e a prática de uma cidadania ativa, informada e responsável.

– Facto da maior gravidade e a obrigar a uma grande atenção por quem de direito (leia-se, sindicatos… completamente cilindrados e mesmo ignorados neste processo): para além de tudo o que ficou referido no ponto 1, a eliminação da Formação Cívica pode muito bem abrir o caminho para a passagem das 2 horas de reduçao da direção de turma, da componente letiva para a não letiva. Sobre isto Nuno Crato nada disse. O silêncio é de ouro para o MEC… mas seria bom que não se esperasse pelo documento de lançamento do ano letivo 2012-13 com o facto eventualmente consumado.

– Ao contrário do que a comunicação social apressadamente veiculou, e que o próprio Nuno Crato se encarregou de reforçar no “Prós e Contras”, de ontem à noite, é falso que esta Revisão Curricular, tenha vindo reforçar a carga horária da disciplina de História, no 3º ciclo. O que agora se anuncia não é propriamente um reforço, mas sim uma simples reposição do meio bloco letivo que a esmagadora maioria das escolas já atribuía à disciplina de História, na gestão dos tempos a atribuir pela escola, tempos esses que, este ano letivo, foram suprimidos. Ainda assim, a História continuará a ser uma disciplina sacrificada e depauperada na sua carga horária. Basta recordar que, no passado, e sem alteração dos programas, a História, no 3º ciclo, dispunha de 400 minutos (3+3+2 tempos de 50 minutos) e para o próximo ano letivo (já incorporando este meio bloco agora reposto), na maioria das escolas, passará a ter 360 minutos (1+1,5+1,5 blocos de 90 minutos) se se mantiver a paridade da distribuição de tempos com a Geografia. E esta é, precisamente, outra questão lamentável que o MEC continua a não querer assumir e resolver: a divisão dos tempos letivos entre a História e a Geografia tem provocado conflitos e decisões opostas, de escola para escola, sendo que nuns casos se respeita a paridade e noutros, tanto quanto sabemos, a História tem tido maior carga letiva. Como ficarão as coisas agora? E o MEC o que tem a dizer sobre isto? Ahhh já se sabe: autonomia. Que pena que não dê também autonomia para que as escolas possam decidir qual o modelo de gestão que preferem.

P.S. – O pior ainda poderá estar para vir. Mas não vamos falar aqui do artigo 79 do ECD…

Adenda: Importa aqui agradecer o contributo do António Duarte (na caixa de comentários) que recordou que a História teve um período intercalar em que dispôs de 3+3+3 tempos de 50 minutos (até 2003, altura da introdução das aulas de 90m), o que perfazia um total de 450 minutos face aos 360 que se anunciam para 2012-13. Se dúvidas restassem… aqui está a demonstração cabal da significativa perda de tempo letivo que a História sofreu nos últimos anos.

14 thoughts on “Revisão da Estrutura Curricular: gato escondido com rabo de fora

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  3. Uma correcção: na reforma de Roberto Carneiro a História tinha 3 tempos de 50 minutos em todos os anos do 3º CEB, e não o 3+3+2 referido e que corresponde a um passado mais distante. O grande corte aconteceu com a reorganização de 2003, a das aulas de 90m. Aí é que a História, assumindo uma divisão equitativa com a Geografia, passou a ter 90m apenas em dois dos anos de escolaridade.

    Ou seja, haverá agora, a confirmar-se o novo desenho curricular, um aumento de um tempo de 45m, é inútil negá-lo; contudo ficaremos sempre aquém daquilo que já existiu. E não esquecer que o programa continua a ser, no essencial, o que foi nessa altura pensado para 3 anos com 3 aulas semanais de 50m.

  4. António Duarte,

    Obrigado pela nota acerca desse período com 3+3+3 de 50m, eu tb tinha essa ideia… mas já foi há tanto tempo que não estava totalmente seguro disso.

    Quanto ao aumento de 45 m para o ano que vem reafirmo a tese expressa no post: é simplesmente uma reposição de algo que foi retirado este ano, por via da eliminação das horas a gerir pela escola.

    Abraço

  5. O texto não está mau para um blog corporativo da disciplina de História ,mas para ser um texto de reflexão sobre a reforma do ministro Crato é muito pobre, esquece a EVT as TIC e tudo o resto. Ricardo assim a Apede não sai do Gueto da escola EB 2,3 D.Carlos I

  6. Caro Francisco,

    Não entendi bem o alcance do teu comentário e creio que há por aí alguns equívocos de análise.

