Um “post” dedicado ao nosso colega e amigo Zé Manel Faria, que muito provavelmente assinaria este texto por baixo (como muitos de nós)

Vale a pena ler este texto de João Tunes. Para todos os que pensam não ficar em casa no dia 5 de Junho:

A parte mais penosa da exposição do deserto de ideias nos discursos políticos oficiais que encadernam a maquete da representação multipartidária está aí, nos debates televisivos a dois. Logo que desbobinadas as primeiras conversas a dois, de formas absolutamente previsíveis, as mentiras, os recursos demagógicos, as fantasias, as teclas a martelar, os apelos aos medos e à inevitabilidade, como se de uma enxurrada discursiva incluída num catálogo se tratasse, saíram das mangas dos fatos dos truques e esgotaram num ápice as imaginações dos líderes partidários. Julgo que os eleitores ficaram fartos, saturados até de tanta mediocridade, de saberem que a escolha do dia 5, por acordo tácito entre todos os partidos do arco parlamentar, será entre aceitar passivamente a penúria de uma não solução ou a substituição da realidade pelo refúgio numa fantasia mal amanhada e realíssimo pechibeque enquanto redenção. Daqui para a frente, até se votar, as palavras, os argumentos, servirão apenas para entreter a espera no medo que deprime os portugueses na campanha e na votação mais tristes e desconsoladas desde que a democracia voltou. Pois que como se a penúria não nos bastasse, todos se uniram para nos injectarem medo e desesperança (e a esperança estúpida feita de cartolina colorida das esquerdas radicais não passa de um tique rotineiro de se traçarem riscos no ar assobiando para cima da realidade). Faltou o trovão e os relâmpagos que o 12 de Março ensaiou e que murcharam no ovo. Assim ficámos entregues, devolvidos, a estes líderes que lembram espantalhos bem maquilhados, uns novos e outros veteranos, mas todos gastos, manhosos, repetitivos, uns estúpidos e outros estupidificados. Do que resulta que “12 Março” ainda não foi, irá, terá de vir, acontecer. Algo como um trovão cívico, necessariamente descoincidente do ritual eleitoral (insubstituível, diga-se para dúvidas não restarem), um rasgo de cidadania contra a mentira, a rotina, a manipulação e o jogo que reduz a democracia à alienação. Ou seja, depois do voto temos de nos encontrar por aí. É que desmontado o circo da demagogia há que sacar das vassouras. É por estas e mais que por outras que, para o dia 5, é este o meu apelo e não pró voto útil ou pró voto inútil, no partido A ou contra o partido B, dado que a fraude foi colectivizada. Que cada um castigue o sistema partidário viciado e bloqueado como entender procurando ser o mais livre que lhe for possível na escolha do objecto de justa embirração pois os deméritos estão criteriosamente muito bem distribuídos.

Ensaio sobre a simetria política

PS e PSD ilustram, hoje, as contradições e os limites da deriva oligárquica que se apoderou dos principais partidos da cena política portuguesa. Mas ilustram-no exibindo males diametralmente opostos. Isto é: simétricos um do outro, num espelho que devolve o mesmo, mas invertido.

O PSD é, de há muito, um partido fragmentado por grupos e grupinhos de influência, por “personalidades” ávidas de protagonismo, todas a correr em pista própria e com a faca preparada para apunhalar o colega nas costas. E é um partido estruturalmente incapaz de gerar lideranças fortes. Passos Coelho é só mais um, pronto a ser devorado pela besta partidária, nem mais nem menos patético do que outros que o precederam.

O PS, em contrapartida, é a ilustração deprimente de um partido homogeneizado em torno de um líder que tem tanto de combativo, de teimoso, de profissional do faz-de-conta, como de medíocre, de mentiroso, de falho em quaisquer escrúpulos e  de mitómano. Mistura perigosa, sem dúvida. Mas uma mistura à qual se rendeu um partido inteiro, com militantes e dirigentes que já não vêem mais nada a não ser o agarrarem-se ao homem que, apesar de tudo, lhes parece ser o melhor meio para continuarem a chupar a teta das sinecuras.

Votar no PSD é votar num barco caótico, com toda a gente a dar opiniões sobre como orientá-lo, mas sem ninguém no leme.