    No texto está escrito o seguinte: “Para além das reduções de carga horária que irão sofrer estas ou aquelas disciplinas, da eliminação disto ou daquilo e do sentido e coerência destas “reformas”, situações já largamente debatidas na blogosfera”. Isto mostra que não esquecemos o facto que referes. Mas não era disso que, neste post, queríamos falar. É óbvio para todos os colegas (e foi essa a situação mais debatida e analisada anteontem e ontem) que EVT e TIC são as disciplinas que saem mais prejudicadas nesta Revisão Curricular. Escrever um post para repetir o que já se escrevera, um pouco por todo o lado, seria como “chover no molhado”, nada poderíamos dizer de novo. Obviamente que não defendemos o corte de horas nessas disciplinas, nem a situação de crescente precariedade que se vai abatendo sobre estes e outros colegas, nomeadamente os contratados. Sobre essa matéria muito temos escrito, denunciado e até desenvolvido diferentes formas de luta, ao longo dos tempos. Escamotear isso só poderá ser um lapso de análise.

    Resumindo: não se pretendeu escrever um texto de análise, ponto a ponto, sobre a Revisão agora apresentada por Nuno Crato, o objectivo era chamar a atenção para alguns aspetos menos comentados na blogosfera e muito menos ainda referidos na comunicação social. Um dos pontos importantes era, precisamente, desmentir toda a campanha de “marketing” político (também alimentada pela comunicação social) sobre o reforço das horas para a disciplina de História. Tentámos demonstrar que se trata de uma falácia. Se isso torna o texto corporativo, pois que seja. Não vejo onde esteja o problema. Devias saber, porque és de Geografia, que a redução de horas não deve, nem pode ser vista apenas pelo lado estrito dos horários, a menos ou a mais, pelo aumento do nº de turmas por professor, mas também de um ponto de vista pedagógico e didático, pois menos horas (de 450 minutos para 360, no caso da História), com o mesmo programa, significa muito maior dificuldade em desenvolver um ensino de qualidade. Correcto?

    Por outro lado, consideras ou não importante chamar a atenção para o perigo das horas de redução da DT poderem passar para a CNL? E quanto ao artigo 79 do ECD? Se as reduções passarem também para a CNL, consideras ainda que este texto, em jeito de alerta, continua a ser corporativo?

    Finalmente, quanto ao gueto da D. Carlos I: há muito tempo que não dás lá um pulinho… tens de fazer isso. Vais encontrar membros da APEDE de História, de Língua Portuguesa, de Ciências da Natureza, da Educação Especial, de Inglês, da Geografia, etc. Não vejo pois onde se pode sustentar essa crítica a um suposto corporativismo (se era à defesa da História que te referias). Para lá de Sintra… tb há mais APEDE, não tenhas dúvidas. Uma coisa é certa: somos todos professores, nem sempre temos tempo para fazer mais, mas o que fazemos é em defesa da classe, do ensino, dos alunos.

    Antes de te deixar um abraço, fica também o desafio (afinal já nos conhecemos há mais de 20 anos): participa mais aqui no blogue, discute, escreve, dá a tua opinião, és sempre bem vindo.

    Abraço

  7. Caro António Nabais,

    Agradeço a partilha. É com a multiplicidade de análises e pontos de vista que se vai reforçando o combate contra estas políticas de precarização e degradação das condições laborais dos professores que, inevitavelmente, acabarão por se reflectir na qualidade do ensino. E temo que “a procissão ainda só esteja a saír do adro”…

  8. O mais ridículo é não se falar na existência de E.M.R.C. em escolas que deviam ser laicas num país em que a Democracia e o cumprimento da Constituição nunca foram motivo de preocupação cívica. De onde saem os seus salários? Eu pago, tu pagas,…
    Numa Escola Pública, há lugar para 2 professores de EMRC e apenas um jovem os ocupa, acumulando, os 2 horários. É o coordenador, sub-coordenador e “professor”. Propôs-se a ser avaliado com “aulas” assistidas….Teve EXCELENTE!!!!!
    É ainda diretor de turma e em “deformação” cívica convida os alunos a dizer quem são os Professores de quem gostam e de quem não gostam, pede que escrevam “reclamações” ou denúncias em papel, instiga os pais contra os Professores que exigem rigor e trabalho, negligencia os alunos com fome relativamente aos alunos de élite, é um adesivo da Direção, tem horário adequado a outras atividades extra escola.
    Todos nos revoltamos mas o medo faz recuar quando se tenta denunciar este caso e se tenta aglutinar um número razoável de Professores. “Parece que pertenceà OPUS e é muito perigoso pois tem apoios importantes”, argumentam…
    O medo venceu?

  9. Olá Ricardo,
    só agora li este post da APEDE, daí só agora escrever.
    Vou tentar ser sucinta:
    1 – A meu ver, não se deve apresentar o argumento de que o fim da FC, do EA ou da AP extinguem horários de professores. O que é necessário é fazer uma apreciação séria sobre a utilidade ou não as áreas não curriculares.
    Quanto a mim, de facto, para nada servem.
    Mas em vez de EA e AP deveria haver Salas de Estudo com, no máximo, 15 alunos.
    2 – O trabalho de Direcção de Turma é, actualmente e já de há anos a esta parte, cada vez mais importante dada a complexidade de situações familiares com reflexos muito negativos na escola, quer a nível disciplinar quer a casos de fome (no ano passado eu tinha um aluno que sistematicamente me adormecia na aula : veio a provar-se que era por fome).
    Logo, o professor DT tem que ter 2 horas para as tarefas burocráticas, 1h para a recepção de EE’s e 2 horas para tratar com os alunos questões relativas à DT que englobem o que na FC se fazia. Se estas horas deverão estar dentro da CL ? As 2h com os alunos, sem dúvida. Tudo o que é trabalho directo com alunos deve estar na CL. As outras horas t~em de estar na CNLP
    3 – Nas circunstãncias em que vivemos, os professores devem, a meu ver, dar as suas aulas o melhor possível e desenvolver as componentes NLP e NLNP com o ritmo que as horas o permitirem SEM DAR UMA ÚNICA HORA EXTRA.
    O velho argumento de “coitadas das crianças” não colhe.
    Por essa ordem de ideias os médicos não deixariam de cumprir as horas extraordinárias a partir de Janeiro (“coitados dos doentes”)
    4 – É URGENTE mostrar que o governo não pode ter um professor por x euros, se não pode pagar mais, tem é x euros de professor ! Era assim no meu tempo : ia-se às compras, que podiam ser avulso e pedia-se “d~e-me 10 tostões de rebuçados” ou “dê-me 3 escudos de farinha”, não se chegava lá e se dizia “quero um pacore de rebuçados e só pago 10 tostões” ou “quero 1 kg de farinha mas só pago 3$00”.
    5 – A culpa tem sido muito nossa. Divididos por tudo e mais alguma coisa, por pequenos poderes dentro das escolas que nem sequer se traduzem em dinheiro, nunca soubemos unir-nos seriamente na defesa de um ensino de qualidade, sem horas a mais só porque vão dar mais uns horários, com horas NECESSÁRIAS ao estudo sério de uma disciplina tão estruturante como é a História, por exemplo, onde é possível fazer formação cívica.
    Mariana
    Profª de matemática

  10. Olá Mariana,

    Estou em grande medida de acordo com o que escreves e já propus e vi aprovada, renovada todos os anos, a atribuição de uma hora extra, na CNL, para os diretores de turma (ficando assim com 2 na CL e mais 1 na CNL. Poucas escolas terão isso. Há coisas que se podem fazer, e não devemos desistir de melhorar o que for possível.

    Sobre a questão da extinção das ACND (AP, EA e FC), frisando bem que a APEDE sempre defendeu essa medida (desde que todas as horas daí resultantes fossem divididas pelas áreas curriculares mais deficitárias), considero que é fundamental denunciar a política governativa de cortes cegos, cortes que têm como único objetivo e fundamento a redução de despesas e a poupança de uns quantos milhões (à custa da Educação e da Saúde) que servem para pagar os desvarios das obras públicas, dos buracos dos bancos, das “jardinices” derrapagens orçamentais, gastos sumptuários com leasings, rendas, e assessorias jurídicas dos orgãos do Estado, etc… Extinguir, reduzir, cortar, sem olhar a meios ou sem ter na base uma filosofia educativa coerente, não me parece decente nem próprio de um Estado civilizado. E basta lembrar as declarações públicas de Passos Coelho, na fase de campanha eleitoral, em que jurou a pés juntos tudo fazer para reverter a intenção de extinção do par pedagógico em EVT, e confrontá-las com as medidas agora anunciadas, para percebermos a dimensão do logro e da falsidade em que se movem estes atores políticos. E isso tem de ser denunciado!

    Quanto ao facto de eu dar apenas “1500 euros de professor” aos meus alunos, pessoalmente, considero que posso (e quero) dar, pelo menos, o valor ilíquido 🙂 Eles depois compensam-me muito para além disso (não só no ano corrente, mas tb noutros momentos, pela vida fora). Como tu bem sabes, e tão bem tens sentido na tua carreira tb. Outra coisa são as tretas burocráticas, papeladas inúteis, reuniões sem sentido, certas “palhaçadas” e “atividades circenses”, entre outros desvarios paridos pelas mentes retorcidas, inventivas e colaboracionistas, de certos diretores tiranetes, tristes “líderes” de papel e pés de barro. A tudo isso faço um grande e largo manguito.

    Beijinhos

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