Votar no PS é votar num barco a afundar-se, com toda a gente a fazer continência ao comandante. 

Programa (para a Educação) do PSD ou do bloco central?

Numa primeira leitura do programa eleitoral do PSD, e esmiuçando um pouco as suas linhas para a Educação, não é  difícil encontrarmos algumas razões para uma séria e fundada preocupação por parte dos professores. Ora atentemos, então, em algumas passagens concretas:

“(…) estabelecimento de uma nova carreira profissionalizada de Director Escolar”

“No modelo de gestão das escolas deve ver-se reforçada a participação das autarquias e da sociedade civil na sua gestão estratégica, pela via do aumento da capacidade de intervenção nos Conselhos Gerais, através de um maior peso nas quotas de representação”

Isto é grave e ainda se torna mais grave quando se articula com isto:

“A selecção do Director deve ocorrer por via de concurso promovido pelo Conselho Geral”

Resumindo: cada vez maior afastamento entre a Direcção executiva da Escola e o corpo docente, crescente menorização do peso e da influência dos professores nos órgãos de gestão, impossibilidade de acesso dos “meros” professores a cargos de gestão executiva, gestão cada vez mais empresarial das escolas, caminho aberto para carreirismos e caciquismos, influência crescente dos municípios na gestão escolar e na escolha do Director com  o consequente aumento da promiscuidade entre as escolas e o mundo da política partidária, enfim… tudo exactamente ao contrário do que devia ser feito. Muito preocupante.

Mais à frente pode ler-se ainda:

“A simplificação do Estatuto da Carreira Docente, em articulação com as competências mais extensas dos Directores de Escola”

Aí está o reforço dos poderes dos Directores, pois a um aumento de competências só pode corresponder um aumento de poderes. Se já tinhamos Directores tiranetes, ressoando autoritarismo por todos os poros, que caminho se quer agora aprofundar? O regresso aos antigos reitores? E  não adianta lembrar Calvet de Magalhães, pois como esse não se encontram por aí aos pontapés. Não será, seguramente, com “competências mais extensas dos Directores” que se restituirá às escolas a “democraticidade perdida”. E o que significará “a simplificação” do ECD neste contexto?

Entretanto, mais uma “novidade”:

“Consolidação do Processo de Agrupamento de escolas, privilegiando a verticalização pedagógica e organizacional de todos os níveis de ensino”

Isto traduz-se numa coisa muito simples: os Mega-Agrupamentos, com o PSD, são para avançar!

Chegados aqui podemos mesmo começar a perguntar-nos se este é o programa eleitoral do PSD ou se não será já o programa de governo de um eventual futuro bloco central.

Continuando com mais uma (não) novidade:

“especialização dos recursos humanos e das equipas das Direcções Regionais de Educação em funções e projectos que acrescentem valor às escolas e potenciem a redução das assimetrias de desempenho.”

Podemos então concluir que as DRE’s se irão manter. Ora aí está uma oportunidade perdida.

Situação MUITO preocupante: não há uma palavra sobre os concursos de professores. Continuarão a ser concursos nacionais? Assim deveria ser, incluindo-se também nesse concurso nacional as escolas TEIP (algo que errada e injustamente não tem acontecido, dando origem a situações gravíssimas de total desrespeito pela graduação profissional nos concursos). Se cruzarmos este silêncio sobre os concursos de colocação de professores com a intenção de reforçar os poderes dos munícipios na Escola e de alargamento das competências dos Directores é razão para ficarmos muito, mas mesmo muito, preocupados.

E a pergunta é: será que é isto que está no livro de Santana Castilho? Será que Santana Castilho defende isto? Não nos parece.

Será isto que defendem os professores? Certamente que não!

Mas é o que defende o PSD.

P.S. – E, já agora, deixamos uma preocupação/pergunta adicional: o facto de não se encontrar, no programa eleitoral, a posição do PSD sobre a consideração dos resultados da ADD na graduação profissional para efeitos de concurso, significa que é para manter o actual “status quo”? Seria bom alguém colocar essa questão a Passos Coelho. Quem sabe já na próxima 5ª feira.

NOTA FINAL – Constata-se que na redacção do seu programa eleitoral o PSD não observou as novas regras do acordo ortográfico. Aí está uma boa decisão.

Cenários da partidocracia portuguesa – 2

Recentemente, a comunicação social começou a andar com Pedro Passos Coelho ao colo. É o tropismo habitual dos jornalistas-que-temos. Quando lhes cheira a poder, precipitam-se em manada. Coisa já vista com Sócrates, que em tempos idos, e por estranho que pareça, foi tido como político genial, cheio de vontades reformadoras e empenhadíssimo em pôr na ordem as malvadas corporações que bloqueiam o desenvolvimento deste país, as quais, como toda a gente sabe, não são encabeçadas pelos Mellos ou pelos Belmiros de Azevedo, mas sim…

… pelos professores, pois claro.

Que o digam os senhores que pontificam neste pilar do jornalismo português, dos primeiros a jurar a pés juntos pela genialidade de José Sócrates, dos últimos a descobrir-lhe a inépcia e, de novo, dos primeiros a afirmar a (futura) genialidade de Passos Coelho.

Mas não é de jornalistas, essa espécie cada vez mais necessitada de aspas, que queremos falar.

Neste “post” vamos deter-nos nessa outra metade do centrão partidocrático, a que é composta pelo PSD. Ou – como diz outro génio (infelizmente reconhecido apenas por ele próprio) da política nacional – a que é constituída pelo PPD-PSD. 

No livro Os Donos de Portugal fica claro que o PSD é o partido preferido pelos grandes grupos empresariais e aquele que, de facto, melhor os serviu sempre que passou pelo poder governativo. Portanto, quando se diz que o PSD é um partido sem ideologia definida, tal não poderia estar mais longe da verdade. A sua ideologia pode não ser, de facto, doutrinariamente brilhante. Mas é bastante óbvia. Consiste ela em servir, de forma estratégica e fiel, os interesses do grande capital (ou da grande burguesia) deste país.

E como esse capital (ou essa burguesia) se caracteriza, no essencial, por parasitar as oportunidades fornecidas e garantidas pelo Estado, o PSD inscreve na sua ideologia duas velocidades em matéria de preservação da substância estatal: muito Estado para os ricos e poderosos; pouco Estado para os pobres e remediados.

Nada que se distinga do programa neoliberal, ainda que alguns abencerragens insistam em discernir uns laivos de social-democracia na linha de orientação de um partido que, por ignorância ou por confusão, quis baptizar-se de social-democrata.

Em tudo isto Passos Coelho é uma nota de rodapé: apenas mais do mesmo, talvez com uma pitadinha acrescida de agressividade anti-social, pois os tempos a isso estão propícios e o PS, de resto, já lhe aplainou consideravelmente o caminho.

Com efeito, é preciso ser-se muito ingénuo para se imaginar que o PSD de Passos Coelho estará disposto a mexer um átomo que seja no edifício laboriosamente construído das “reformas” socratinas. A redução brutal de salários na Função Pública já foi apresentada como um dado irreversível, e a direcção do PSD guardou,  a esse respeito, um silêncio conivente. Aliás, o “novel” dirigente partidário apressou-se a acrescentar que algo de semelhante terá de ser feito nas pensões de reforma. E, contrariamente ao que imaginaram os incorrigíveis ingénuos, ele não se estava a referir às pensões multimilionárias dos gestores de empresas públicas.

Quanto ao sistema educativo e à situação dos professores, é quase tão certo como a chuva de Inverno que Passos Coelho não irá alterar significativamente o essencial dos mecanismos de coerção impostos às escolas, mecanismos plasmados no modelo de administração escolar e no modelo de avaliação do desempenho.

A única incógnita que Pedro Passos Coelho suscita é saber se ele vai mesmo conseguir levar o PSD a uma vitória eleitoral e, caso assim suceda, se ela será folgada ou se vai precisar da muleta do «partido do táxi» – actualmente convertido em partido do autocarro.

Mas, como dissemos em “post” anterior, esta incógnita é objectivamente irrelevante para o futuro deste país, já que partidos como o PSD serão sempre parte do problema e nunca parte da solução…